Foco da resistência armênia, Van, na Turquia, guarda marcas do massacre
No castelo de Van, os sinais do massacre dos armênios estão em lugar nenhum e em todos os lugares. Parte da muralha de pedra, derrubada pela artilharia otomana um século atrás, continua no chão, mas um trecho considerável se encontra de pé. As ruínas da cidade - casas, ruas, igrejas e mesquitas - também estão intactas. Mas não há nada a respeito da população que viveu ali.
O castelo, uma fortaleza da Idade Média no alto de um morro, foi o foco da resistência armênia na província de Van, na Anatólia, Turquia, região ocupada pelos cristãos durante mil anos. A rebelião de Van é comparada por eles à batalha de Stalingrado, cidade soviética que resistiu ao cerco alemão na Segunda Guerra. Em três anos de ataques, entre 1915 e 1918, 80 mil armênios foram mortos pelos otomanos, mas a população não se rendeu.
O levante começou após as tropas otomanas, formadas por turcos e curdos, cercarem a cidade, exigindo 4 mil voluntários para o exército. Os armênios se recusaram a obedecer e, em 20 de abril, as tropas atacaram. Seis mil armênios morreram nas primeiras semanas, porém os moradores, sem comida e sem munição, enfrentaram o fogo da artilharia sitiados no castelo, nas casas e trincheiras. Foram salvos em maio pela chegada de tropas da Rússia, inimiga do Império Otomano na Primeira Guerra.
"Os russos dizem ter encontrado aldeias e rios cheios de corpos", anotou em suas memórias o médico e missionário americano Clarence Ussher, que permaneceu em Van atendendo feridos durante a guerra. "Eles enviaram esquadrões para queimá-los. Cinquenta e cinco mil foram cremados".
A resistência salvou centenas de milhares de armênios em fuga, que puderam escapar pela região. Em 1917, no entanto, a Rússia retirou suas tropas após a revolução comunista. O Império Otomano aproveitou para concentrar forças e finalmente tomar a cidade no ano seguinte. Aos armênios, foi dada a opção de um êxodo definitivo. Numa fuga desesperada, eles partiram de vez.
Um século depois, o cenário continua o mesmo. Ao pé do castelo, é possível caminhar entre as ruas e os escombros da Van antiga, vazia e coberta de vegetação baixa. Uma placa informa que, entre os povos que viveram na fortaleza nos últimos 1,3 mil anos estão os armênios. É a única referência a eles.
A Van moderna foi construída a cinco quilômetros da original. Tem 350 mil habitantes, 60% deles curdos. O caminho entre as duas é tomado de escombros do terremoto que destruiu a cidade em 2011. Na nova cidade, a palavra "armênio" não é bem recebida. Não há monumento armênio, museu armênio ou mesmo um simples restaurante armênio. Especula-se que milhares deles vivam escondidos ou mesmo sem saber de suas origens.
"A maioria se converteu à força ao islamismo e mudou de nome", contou Vartarian, um dos descendentes da diáspora, dono do Club Armenian, em Teerã. Sua avó morreu na Armênia turca, mas o restante da família fugiu para o Irã. "Mesmo hoje se um armênio vem a público recebe a visita do serviço secreto".
Um século depois dos armênios, a Turquia ainda luta contra o separatismo em Van. Em 2012, o prefeito, Bekir Kaya, foi preso por ligações com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), organização que os Estados Unidos consideram terrorista. À beira do gigantesco Lago Van e cercada de montanhas, a cidade, por séculos chamada de "Pérola do Leste" por sua beleza, é a capital mais provável se um dia os curdos tiverem um país.
ALEXANDRE RODRIGUES, 47, é jornalista e escritor, autor de "Veja se Você Responde Essa Pergunta (Não Editora).
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