Como a Cambridge Analytica recolheu dados do Facebook

Entenda a estratégia usada por aliados de Trump durante a campanha eleitoral 

Placa na entra do escritório da Cambridge Analytica, em Londres - Daniel Leal-Olives / AFP
Kevin Granville
Do “New York Times”

A reportagem do "New York Times" que revelou que uma empresa de consultoria política envolvida na campanha presidencial de Donald Trump obteve acesso a dados pessoais sobre milhões de usuários do Facebook gerou novas questões sobre a maneira pela qual o gigante da mídia social protege as informações de seus usuários.
 
Quem coligiu todos os dados?
A Cambridge Analytica é uma empresa de análise de dados políticos que trabalhou para a organização de campanha do presidente Trump em 2016, e obteve acesso a dados pessoais sobre mais de 50 milhões de usuários do Facebook. A empresa oferecia ferramentas que permitiam identificar traços de personalidade dos eleitores norte-americanos e influenciar seu comportamento.

A Cambridge Analytica foi bancada em boa parte por Robert Mercer, um rico doador de verbas de campanha para o Partido Republicano, e por Stephen Bannon, antigo assessor de Trump que era membro do conselho da companhia em seus dias iniciais e escolheu o nome para ela. A Cambridge Analytica ofereceu seus serviços a outros possíveis clientes, como a Mastercard, o clube de beisebol New York Yankees e o Estado-Maior Conjunto das forças armadas norte-americanas.
 
Que tipo de informação foi recolhido, e como ela foi obtida?
Os dados, parte dos quais foram vistos pelo "New York Times", incluíam detalhes sobre as identidades e redes de amigos dos usuários, e sobre os seus "likes" no Facebook. A ideia era mapear traços de personalidade, tomando por base aquilo que as pessoas haviam curtido na rede social, e usar essa informação para direcionar propaganda digital aos usuários.

Em 2014, pesquisadores solicitaram que usuários respondessem a um questionário sobre personalidade e que baixassem um app, que extraía algumas informações de seus perfis e dos perfis de seus amigos, atividade que o Facebook permitia na época e que depois foi proscrita.

A técnica foi desenvolvida no Centro de Psicometria da Universidade de Cambridge. O centro se recusou trabalhar com a Cambridge Analytica, mas Aleksandr Kogan, um professor russo-americano de psicologia na universidade, aceitou a proposta.

Kogan criou um app e em 2014 começou a recolher dados para a Cambridge Analytica.

Ele forneceu mais de 50 milhões de perfis brutos de usuários à empresa, disse Christopher Wylie, especialista em dados que supervisionava os esforços de coleta de informações da Cambridge Analytica. Apenas cerca de 270 mil usuários - aqueles que participaram da pesquisa - haviam permitido a coleta de seus dados; eles foram informados de que esses dados seriam usados para fins acadêmicos.

O Facebook afirmou que senhas ou "informações delicadas" não estavam entre os dados recolhidos, ainda que a Cambridge Analytica tenha obtido acesso a dados de localização de usuários.
 
O Facebook foi alvo de hackers?
Nos últimos dias, o Facebook vem insistindo em que aquilo que a Cambridge Analytica fez não representa uma violação de dados, porque a empresa rotineiramente autoriza o acesso de pesquisadores aos seus dados para fins acadêmicos - e os usuários consentem a esse acesso quando criam uma conta no Facebook.

Mas o Facebook proíbe que esse tipo de dado seja vendido ou transferido a "qualquer rede publicitária, corretor de dados ou outros serviços relacionados a publicidade ou monetização". E afirma que foi exatamente isso que Kogan fez, ao fornecer informações a uma empresa de consultoria política.

Kogan recusou revelar ao "New York Times" os detalhes do que aconteceu, mencionando acordos de confidencialidade com o Facebook e a Cambridge Analytica.

Dirigentes da Cambridge Analytica, depois de negarem ter obtido ou usado dados do Facebook, mudaram sua história na semana passada. Em declaração ao "New York Times", a empresa reconheceu ter adquirido os dados, ainda que culpasse Kogan por violar as regras do Facebook e que tenha afirmado que apagou as informações assim que descobriu o problema, dois anos atrás.

Mas os dados, ou pelo menos cópias deles, talvez ainda existam. O "New York Times" recentemente pôde avaliar um conjunto de dados brutos vindo dos perfis obtidos pela Cambridge Analytica.
 
O que o Facebook está fazendo em resposta?
A empresa divulgou um comunicado na sexta-feira afirmando que havia descoberto em 2015 que o resultado da pesquisa de Kogan havia sido fornecido à Cambridge Analytica, o que viola as normas de uso da empresa. Com isso, o app de Kogan foi eliminado de seu site. O Facebook afirmou ter exigido, e recebido, provas de que os dados haviam sido destruídos.

O Facebook também declarou que "alguns dias atrás, recebemos informações de que, ao contrário da certificação que recebemos, nem todos os dados haviam sido apagados. Se isso é verdade, representa mais uma violação inaceitável de confiança e dos compromissos que eles assumiram. Estamos suspendendo a SCL/Cambridge Analytica, Wylie e Kogan do Facebook, até que surjam informações mais completas".

Na segunda-feira, o Facebook anunciou uma nova medida: a contratação de uma empresa de auditoria digital forense para "determinar a veracidade da afirmação de que os dados do Facebook em questão ainda existem". A empresa afirmou que a Cambridge Analytica havia concordado com a revisão e que Kogan havia dado consentimento verbal a ela, enquanto Wylie "até o momento recusou".
 
O que outros estão dizendo?
- O Facebook, que já enfrenta questões profundas sobre o uso de sua plataforma por interessados em difundir propaganda russa e notícias falsas, está diante de uma nova onda de críticas por conta da Cambridge Analytica. Os investidores não ficaram contentes, e causaram queda de 7% no valor das ações da empresa, na segunda-feira.

- A senadora Amy Klobuchar, democrata de Minnesota e membro do Comitê Judiciário do Senado, pressionou por um depoimento de Mark Zuckerberg, presidente-executivo do Facebook, diante do comitê, para explicar o que a rede social sabe sobre o uso indevido de seus dados para "direcionamento de propaganda política e manipulação dos eleitores".

- Maura Healey, secretária estadual da Justiça de Massachusetts, anunciou no sábado que iniciaria uma investigação. "Os moradores de Massachusetts merecem respostas imediatas do Facebook e da Cambridge Analytica", ela tuitou. O fato de que o Facebook não tenha notificado seus usuários sobre a coleta de dados pode representar violação das leis de privacidade, no Reino Unido e em diversos Estados norte-americanos.

- Damian Collins, legislador do Partido Conservador britânico que preside um comitê parlamentar de inquérito sobre notícias falsas e interferência russa no referendo sobre a saída britânica da União Europeia, disse no final de semana passado que também convocaria Zuckerberg e outro executivo importante para depoimento.


QUEM É QUEM

Conheça os principais envolvidos no caso

O cérebro  - Aleksandr Kogan

  • Jovem psicólogo e pesquisador desenvolveu o teste de personalidade digital "thisisyourdigitallife", que coletou dados pessoais no Facebook transmitidos para a Cambridge Analytica

O CEO - Alexander Nix

  • Foi suspenso do posto de presidente da Cambridge Analytica, após a rede de TV britânica Channel 4 mostrar Nix se gabando de seus métodos para desacreditar um adversário político e do papel de sua empresa na eleição do presidente americano, Donald Trump

O lançador de alertas - Christopher Wylie

  • Canadense de 28 anos de cabelo cor-de-rosa, era um antecipador de tendências. Contou ao jornal "The Observer" como teve a ideia de ligar o estudo de personalidade ao voto político. Ele então se encontrou com Alexander Nix, que lhe ofereceu um emprego na Cambridge Analytica. Wylie disse ter-se reunido com Steve Bannon, ex-conselheiro estratégico do presidente Donald Trump,

O Financiador - Robert Mercer

  • O empresário americano de 71 anos fez fortuna nos fundos de investimento e é um dos principais doadores do Partido Republicano. Financiou a Cambridge Analytica em cerca de US$ 15 milhões. Fez fortuna, graças a algoritmos complicados. Programador na IBM, ele se uniu ao administrador de fundos especulativos Renaissance Technologies.

O ideólogo - Steve Bannon

  • Era um conselheiro próximo de Donald Trump até ser demitido da Casa Branca em 2017. Segundo o dominical "The Observer", estava no comando da Cambridge Analytica. Dirigiu o site de notícias da extrema direita Breitbart News até se tornar diretor de campanha de Trump e, então, conselheiro estratégico na Casa Branca até agosto de 2017. Foi repudiado pelo presidente em janeiro, depois da publicação do livro de Michael Wolff, "Fogo e fúria", que continha declarações explosivas do ex-assessor.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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