Descrição de chapéu The New York Times

Tadáskía, artista trans brasileira, cobre as paredes do MoMA com desenhos

Em sua primeira mostra individual nos Estados Unidos, ela expõe figuras de pássaros, usando carvão e pasteis secos

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Ted Loos
Nova York | The New York Times

O Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA, não permite que ninguém desenhe em suas paredes. Mas a artista brasileira Tadáskía, com a exposição "Project: Tadáskía", recebeu permissão para quebrar a regra, pouco antes de ter obras apresentadas na feira Art Basel, em Basileia, na Suíça.

Tadáskía
Tadáskía - Ruy Teixeira/Divulgação

Usando carvão e pastéis secos em todas as cores imagináveis, Tadáskía passou cerca de duas semanas no MoMA criando um desenho de parede imersivo, cheio de figuras de pássaros entre formas curvilíneas e rodopiantes.

Tadáskía é uma artista trans negra que aborda seu trabalho de forma sentimental e espiritual. "Comecei com os olhos fechados e fiz uma oração, oferecendo os desenhos ao mundo", ela afirma, de pé na galeria, cercada por curadores e assistentes. "Eu fiz tudo à mão livre", acrescenta.

Parte do desenho tem mais de seis metros de altura, e ela trabalhou nele em pé sobre um elevador hidráulico. A instalação, uma colaboração com o Studio Museum, no Harlem, é sua primeira exposição individual nos Estados Unidos.

Na parte superior da parede, estão montados desenhos de uma obra separada da artista que o MoMA adquiriu recentemente, "Ave Preta Mística", um livro de 61 páginas sem encadernação que apresenta um protagonista alado e um texto poético. A instalação também inclui duas esculturas curvas no chão da galeria.

A visita de Tadáskía a Nova York marca sua primeira vez nos Estados Unidos. Ela cresceu no Rio de Janeiro, onde ainda vive, viajando com frequência para São Paulo. No último outono, depois de um ano sem representação de um marchand, ela uniu forças com a Fortes D’Aloia & Gabriel, uma galeria com sedes em São Paulo e no Rio de Janeiro, que exibiu sua produção na Art Basel.

"Para mim, ser trans está relacionado a ser humano, e o desenho humaniza a condição de ser trans", ela afirma. "Uma coisa se torna outra coisa, transformação e ambiguidade."

Os pássaros em seu desenho na parede —que podem estar subindo ou descendo, dependendo da perspectiva— foram parcialmente inspirados por uma experiência que ela teve aos 18 anos em uma conferência para estudantes bolsistas, quando estava prestes a entrar na faculdade. Ela aprendeu sobre o "sankofa", um símbolo de pássaro mítico usado pelo provocação, de Gana.

Tradicionalmente, o pássaro é representado girando para trás e pode se referir à importância de conhecer o próprio passado. Ela também se lembra de ter visto a imagem do "sankofa" incorporada nas grades ao redor das janelas dos prédios que via nos arredores do Rio de Janeiro.

"Um pássaro negro místico pode voar para dimensões ocultas", diz a artista, acrescentando que para ela significava "libertação, mas não uma libertação pessoal, e sim uma libertação compartilhada."

As raízes africanas do "sankofa" são significativas para Tadáskía por causa do que ela chama de origem afro-indígena de sua mãe, que também foi a fonte de sua intensa paleta de cores, além do apreço que ela nutre por Pablo Picasso e Henri Matisse.

A imagem mostra uma sala de exposição de arte contemporânea com murais coloridos cobrindo as paredes. Os murais apresentam desenhos abstratos e vibrantes de plantas e criaturas, predominantemente em tons de verde, vermelho, azul e preto. No chão, há instalações artísticas compostas por objetos naturais como galhos, cordas e frutas, dispostos sobre bases brancas com pinturas coloridas.
Instalação 'Projetos: Tadáskía' no MoMA, em Nova York - Jonathan Dorado/NYT

"Durante a infância, eu estava sempre desenhando", diz. Ela também era uma fã dedicada de desenhos animados. Aos 11 anos, contraiu uma infecção bacteriana que paralisou parte de seu rosto. No hospital, uma enfermeira deu a ela "As Fábulas de La Fontaine", um livro do século 17 que despertou o seu interesse pela leitura e pela escrita.

Os animais falantes das fábulas ficaram para sempre marcados em sua memória e, por consequência, em seu trabalho, embora ela tenha dito que divergiu do livro em um aspecto importante. "Todas as fábulas têm uma moral no final", afirma. "Mas meu trabalho não é sobre certo e errado."

Tadáskía chamou a atenção do mundo da arte quando participou da Bienal de São Paulo no ano passado. Seu projeto, que ocupava uma sala toda, era semelhante ao que ela criou para o MoMA, só que menor, e incluía o mesmo livro de desenhos que o museu americano adquiriu. Trabalhando sozinha, Tadáskía levou duas semanas para concluir toda a parte do desenho de parede.

"Quando entrei na instalação, fiquei realmente inspirada", afirma Thelma Golden, diretora e curadora-chefe do Studio Museum. "Ela tinha uma força visual incrível que me parecia familiar, mas também me abriu para novas formas de ver e acreditar na arte." Golden acrescenta que o apelo da artist era "a confiança e a força da criação dela".

A abertura da 35a Bienal de São Paulo ?Coreografias do impossível? aconteceu nesta quarta-feira (6), no Pavilhão da Bienal, em São Paulo - Vincent Bosson/www.fotoarena.com.br

Golden organizou a exposição com Ana Torok, curadora-assistente de desenhos e gravuras do MoMA, e Kiki Teshome, assistente de curadoria do Studio Museum. O projeto de Tadáskía é o quinto de uma série de colaborações entre os dois museus, que começou há cinco anos. O Studio Museum está fechado devido à construção de suas novas instalações.

Enquanto Tadáskía discutia sua galeria do MoMA, os assistentes pintavam de branco todas as marcas perdidas nas esculturas de chão em forma de ilha —pequenas plataformas com desenhos em tons suaves na parte inferior, plantas como grama de praia e taboa afixadas no topo e tigelas de líquido colocadas sobre elas.

Tanto para as esculturas quanto para os desenhos na parede, Tadáskía fez ela mesma os contornos a carvão, com os cinco assistentes ajudando a preencher as cores. Eles foram incentivados a sugerir tons de acordo com a paleta tradicional da artista. "Foi muito mais rápido dessa forma", ela conta. "Sozinha, isso teria levado dois meses, não duas semanas."

A sucessão de dias de trabalho de oito horas foi cansativa. "Eu preciso estar realmente descansada para fazer meu trabalho", disse Tadáskía. Não que isso a tenha afastado da vida de Nova York. "Eu quero morar aqui", afirma ela. "Talvez no Brooklyn."

Projects: Tadáskía

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