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Cifras & Letras

Washington Olivetto monta painel da era romântica da propaganda

Livro reúne coleção instigante de campanhas que fizeram história

O publicitário Washington Olivetto caminha nas ruas de Londres, cidade para a qual mudou em agosto do ano passado - Candice Japiassu - 19.jan.18/Folhapress
Nelson de Sá
São Paulo

Não se deve esperar, das memórias de Washington Olivetto, o grau das revelações da autobiografia de Petrônio Corrêa, cinco anos atrás. Outro grande nome da publicidade desde a ditadura, Corrêa entregou elos entre agências e o regime, por exemplo.

Já “Direto de Washington”, embora apresentada pelo próprio Olivetto como autobiografia, é antes uma coleção instigante de relatos das campanhas que fizeram história no país, pela voz de seu protagonista incontestável.

Mostra a trajetória da publicidade criativa desde o início dos anos 1970, mas não seus meandros políticos ou empresariais. Dos primeiros prêmios na DPZ ao auge com a W/Brasil, faz o painel da era romântica da propaganda.

Lembra, ao detalhe, como se desenvolveram as ideias que resultaram em personagens como o Garoto Bombril, em bordões como “o primeiro Valisère a gente nunca esquece” e até movimentos como a Democracia Corintiana.

Sobre a Valisère, por exemplo, conta que já no meio da primeira conversa com o futuro cliente seu raciocínio disparou: “De todas, o sutiã é a peça que não é só roupa. Simboliza a transição da menina para a mulher”.

Olivetto hoje se diz “rainha da Inglaterra”, desde que vendeu a W/Brasil para a McCann, parte do Interpublic, um dos quatro conglomerados que dominaram a publicidade global —dois americanos, um inglês e um francês.

E é desse papel que ele revê suas mais de quatro décadas de produção criativa, no período de propaganda em grande parte vinculada à TV.

Sobre os motivos da venda em 2009, que veio a simbolizar a derrocada das grandes agências nacionais, Olivetto é sucinto, dizendo que os tempos exigiam investimentos em novas mídias que eram “impossíveis para uma agência 100% brasileira”.

Foi com a Globo, em 1975, que fez a sua estreia numa “campanha de forte apelo popular”. Aos 23 anos, ele já tinha prêmio no Festival de Cannes, mas ainda estava restrito aos “elogios da crítica”.

A DPZ foi contratada pela rede para anúncios contra o sedentarismo. Com o slogan Mexa-se e “a máquina da Globo a toda, a campanha, pioneira nos merchandisings, fez sucesso rapidamente”.

Mas os primeiros passos de Olivetto, como ele conta desde logo, foram com cigarro e bebida. Vendeu Hollywood e Charm para a Souza Cruz, “o maior anunciante brasileiro”, e uísque Drurys, cachaça São Francisco e rum Montilla para destilarias diversas.

Escreve que “hoje não faria campanhas de cigarros”, não pela proibição legal, mas “por convicção mesmo”. Embora elogie as campanhas, admite que são “discutíveis do ponto de vista ético”.

O anacronismo que se percebe ao longo de diversas campanhas é o aspecto mais controverso do livro. O caso célebre é o da Valisère, que estreou no Fantástico depois de liberado pelo principal executivo da Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho.

O comercial apresenta uma menina de 11 anos, vestindo um sutiã, em “transição para a mulher”. Olivetto cita os elogios de Boni, o Leão de Ouro em Cannes e persevera:

“Nos dias de hoje, com o politicamente correto, seríamos enxovalhados pela opinião pública como incentivadores da pedofilia? Sinceramente, não duvido que o comercial recebesse críticas absurdas. Mas acredito que poderia ser feito hoje, sim”.

Noutros casos o próprio publicitário admite erro, por exemplo, num anúncio de imobiliária: “Se imóvel não fosse bom negócio, os judeus não compravam tantos”.

Estruturalmente, “Direto de Washington - W. Olivetto por Ele Mesmo” se ressente da falta de edição —do apuro que tinha nas campanhas. Os temas se acumulam como se fossem anotações reunidas sem objeto claro e até a paragrafação parece aleatória.

Por vezes são reproduzidas mensagens inteiras, páginas, não só do autor. E as últimas 50 páginas, do total de 400, acrescentam pontos esquecidos, capítulo por capítulo.

O lançamento do livro será na segunda-feira (9), a partir das 18h, na Livraria Cultura do shopping Iguatemi (av. Brig. Faria Lima, 2.232, terceiro piso).

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