Lições de vida de Bergson, Byron, Freud, Hobbes, Kierkegaard e Nietzche
A vida é uma carreira que nenhum de nós escolhe. Somos mergulhados nela, chorando em protesto, e recebemos pouquíssima formação vocacional.
Os ricos e crédulos contratam profissionais para lhes dar "coaching" de vida e lisonjeá-los; outros que têm sede de iluminação podem matricular-se na School of Life (Escola de Vida), criada pelo intelectual empreendedor Alain de Botton.
Trata-se de um estabelecimento que presta um serviço completo, fornecendo pseudo-tecnologicamente "ferramentas para pensar" e também, numa loja vinculada à sua sala de aula em Bloomsbury, vende lápis que seus clientes podem mastigar enquanto refletem.
Agora este empório de autoaprimoramento está lançando livros que fatiam filósofos em porções convenientes e aplicam suas teorias às charadas do cotidiano.
Brett Kahr, por exemplo, revela que podemos aprender com Freud "como amar a mulher de outro homem" e "como apagar nossa família inteira" (algo que a maioria de nós provavelmente conseguiria recorrendo à astúcia animal).
Robert Ferguson recomenda Kierkegaard porque este nos ensina "por que devemos cultivar a insatisfação", e Michael Foley --numa opção que eu qualificaria como arriscada-- recomenda Henri Bergson e sua teoria vitalista do efeito do humor sobre funcionários de escritório que estão "aprendendo a passar por reuniões departamentais, rindo".
Reduzindo Nietzche a verbetes destacados por marcadores, John Armstrong faz uma advertência que pode ser tão desastrosa quanto risível quando o chefe de seu departamento está fazendo um discurso desinteressante: "Seja nobre, e não escravo", ele recomenda. Bom seria se o pedigree e as mordomias que o acompanham fossem tão fáceis assim de conseguir!
Fazer uma ponte entre a academia e o lar ou o local de trabalho revela-se como algo incômodo, e os autores destes "livros para pensar", segundo a frase defensiva de Foley, se mostram ansiosos por agradar.
Alguns começam com piadinhas constrangidas. "Quem foi esse sujeito?" Foley indaga, aludindo a Bergson, e Armstrong cita o Monty Python para lembrar a quem não sabe pronunciar o nome de Nietzsche que ele rima com "teach ya".
Kahr conta uma história sobre ter sido esnobado por um reitor arrogante quando mencionou pela primeira vez seu entusiasmo por Freud; em seguida, testa suas habilidades terapêuticas, formulando uma explicação do encontro barato mas desastroso de Hugh Grant com a prostituta Divine Brown.
Hannah Dawson inicialmente pede desculpas por nos impor "o desagradável e brutal Hobbes, o Monstro de Malmesbury", mas em seguida diz que reflete sobre sua filosofia do poder sempre que é ameaçada por um ônibus vermelho quando está percorrendo o centro de Londres.
Essa atitude altiva me faz temer pela segurança dela nas ruas. Num reconhecimento irônico de que a reflexão não pode ser desligada da confusão e do caos do cotidiano, ela observa também que seu livro --o melhor deste lote, em que ela encara problemas políticos contemporâneos sem recuar-- foi escrito tendo ao fundo "a bovina trilha sonora da bomba extratora de leite materno".
Infelizmente, os sábios não passam de mortais frágeis e cheios de falhas, como nos é lembrado com frequência aqui. Kahr destaca a infidelidade de Freud com sua cunhada e seus sentimentos fratricidas em relação ao irmão. Nietzsche era louco, Byron era mau, e os dois eram perigosos de se conhecer. Será que deveríamos realmente estar aprendendo lições com eles?
Armstrong faz o possível para não mencionar o mergulho de Nietzsche na alienação mental, que ele descreve, eufemisticamente, como "ilusões intensas"; Matthew Bevis ignora a autodestrutividade neurótica de Byron, que descreve como poeta do prazer físico, que nos exorta a dançar ou brincar na água. O corpo pensa à sua própria maneira não cerebral, mas será que é preciso um crítico literário para prescrever uma noite de balada ou um dia na praia?
Ao final de cada volume são distribuídas lições de casa leves. Ferguson fornece uma playlist: parece que os Boomtown Rats, de Bob Geldof, e o Fleetwood Mac nos ajudam a compreender Kierkegaard.
Kahr exorta seus alunos a "darem um pulinho até o Château Malmaison, perto de Paris", para estudar o retrato de Napoleão pintado por David. A tarefa indicada por Foley --que, na realidade, preferiria escrever sobre Buda, não Bergson-- é "vivenciar a unidade mística lendo o poeta persa Rumi, tomando champanhe e fazendo uma dança de dervixe".
Evidentemente, o que a School of Life oferece é uma versão levemente bêbada da "ciência alegre" ou "sabedoria feliz" de Nietzsche, disponível aos buscadores da verdade que têm condições de comprar garrafas de champanhe e viajar no Eurostar.
Mas há muito a ser aprendido com a leitura destas pequenas cartilhas. Ferguson escreve bem sobre a afirmação de Kierkegaard de que podemos passar nossos dias como sonâmbulos, algo que hoje é mais verdade que nunca, quando vivemos isolados e tranquilizados por nosso arsenal de protetores eletrônicos, cercados por "uma cacofonia de som e vento digitais".
Corremos o perigo de viver vidas virtuais, Ferguson adverte. Foley é igualmente áspero ao falar da hostilidade de Bergson ao hábito e --novamente mais budista que bergsoniano-- oferece conselhos ótimos para se apreciar a passagem do tempo e o valor do momento: "Fico sentado no sofá ao anoitecer", ele escreve. "O lento esvaecer da luz é um exemplo perfeito do processo." Qualquer coisa que se liga precisa ser desligada, e as sombras que se condensam aos poucos impossibilitam a leitura. Algumas lições de vida não se aprendem nos livros.
Tradução de CLARA ALLAIN
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