Justiça rejeita explicações do governo sobre contrato de satélite estatal

A norte-americana Viasat está em negociações com a Telebras em projeto de banda larga

Momento em que o SGDC (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas ) é lançado, em 4 de maio de 2017, na centro espacial de Kourou, na Guiana Francesa
Momento em que o SGDC (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas) é lançado, em 4 de maio de 2017, na centro espacial de Kourou, na Guiana Francesa - Ariane Space/Divulgação
Natália Portinari
São Paulo

O desembargador Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), negou o pedido do governo para dar andamento ao contrato com a Viasat, que firmaria uma parceria para utilizar a capacidade do satélite de telecomunicações SGDC, lançado em maio do ano passado.

Em decisão liminar (provisória), nesta terça-feira (17), o magistrado afirmou que o trecho do contrato publicado pelo governo na semana passada é insuficiente para analisar se a negociação entre a Telebras e a companhia norte-americana está seguindo a lei.

As negociações para o uso do SGDC (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas) estão suspensas desde março, quando a Via Direta, uma empresa de satélites do Amazonas, entrou com um processo contra a Telebras na Justiça Estadual. A ação depois foi encaminhada à Justiça Federal.

Na semana passada, o TRF-1 pediu ao governo que divulgasse o contrato com a Viasat. A transparência é exigida porque o governo quer fechar o acordo sem passar por um processo licitatório.

No ano passado, em outubro, a Telebras tentou atrair interessados para operar o SGDC com um leilão, mas ninguém compareceu ao certame. Quando há uma situação desse tipo, a Lei das Estatais possibilita a dispensa de licitação desde que o contrato tenha "as mesmas condições" do edital do leilão.

"[O governo] não cuidou de [mostrar para o tribunal] cópia do aludido edital, nem tampouco do Contrato de Parceria Estratégica" com a Viasat, o que inviabiliza o exame de sua natureza jurídica, diz a decisão desta terça-feira.

Segundo a Via Direta, uma das interessadas em usar o SGDC, isso significa que o governo deveria manter a oferta do leilão —três lotes de capacidade satelital, distribuídos entre três diferentes empresas do ramo de telecomunicações.

A decisão do TRF-1 desta quarta-feira dá respaldo a esse argumento. "Não se identifica norma vigente que autorize a requerida Telebras a escolher ao seu alvedrio uma empresa com exclusividade", diz o documento assinado por ​Prudente.

Na última sexta-feira (13), a Telebras e a Viasat afirmaram, em um comunicado, que a parceria "está totalmente de acordo com as leis brasileiras". Uma conciliação entre o governo e a Via Direta está marcada para 25 de abril.

"O acordo garante à Viasat o direito de utilizar essa capacidade [do SGDC] com o objetivo principal de fornecer serviços de internet de alta qualidade em zonas rurais. A Viasat não é proprietária dessa capacidade, e o direito de uso não é gratuito à Viasat. Em vez disso, a Viasat pagará à Telebras um percentual significativo das receitas desses serviços no Brasil."

Política pública

A União pagou R$ 2,7 bilhões pelo SGDC, concebido em 2010 como parte do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), cujo intuito era levar internet para todo o país. O satélite tem 56 Gbps de capacidade de banda larga.

O satélite atingiu a órbita em junho de 2017. A partir desse momento, ele gasta combustível para permanecer em sua posição, o que faz com que sua vida útil seja de 18 anos.

Em nota, a Telebras afirma que "o processo de escolha da empresa parceira Viasat foi feito com respaldo [da Lei das Estatais]". Leia abaixo o posicionamento da estatal.

 

Em relação à decisão do desembargador Souza Prudente do Tribunal Regional Federal da 1a Região, proferida em 17 de abril de 2018, a Telebras reforça que:

  1. O processo de escolha da empresa parceira Viasat foi feito com respaldo do artigo nº 28, § 3º, inc. II, da Lei 13.303/2016, conhecida como Lei das Estatais, e no artigo nº 173 da Constituição Federal. Estes dispositivos legais afastam, expressamente, as normas de licitação para viabilizar a atividade empresarial das Estatais, relacionadas às suas atividades-fim, como é o caso. Trata-se da aplicação do mesmo artigo das Lei das Estatais que fundamentou o Chamamento Público nº 02/2017. Ressalte-se que o chamamento não foi um procedimento licitatório, conforme reconhecido pelo Tribunal de Contas da União e Justiça Federal;
  2. A fim de cumprir sua atividade fim que, neste caso, é a massificação da internet de qualidade em todo o Brasil por meio do Programa Nacional de Banda Larga-PNBL, a Lei das Estatais permite que a Telebras, assim como qualquer empresa estatal, estude e negocie parcerias estratégicas;
  3. Este foi o caso da ViaSat que, além de cumprir as especificações do edital do chamamento público, contava com as seguintes singularidades:
    1. Expertise na Europa, nos Estados Unidos, no México e na Austrália —inclusive com projetos governamentais semelhantes ao PNBL.
    2. Está alinhada estrategicamente com os objetivos sociais de levar internet de baixo custo a comunidades carentes em todo o Brasil e atender projetos de governo importantes como o Internet para Todos.
    3. É fabricante de equipamentos de satélite de alta capacidade, como o SGDC.
    4. É um novo player no mercado nacional de telecomunicações, o que cria competitividade, diminui preços, eleva a qualidade da prestação de serviço, além de gerar emprego e renda para o país.
    5. À época, era a única empresa capaz de atender o cronograma de ativação dos equipamentos previstos pela Telebras.
    6. Foi premiada com o “Global Operator of the Year” na “World Satellite Business Week 2017 Conference” - excelência em comunicações satelitais, melhor desempenho em iniciativas estratégicas, crescimento de receitas e desenvolvimento comercial durante 2017.
    7. Uma das maiores empresas do mundo em tecnologia, número de clientes e receita e com alta capacidade de investimento no país.
  4. Vale relembrar que o primeiro formato empresarial de exploração da capacidade do SGDC foi um chamamento público com base na Lei das Estatais (afastando as regras de licitação), que durou cerca de 10 meses, amplamente divulgado no site da Companhia e em Road shows no Brasil e exterior. No entanto, as empresas (inclusive a Via Direta) não apresentaram proposta. Os motivos apresentados pelas empresas para não participarem do chamamento foram incompatíveis com os pré-requisitos do edital do chamamento (reitere-se, procedimento que não era licitação, mas sim regido pelo art. 28, § 3º da Lei das Estatais, como elucidou a Telebras diversas vezes durante a fase de esclarecimentos do Chamamento Público – disponíveis no site da Telebras. Tal entendimento foi ratificado pelo TCU e pela Justiça Federal);
  5. A parceria da Telebras e a Viasat não constitui qualquer ameaça à segurança ou soberania nacional. A parceria não transfere propriedade do SGDC, tampouco modifica o seu controle, este permanece exclusivo do Estado Brasileiro, por meio da Telebras e do Ministério da Defesa. Destaca-se que a banda X por meio da qual são transmitidas as informações de segurança e militares é de controle exclusivo das Forças Armadas Brasileiras. Ainda, todas as informações dos clientes da Telebras são protegidas pela confidencialidade e proteção dos dados dos usuários, atendendo plenamente o Decreto 8.135/2013;
  6. Ao contrário do que foi dito na decisão da 1a instância, o valor de todo o projeto SGDC, que inclui, mas não se limita, ao artefato satelital, às obras civis dos centros de controle e estações de acesso e ao programa de transferência de tecnologia para o Brasil, não R$4 bilhões;
  7. Por fim, a interrupção dos serviços causa danos sociais e econômicos para o país. Cerca de 500 equipamentos que vão levar a banda larga de qualidade à área rural de Roraima —e em seguida para todo o Norte do Brasil, uma das áreas mais desconectadas do nosso país— estão prontos para serem instalados já na próxima semana e aguardam a liberação judicial;
  8. Quatro pontos —​em escolas rurais e em posto de fronteira— foram instalados recentemente em Pacaraima, no estado de Roraima. A suspensão do contrato coloca em risco área de fronteira do Brasil com a Venezuela, e que está em crise humanitária.

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