'Isabel das Santas Virgens e sua Carta à Rainha Louca' é marcada por obviedades

Interpretação de Ana Barroso alcança nuances do livro de Maria Valéria Rezende, mas elementos da montagem deixam a desejar

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Maria Eugênia de Menezes

Isabel das Santas Virgens e Sua Carta à Rainha Louca

  • Quando De 22/8 a 13/9. Qui., Sex. e Sab. às 20h.
  • Onde Sesc Pinheiros, R. Pais Leme, 195
  • Telefone (11) 3095-9400
  • Preço De R$ 15 a R$ 50
  • Elenco Ana Barroso
  • Direção Fernando Philbert

Por uma curiosa coincidência, o teatro tem recebido neste 2024 uma série de adaptações de livros de escritoras brasileiras contemporâneas. Recentemente, estiveram em cartaz "Copo Vazio", da obra de Natalia Timerman, e "Não Fossem as Sílabas do Sábado", da vencedora do prêmio São Paulo de Literatura, Mariana Carrara. Agora, chega ao palco do Sesc Pinheiros uma versão carioca para o livro de Maria Valéria Rezende: "Carta à Rainha Louca".

Com o título alterado para "Isabel das Santas Virgens e sua Carta à Rainha Louca", a montagem idealizada e adaptada por Ana Barroso parte do romance de Rezende para contar a história verídica de uma mulher que viveu no Brasil no final do século 18. Ela acabou presa e acusada de loucura por ousar questionar o domínio masculino da sociedade e da religião.

Nil Caniné / Divulgação
A atriz Ana Barroso em cena da peça 'Isabel das Santas Virgens e Sua Carta à Rainha Louca' - Divulgaçao/Divulgaçao

Assim como nos outros livros mencionados, aqui está em questão um abandono feminino, uma espécie de solidão ancestral que atravessa mulheres de épocas distintas. Isabel é uma branca no Brasil escravista –o que lhe proporciona certos privilégios.

Mas pobre e sem família, características que a tornam uma pária social, sem lugar e sem direito à voz. Criada como dama de companhia em um engenho de açúcar da Bahia, vê-se desabrigada quando sua sinhazinha e melhor amiga, Blandina, é enviada a um convento por ter ousado engravidar solteira.

Abandonada pelo pai e pelo amante, Blandina morre. Para sobreviver, Isabel decide recorrer a única coisa que sabe fazer: ler e escrever. Em um país de iletrados, vender os serviços de escriba era um bom negócio. Às mulheres, contudo, esse é um mundo vetado e cabe à personagem travestir-se de homem e transformar-se em Joaquim.

Na encenação dirigida por Fernando Philbert, a trajetória de Isabel revela-se ao espectador tanto por aquilo que Ana Barroso narra, como se tomasse o lugar de uma contadora de histórias, como por sua representação da personagem.

O caminho é feliz, tanto por aproximar o público de questões e problemas aparentemente distantes no tempo, quanto por refrear qualquer exagero nas tintas do drama. A atriz tempera a triste saga com humor e perspicácia, protegendo assim a heroína de uma dose exacerbada de autocomiseração.

Isabel era um espírito de exceção, indômito. Órfã, solteira e sem bens, ela estaria por todas as vias predestinada à ignorância e à submissão. Salva-se por seus próprios meios e méritos. Mas sua originalidade não aparece nunca apartada de um senso de pertencimento a seu gênero.

Em "Carta à Rainha Louca", quarto romance de Maria Valéria Rezende, a autora não dá conta apenas de uma trajetória individual, mas faz uma crônica da situação das mulheres no Brasil colônia. É político o posicionamento de sua protagonista, da mesma maneira como foram políticas a sua condenação e a pecha de insanidade que lhe quiseram imputar.

Com graça, a intérprete consegue alcançar essas nuances e sutilezas do livro. Infelizmente, as qualidades da atuação não encontram par em outros elementos da montagem. Diante da sinopse –uma mulher que escreve uma carta à rainha–, qual seria a mais óbvia das cenografias? Pois bem, lá estão folhas de papel espalhadas pelo chão e gigantes cartazes amarelados dispostos ao fundo, emulações de manuscritos. Uma mesa de madeira de feições pretensamente rústicas e um banco completam a cena.

Por caminho semelhante seguem a iluminação e a trilha sonora, sempre a sublinhar aspectos já evidenciados pelo texto, sem nunca friccionar o que é dito. A obviedade das escolhas não pode ser tomada como simples despojamento –o que até seria bem-vindo diante dessa dramaturgia. São opções que mais funcionam como muletas, tendo pouco a acrescentar.

Tanto Ana Barroso como Fernando Philbert são profissionais experientes da cena e ambos podem ser também reconhecidos como discípulos de Aderbal Freire-Filho. Para o diretor cearense, morto em 2023, o ator e o texto são sempre a questão central dos espetáculos, com todos os outros elementos a funcionar como acessórios. Nesse contexto, a centralidade da interpretação está mais do que justificada. Fica, porém, a impressão de que o teatro como linguagem pode mais.

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