Discurso vazio contra corrupção pode servir para piorá-la

Em países como Hungria e Filipinas, eleição de figuras excêntricas agravou o problema

Matthew Stephenson

[RESUMO] Autor compara ânsia anticorrupção representada por Bolsonaro com experiências em países como Hungria, Filipinas e Guatemala, onde a eleição de figuras excêntricas agravou o problema, com o enfraquecimento dos mecanismos de controle.

 

Hoje, milhões de brasileiros depositarão seus votos na eleição presidencial que opõe Fernando Haddad (PT) a Jair Bolsonaro (PSL). Há muita coisa em jogo, as questões são complexas, e, como forasteiro, eu não ousaria tentar dizer aos meus amigos brasileiros o que deveriam fazer.

Mas, como acadêmico que estuda a corrupção em todo o mundo, devo afirmar que estou desapontado com a escolha proposta aos eleitores. Para aqueles que se preocupam com o progresso do Brasil na luta contra a corrupção sistêmica, a vitória de qualquer um dos dois será um revés. Isso posto, comparações internacionais sugerem que, ao menos quanto à questão de qual dos candidatos ameaçaria mais o progresso no combate à corrupção, um deles é muito pior do que o outro.

Cartazes com desenhos de ratos espalhados em frente ao Congresso Nacional, em Brasília
Protesto contra a corrupção e a favor da operação Lava Jato em frente ao Congresso Nacional, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

Embora não existam dois países iguais, a experiência histórica e internacional sugere que esforços bem-sucedidos para erradicar a corrupção sistêmica têm, tipicamente, alguns ingredientes indispensáveis. 

Um é o desenvolvimento de um sistema efetivo de controles e contrapesos, que envolve especialmente Ministério Público, Judiciário e auditoria pública independentes e competentes.

Em termos mais gerais, uma cultura de profissionalismo e independência no serviço público é essencial, assim como uma mídia livre. Outro ingrediente é o desenvolvimento de partidos políticos estáveis organizados em torno de programas e ideologias, em lugar de líderes carismáticos ou máquinas de apadrinhamento.

É verdade que existem alguns países que realizaram progresso significativo no combate à corrupção por meio de campanhas repressivas vistosas dirigidas por líderes individuais, como Lee Kuan Yew em Singapura na década de 1960, ou Mikheil Saakashvili na Geórgia, depois da Revolução Rosa de 2003.

Mas o mais frequente é que o progresso no combate à corrupção exija décadas e dependa do acúmulo gradual de reformas institucionais e legais, do cultivo do profissionalismo e da difusão de normas éticas.
Ao longo dos últimos 25 anos, o Brasil realizou progressos notáveis nessa direção.

Meus amigos brasileiros podem questionar essa avaliação porque, é claro, agora sabemos, em parte graças à Operação Lava Jato, que as últimas décadas foram um período de imensa corrupção.

Mas, durante o mesmo período, o Brasil implementou diversas reformas, algumas das quais embasadas na Constituição de 1988 e outras adotadas subsequentemente. Autonomia dos procuradores, independência do Judiciário, instituições mais fortes de auditoria do Estado, uma mídia robusta e a crescente insatisfação pública com a corrupção pareciam indicar progresso lento, mas firme, na direção certa.

Infelizmente, os dois candidatos que restam na disputa pela Presidência brasileira representam facções que parecem hostis a instituições genuinamente independentes e efetivas de combate à corrupção, e provavelmente as solaparão.

De um lado, há Haddad, o candidato do PT. Não tenho posição sobre a agenda econômica ou social do partido. Mas sei alguma coisa sobre seu histórico quanto à corrupção, e ele não é bom. E o afirmo não só porque muitos dos políticos implicados na Operação Lava Jato são parte do PT. 

A Lava Jato condenou políticos de muitos partidos, e se a representação do PT parece alta, provavelmente isso não acontece pelos candidatos do PT serem menos éticos (ou pelos procuradores serem parciais contra eles); acontece porque o partido controlou a Presidência do Brasil entre 2003 e 2016, o que deu a seus políticos mais oportunidade de abuso de autoridade.

O motivo pelo qual uma vitória eleitoral do PT seria ruim para a luta contra a corrupção não é que tantas figuras do partido tenham sido condenadas pela Lava Jato, mas, sim, a reação dele e de seus partidários a essas condenações, sobretudo a do ex-presidente Lula

Pode-se sempre discordar das táticas de um promotor ou do veredicto de um tribunal, em um caso específico. Mas o PT e seus partidários travaram uma campanha coordenada para lançar descrédito sobre a condenação de Lula, por meio de ataques infundados contra promotores e juízes, denunciando a Operação Lava Jato como farsa ou golpe de Estado, e declarando não só que Lula é inocente --afirmação dúbia, dados os fatos do caso-- mas que é "prisioneiro político".

Esses ataques não substanciados ameaçam causar danos duradouros à legitimidade e, assim, à efetividade dos contrapesos legais e judiciais que vinham se desenvolvendo no país, mas que continuam frágeis.

Posso compreender, portanto, o motivo por que brasileiros que se incomodam com a corrupção desejam punir o PT nas urnas. Afinal, se o candidato petista vencer, isso não poderia ser entendido como repúdio à Lava Jato e aos promotores e juízes que desempenharam um papel nas investigações? 

Compreendo e simpatizo com essa visão. Mas do outro lado temos Bolsonaro. E, da perspectiva da luta contra a corrupção no Brasil a longo prazo, elegê-lo para a Presidência seria muito pior.

Digo isso em parte porque, mesmo desconsiderando afirmações críveis de que o candidato do PSL esteve envolvido em corrupção, há diversas indicações, em outros países, de que quando os cidadãos reagem à corrupção generalizada elegendo demagogos populistas --candidatos que empregam retórica agressiva, muitas vezes violenta, e outras formas de "falar duro" que prometem um imenso "desordenamento" do sistema político, ao concentrar o poder no Executivo, e que parecem sentir desdém por normas e instituições estabelecidas--, os problemas de corrupção tendem a se agravar. 

Embora muitos comentaristas tenham comparado Bolsonaro ao americano Donald Trump ou ao italiano Silvio Berlusconi, eu gostaria de apontar três outros exemplos ainda mais preocupantes.

O primeiro deles é a Hungria. Na corrida para a eleição de 2010, o partido governante, de esquerda, viu-se abalado por sérios escândalos de corrupção, que ajudaram a conduzir o Fides, partido de extrema direita liderado por Viktor Orban, ao poder. 

De lá para cá, Orban concentrou o poder em suas mãos, enfraqueceu os controles e contrapesos e recorreu à retórica xenófoba e divisora a fim de manter o apoio do eleitorado. E os problemas de corrupção se agravaram muito. Orban jamais falou sério sobre acabar com a corrupção. Ele e seus asseclas fomentaram a ira dos eleitores quanto à corrupção como forma de chegar ao poder --e, quando chegaram, usaram-no para enriquecer, solapar controles independentes sobre suas ações e promover uma agenda nacionalista de extrema direita.

Em segundo lugar, temos as Filipinas. Rodrigo Duterte, como Bolsonaro, gosta de usar retórica dura em relação ao crime, e boa parte de seu sucesso ao conquistar a Presidência em 2016 teve a ver com a promessa de reprimir o tráfico de drogas. Mas Duterte também explorou a frustração dos cidadãos filipinos com a corrupção. Ele prometeu expurgá-la do governo, mas isso não deu certo.

Embora tivesse anunciado uma política de "tolerância zero" que resultou em demissões e renúncias de funcionários importantes, Duterte, como seus asseclas e familiares, agora sofre acusações semelhantes de corrupção.

E sua principal resposta vem sendo orquestrar ataques não substanciados contra as instituições encarregadas de garantir a integridade pública, como o gabinete do ombudsman do governo filipino. Em termos mais gerais, a situação da corrupção nas Filipinas não melhorou no governo Duterte e, na verdade, parece ter piorado.

O terceiro exemplo é a Guatemala. Depois de investigações de uma comissão de combate à impunidade patrocinada pela ONU (por meio da Cicig, a Comisión Internacional contra la Impunidad en Guatemala), que levou a renúncias e detenções de um ex-presidente e um ex-vice-presidente por acusações de corrupção, a eleição presidencial de 2015 foi vencida pelo humorista Jimmy Morales. Ele disputou como um candidato de fora do sistema e sem conexões com a corrupção onipresente que envolvia partidos guatemaltecos estabelecidos. 

Mas Morales nunca teve compromisso real de combater a corrupção. Só explorou a repulsa dos eleitores por ela a fim de se eleger. De fato, agora que está no poder, o presidente Morales é suspeito de impropriedades, e a reação dele a essas acusações foi fazer o que até mesmo seu corrupto predecessor não ousou: anunciou a revogação dos poderes da Cicig e expulsou seu líder do país.

Esses casos, embora diferentes em muitos aspectos, têm alguns pontos importantes em comum: a decepção com a corrupção generalizada de um regime precedente alimenta a ira dos eleitores e cria a crença de que só alguém "de fora do sistema", ou um "homem forte" --desvinculado da elite política e disposto a "chacoalhar as coisas"-- é capaz de resolver o problema.

Essa figura populista desordenadora combina retórica anticorrupção e retórica belicosa, além de traços de preconceito cru, que, por algum motivo, seus seguidores tratam como sinal de autenticidade, de disposição de "dizer umas verdades". 

Depois de conquistar o poder, porém, o egoísmo do novo líder, acoplado ao seu desrespeito pelas regras convencionais e pelos controles e contrapesos institucionais, manifesta-se em forma de ataque às instituições independentes de combate à corrupção, muitas vezes com insinuações de conspiração. 

Os problemas da corrupção e do compadrio não melhoram: pioram, e danos duradouros são causados às instituições, ao longo do caminho. É difícil ler sobre Bolsonaro sem ver paralelos com Orban, Duterte, Morales e outros como eles --entre os quais Berlusconi e Trump-- e concluir que sua eleição seria um desastre da perspectiva do combate à corrupção.

Assim, embora os dois resultados possíveis da eleição da próxima semana possam representar reveses para a luta contra a corrupção no Brasil, a experiência internacional sugere que uma vitória do PT seria menos ruim. 

É verdade que, por conta de todas as teorias de conspiração propaladas pelos partidários de Lula, uma vitória do PT enviaria uma mensagem negativa. 

Mas a vitória de um partido que sabe que sua imagem está manchada e que só conseguiu vencer por margem mínima porque muitos eleitores que não gostam dele tinham mais medo da alternativa deve resultar em atitudes mais cuidadosas e mais respeitosas com relação às proteções institucionais que a vitória de um populista falastrão que acredita ter o mandato de reconstruir o país à sua imagem.


Matthew Stephenson é professor na Harvard Law  School, especialista em políticas anticorrupção e autor do Global Anticorruption Blog (GAB).

Tradução de Paulo Migliacci.

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