Ministro do STF dá aval a reforma trabalhista, mas propõe mais regras

Supremo avalia trecho da nova lei que restringe gratuidade na Justiça

Carteira de trabalho e previdência social
Carteira de trabalho e previdência social - Gabriel Cabral/Folhapress
Laís Alegretti Letícia Casado
Brasília

No primeiro julgamento de uma ação que questiona a reforma trabalhista, os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso e Edson Fachin apresentaram posições divergentes sobre a nova lei nesta quinta-feira (10). 

O julgamento foi interrompido por um pedido de vista (mais tempo para analisar o processo) do ministro Luiz Fux. Não há prazo para o tema retornar à pauta da corte.

Relator do processo, Barroso apresentou voto pela constitucionalidade de pontos da reforma trabalhista que restringem acesso à gratuidade na Justiça do Trabalho e sugeriu critérios para limitar o pagamento de advogados e perícia por beneficiários da Justiça gratuita.

Apesar de ter dado aval à nova lei, Barroso criticou a abrangência da reforma -- que, para ele, ataca apenas o lado do empregado e não cria ônus do lado dos empregadores.

A ação direta de inconstitucionalidade foi apresentada pela PGR (Procuradoria-Geral da República), ainda sob a gestão de Rodrigo Janot, em agosto do ano passado.

O caso se refere a um recorte específico da reforma, que trata do pagamento de advogados, perícia e custas de processos judiciais, e não coloca em discussão todo o texto da nova lei trabalhista.

Entre outros pontos, a nova lei trabalhista, que entrou em vigor em novembro, estabelece que mesmo o trabalhador que tem direito à Justiça gratuita deve pagar honorários periciais e advocatícios de sucumbência quando tiverem crédito em um processo ou se em dois anos deixar situação de pobreza.

O novo texto também determina que o trabalhador que não comparecer a uma audiência e não tiver "motivo legalmente justificável" terá de pagar as custas.

Barroso aprovou essas mudanças, mas sugere limitar as cobranças dos beneficiários da justiça gratuita. De acordo com a proposta, os beneficiários da justiça gratuita só terão que pagar honorários a advogados e perícia se receberem créditos que superem o teto do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), hoje em R$ R$ 5.645,80. Além disso, o montante a ser pago fica limitado a 30% do valor líquido dos créditos recebidos.

O ministro Edson Fachin pediu para antecipar o voto e abrir uma divergência. Ele, que seria o terceiro a votar no julgamento, defendeu a inconstitucionalidade dessas mudanças.

"A restrição, no âmbito trabalhista, como fez a nova lei, das situações em que o trabalhador terá acesso ao benefício da gratuidade da Justiça pode conter em si a aniquilação do único caminho que dispõe esse cidadão para ver garantido seus direitos sociais trabalhistas", disse.

Fachin leu o trecho da Constituição que diz que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos".

Para críticos da reforma, a nova lei viola o direito fundamental dos trabalhadores pobres à gratuidade judiciária.

"A propósito de obter redução de demandas temerárias na Justiça do Trabalho, essa nova lei padece de vício de proporcionalidade, ao impor restrição desmedida a direitos fundamentais", afirmou a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, nesta quarta-feira (9), quando teve início da discussão no plenário do STF.
 

NÚMERO DE AÇÕES

Os defensores da reforma trabalhista argumentam que a legislação anterior estimulava a apresentação de processos e acreditam que, com as novas regras, haverá redução do número de ações  impróprias na Justiça do Trabalho.

"Esse modelo [anterior] estimulava ajuizamento de ações trabalhistas indevidas", afirmou a ministra-chefe da AGU (Advocacia-Geral da União), Grace Mendonça.

No voto apresentado nesta quinta, Barroso afirmou que há três motivos para a judicialização excessiva na área trabalhista e criticou a abrangência da reforma.

"A reforma trabalhista e esta lei que estamos discutindo aqui só enfrentou um problema, que é o excesso de judicialização por parte dos empregados. Não enfrentou nem a complexidade da legislação, nem os descumpridores contumazes da legislação trabalhista", disse.

O ministro relator sugeriu a criação de ônus para os principais litigantes no "polo do empregador" e mencionou que 82 dos cem maiores litigantes estão concentrados no setor público federal e estadual, nos bancos, no setor de telefonia e na indústria.

"É muito provável que esses litigantes contumazes estejam também se beneficiando da litigiosidade excessiva e da judicialização e acabam preferindo pagar algum tempo depois, em juízo, do que cumprir desde o momento devido", disse. 

O ministro afirmou que o acesso à Justiça também é comprometido pela inexistência de "filtros mínimos e desincentivos mínimos" para esse ingresso. Ele comparou a apresentação de ações com a possibilidade de colocar cabeças de gado em um pasto público.

"Se todos os criadores de gado colocarem o máximo de cabeças de gado dentro daquele pasto, vai chegar um dia em que o pasto ficará destruído e será inteiramente consumido. Portanto, quando se permite que cada pessoa, individualmente, utilize o espaço público para maximizar o seu interesse, o interesse privado prevalece sobre o interesse publico e em algum momento espaço público é consumido e destruído pelo interesse privado", disse.

Levantamento do TST (Tribunal Superior do Trabalho) mostra que houve um pico de apresentação de novos processos na Justiça em novembro de 2017 (289,7 mil), mês em que a nova legislação entrou em vigor a partir do dia 11. "Os reclamantes, aparentemente, se anteciparam ao início de vigência da lei e adentraram com os processos antes que ela entrasse em vigor", avaliou o TST.

Em dezembro, quando a reforma já estava em vigor, o número de ações caiu para 84,2 mil. O levantamento mais recente do TST aponta que, em março, foram apresentados 147,3 mil novos processos, uma queda de 44% em relação ao mesmo mês do ano passado.

O benefício da justiça gratuita, de acordo com a reforma, pode ser dado a quem recebe salário de até 40% do teto do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), o que hoje equivale a R$ 2.258,32. O novo texto também determina que o benefício será concedido a quem comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo.

Antes, o benefício se destinava a quem tivesse salário de até o dobro do salário mínimo (R$ 1.908) ou que não estivesse em condição de pagar as custas do processo "sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família".

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