Obras de Fernanda Gomes ostentam as camadas da passagem do tempo

Artista expõe na galeria Luisa Strina sua produção recente em ambiente com luz controlada que tira a sombra dos objetos

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Obra sem título de Fernanda Gomes, de 2024

Obra sem título de Fernanda Gomes, de 2024 - Pat Kilgore / Divulgação galeria Luisa Strina

São Paulo

Durante quatro semanas nas quais teve apenas um dia de descanso, Fernanda Gomes ajustava e reajustava obsessivamente peças de madeira no ambiente de sua galeria. As varas, ripas e chapas —algumas pintadas de branco, outras na cor natural— eram combinadas entre si e mudavam de lugar no espaço expositivo até que a artista sentisse, ao ver e ao circular pela sala, que havia chegado à forma final a ser apresentada para o público.

"É uma situação inteira, equilibrada. Se eu começar a mexer em alguma coisa, eu vou desmontar todo o conjunto. Todos os elementos estão relacionados e não poderiam estar relacionados de outra forma", diz a artista, por telefone, ao comentar sua exposição na galeria Luisa Strina, em São Paulo, que reúne um conjunto de obras de 2017 até o presente, muitas inéditas. A mostra se encerra no sábado (20), com o lançamento de um livro.

Vista da exposição de Fernanda Gomes na galeria Luisa Strina, em São Paulo
Vista da exposição de Fernanda Gomes na galeria Luisa Strina, em São Paulo - Pat Kilgore/Divulgação galeria Luisa Strina

E a exposição, como Gomes dá a entender, precisa ser vivida naquela sala, para a qual foi criada, por não se tratar de um conjunto de obras penduradas na parede, mas de uma instalação que explora o ambiente. Isso se dá, por exemplo, pelos trabalhos dispostos no chão, pela criação de novas paredes que estendem as já existentes e por obras delicadas, quase imperceptíveis, como uma fita branca retorcida estendida na vertical numa parede da mesma cor.

A extrema economia de materiais usados pela artista —madeira, tinta branca, fio e tecido— está a serviço da organização rigorosa das obras no espaço. Não há formas circulares, de modo que vemos basicamente linhas retas, quadrados e retângulos.

"Era uma questão de planos, fiquei muito fixada nessa visualização", ela afirma, ao contar que desde sua última exposição em São Paulo, uma retrospectiva na Pinacoteca, em 2019, já tinha anotações de como seria a mostra agora em cartaz.

O efeito geométrico, de precisão matemática, é ressaltado pela iluminação, que eliminou toda e qualquer sombra, deixando os objetos num ambiente ideal para serem visualizados em seu esplendor ou desgaste. O descascado de uma madeira está tão à mostra quanto a superfície branca de tinta de outra.

Para atingir a luz que realmente queria, a artista conta ter colocado papel manteiga sob os holofotes da galeria, chegando assim a uma iluminação difusa, como a das pinacotecas antigas, em que a luminosidade natural era filtrada por um tecido. A temperatura de cor é mais quente que a comumente usada nas galerias. Para o espectador, a impressão é a de entrar num universo à parte, como um laboratório com as condições ideais para ver arte.

A obra da carioca mostra o apreço da criadora pela passagem do tempo —uma lasquinha numa chapa de madeira, a tinta branca meio descascada em outra, os cubos usados em seu ateliê transferidos para a exposição. Se por um lado o conceito de precário vem à mente, por outro a montagem da mostra empresta à mais antiga das peças um ar sofisticado, como se o objeto ganhasse uma nova vida.

"Me incomoda muito a ideia de desvalorizar tudo que é gasto, como se tudo tivesse que ser perfeito, entre aspas. Essa ideia de perfeição que a cada dia destrói mais a ideia de beleza. Eu aceito as coisas como elas são", diz. "Sempre tive inclinação por coisas gastas, elas têm um tipo de beleza muito especial, ganham camadas de vida com o tempo. Há uma coisa estranha com a proliferação do plástico, parece que tudo hoje tem que ter essa superfície intocada."

No sábado, dia de encerramento da mostra, Gomes lançará um livro pela editora do também artista Jarbas Lopes. É um objeto de arte com tiragem de 40 exemplares feito com papel jornal rasgado exposto ao sol, que se presta mais ao manuseio e ao deleite visual do que à leitura, no que ela define como um objeto bem lúdico.

Fernanda Gomes

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