Rio Carioca, o mais importante da capital fluminense, será tombado

Hoje, lixo e mata se acumulam, e foz é um filete preto e fedorento

Alvaro Costa e Silva
rio de janeiro
Vista aérea do Rio de Janeiro - Daniel Marenco/Folhapress

O pessoal que se esbalda nos blocos Volta, Alice, de Laranjeiras, Desce Mas Não Sobe, do Cosme Velho, e Cachorro Cansado, do Flamengo, nem sequer imagina que está pulando e cantando em cima de um rio. E não um rio qualquer: é o mais importante da cidade, sem o qual não existiria o Rio de Janeiro.

Usado como fonte potável pelos índios tamoios, o Carioca, antes caudaloso, hoje está canalizado em sua maior parte e corre subterrâneo. Com 5,6 quilômetros de extensão, nasce na floresta da Tijuca e desemboca na praia do Flamengo (região que, não à toa, era conhecida no passado como Aguada dos Marinheiros).

Em 1642, iniciou-se a captação de suas águas, trazidas ao atual largo da Carioca, no Centro, por meio de calhas de madeira que atravessavam os morros. Com a mesma finalidade, construíram-se os Arcos da Lapa em 1750.

A novidade é que, pela importância histórica, ambiental e cultural, o Carioca será tombado. Com a medida, o Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) espera contribuir para sua valorização e despoluição.

Em trechos dos morros dos Guararapes e dos Prazeres, o rio ainda tem uma aparência límpida —lá em cima, existe até uma espécie de piscina em pedra e concreto, grande diversão da garotada. No largo do Boticário, há um espaço a céu aberto onde dá para ouvir seu barulhinho.

Mas o lixo e a mata já se acumulam. Quando chega à foz na baía de Guanabara, mesmo após passar por uma estação de tratamento, é apenas um filete preto que fede. E olha que os nativos diziam que quem bebesse aquelas águas virava um cantor de belíssima voz.

A vida que ainda resta do rio Carioca daria um belo enredo de escola de samba. Fica a sugestão para o ano que vem.

PAISAGEM MUSICAL

Tomás Improta foi mais rápido que as autoridades e já prestou sua homenagem. "Silvestre: Nascente do Rio Carioca" é uma das faixas do CD "Olha pro Céu" (Sonora, R$ 31), que acaba de sair. É uma canção "paisagística", segundo o crítico Tárik de Souza. Nela, Tony Botelho faz uma participação tocando contrabaixo acústico.

Nas seis outras faixas, é o piano de Improta que se ouve, interpretando Tom Jobim (na música que dá título ao disco), Ary Barroso ("Risque"), Edu Lobo e Torquato Neto ("Pra Dizer Adeus"), Heitor Villa-Lobos ("Poema Singelo") e ainda Cole Porter ("I Concentrate on You") —uma das canções preferidas do pianista, que surge aqui em levada meio bossa nova.

DERROTAS GLORIOSAS

Cada pessoa no Sambódromo vira um especialista, mesmo que nada entenda de alegorias, adereços, harmonia ou bateria. É a visão do conjunto ou da empolgação que faz com que uma escola seja a favorita do público. Esse favoritismo nem sempre bate com a opinião da comissão julgadora —daí os desfiles que entraram para a história porque memoráveis e... derrotados.

O jornalista Marcelo de Mello fez uma seleção dessas "injustiças", também apontadas pela imprensa e pelas próprias escolas, no recém-lançado livro "Por que Perdeu?" [Record, 210 págs., R$ 44,90].

Em 1977, quando assistiu pela primeira vez a um desfile, Mello tinha 11 anos e se emocionou com "Domingo", da União da Ilha, que poderia ter dado o primeiro e até hoje inédito campeonato para a agremiação da Ilha do Governador. Na lista das decisões polêmicas, ainda estão o Cristo mendigo da Beija-Flor em 1989 e o carro do DNA da Tijuca em 2004. Quem sabe este ano tem mais?

QUE FUNK FOI ESSE?

Apesar da atual predominância do Carnaval de rua —tão combatido por certas prefeituras—, o fenômeno não se traduziu no sucesso de marchas e sambas de embalo. Estes continuam a ser compostos em grande número, mas nenhum tem a qualidade de marcar a temporada. Tampouco são lembrados no ano seguinte.

Curiosamente, o funk tomou conta da festa de Momo. "Vai Malandra", de Anitta, pintou como grande sensação, mas logo teve a concorrência de "Bum Bum Tam Tam", de MC Fióti, e "Que Tiro Foi Esse?", de Jojo Todynho.

Esta última não prega a violência: é uma música sobre afirmação pessoal. Mas, numa cidade que registra uma média de 22 tiroteios por dia, faz todo o sentido.


Alvaro Costa e Silva, 55, o Marechal, é jornalista e colunista da Folha. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro" (Casarão do Verbo).

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