Exposição de Jarbas Lopes convida o espectador a se jogar em trama de elásticos

Artista ganha mostra retrospectiva de quase três décadas de carreira na Estação Pinacoteca, em São Paulo

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Jarbas Lopes, 'Pintura Circular', 2017

Jarbas Lopes, 'Pintura Circular', 2017 Edouard Fraipont/Estação Pinacoteca

São Paulo

Ele dá passos rápidos e se joga de costas contra uma trama elástica escorada na parede. Os fios tensionados amortecem o impacto e o mandam de volta para a frente. Em outra arrancada, o artista pula e arremessa seu corpo de lado contra a superfície, para ser novamente amortecido.

Com estas brincadeiras, Jarbas Lopes mostra como se experimenta "Shock Pintura", uma obra sua de 2013 em exposição agora na Estação Pinacoteca, em São Paulo.

'Desembola', obra de Jarbas Lopes
'Desembolaembola', obra de Jarbas Lopes de 1996 - Jarbas Lopes/Pinacoteca

Experimentar uma obra de arte não é papo de marqueteiro —é esta a ação que o artista usa para descrever o seu trabalho e a forma com que ele espera que o público entre em contato, literalmente, com a sua arte. Assim como na produção de Hélio Oiticica, uma influência para Lopes, o espectador precisa fazer parte.

"Eixos", retrospectiva de cerca de 30 anos da carreira de Lopes que abre para o público neste sábado (25), no museu paulistano, reúne uma amostra significativa de suas obras interativas.

"É o prazer, né? O prazer da relação com as coisas", afirma o artista, com fala mansa e sorriso no rosto, depois de se jogar algumas vezes nos elásticos. "A ação do corpo como algo que não é só visual, que também é sensorial."

A extensa exposição também traz instalações, desenhos, pinturas, fotografias e projetos não executados do artista de 59 anos, alguns deles de cunho poético, idealista.

Um exemplo é "Maquete da Vila Abstrata", como Lopes chama o projeto de uma comunidade que moraria dentro do museu Inhotim, em Minas Gerais. Bernardo Paz, o fundador da instituição, havia pedido que o artista planejasse um hotel, mas o interesse de Lopes na junção de pessoas em grupos —de amigos, de familiares— resultou neste projeto.

Outro é uma série de desenhos de caneta esferográfica, parte de uma série desenvolvida pelo artista desde 2001, nos quais ele propõe uma ciclovia aérea que poderia cortar a Amazônia —apelidada por ele de "ciclotransamazônica"— ou então ser construída em metrópoles.

"Não é divertimento ou entretenimento. Seria uma possibilidade de transporte mesmo, porque está para uso cotidiano, e claro que vai trazer diversão e prazer", afirma ele. Estão também expostas algumas bicicletas revestidas de vime para serem usadas no suposto trajeto pelos ares.

No pátio da Estação Pinacoteca está instalada uma das obras mais conhecidas do artista, "O Bem e Mal Entendido", formada por dois fuscas, um preto e um branco, encaixados um no outro como se formassem o símbolo do "yin yang". Lopes veio dirigindo o carro branco, de Maricá, no estado do Rio de Janeiro, onde mora, até o o prédio do museu.

A mostra apresenta também uma instalação inédita. Em "Passarela", obra de 2023, o espectador tira os sapatos e caminha por uma passarela de folhas de uma ponta a outra, enquanto seus calçados são levados por uma esteira, simultaneamente. Trata-se de um gesto de reconexão do corpo com a natureza.

Alertas sobre o meio ambiente aparecem em diversas obras do artista, nunca de forma panfletária ou direta. "Suspensa", uma instalação recente de grandes proporções que ocupa quase uma sala inteira, montada agora pela primeira vez no Brasil, lembra uma fogueira suspensa, com seu amontoado de troncos e galhos secos sustentados no ar por uma rede de arames presos no teto.

O artista Jarbas Lopes
O artista Jarbas Lopes - Cortesia do artista e A Gentil Carioca

Durante a conversa, o artista cria uma narrativa sobre o uso de materiais naturais em sua produção —como o vime, as folhas e os galhos—, e as técnicas que o homem criou para dominá-los, como o ato de acender uma fogueira. "A técnica é quando você cria um subterfúgio de sobrevivência. É uma ferramenta para você obter o que não consegue naturalmente."

Depois de concluir a graduação em escultura, Lopes passou a se dedicar à técnica das tramas, modo de fazer recorrente em seu trabalho e executado com diferentes materiais, sempre com apuro visual no resultado. Em "Pintura Refletiva", de 2023, por exemplo, ele usou fitas refletoras de modo que quando a obra é fotografada com flash ela aparece de outra cor na tela do celular.

Natural de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, Lopes teve no ano passado uma retrospectiva de seu trabalho no Museu de Arte do Rio, o MAR. Ele participou da Bienal de São Paulo, em 2006, e expõe com regularidade no exterior. Tem obras nas coleções de importantes museus, como o Museu de Arte Moderna de Nova York, o Victoria and Albert Museum, na Inglaterra, e o Masp, Museu de Arte de São Paulo.

Jarbas Lopes - Eixos

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