Líder dos caminhoneiros diz que intervencionistas ainda querem 'ver o circo pegar fogo'

Presidente da Abcam afirma grupos pró-intervenção militar deram infraestrutura em protestos

Joana Cunha
São Paulo

“No mercado da lei da oferta e da procura jamais vai vigorar uma tabela [de frete] eternamente. Isso tem que ficar claro. Tem que ensinar o caminhoneiro a pescar. Não adianta dar o peixe.”

A opinião é de José da Fonseca, presidente da Abcam (Associação Brasileira dos Caminhoneiros), um dos porta-vozes e pioneiros do movimento que de caminhoneiros que parou o país. Ele diz que não participou da audiência sobre a tabela do frete com o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luiz Fux, nesta quinta-feira (28), porque acredita em uma negociação mais prolongada, fazendo sugestões de novas tabelas até alcançar um meio termo.

Sua posição difere da adotada pelo presidente da CNTA (Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos), Diumar Bueno, que foi ao STF defender o preço mínimo e não descarta uma nova paralisação de caminhoneiros. “Quem quiser fazer um negócio desse vai ter que assumir o risco”, diz Fonseca.

José da Fonseca fala em microfone. Ele usa óculos, caminha branca e terno preto, com um broche na lapela
José da Fonseca, presidente da Abcam, Associação Brasileira dos Caminhoneiros e vice-presidente da CNT (Confederação Nacional do Transporte) - Divulgação/Abcam

 

Qual balanço o sr. faz do protesto de caminhoneiros hoje?

Foi benéfico para o segmento. Mostrou para o governo e a sociedade as dificuldades do setor. Quem praticamente começou tudo fomos nós [da Abcam], mas não com o objetivo de chegar onde chegou. Minha política sempre foi a de que os caminhoneiros parassem em casa. Mas chegou num ponto em que não teve como administrar. Na negociação, a nossa proposta era exclusivamente tirar Pis Cofins e Cide do diesel para aliviar a vida do caminhoneiro. E teve alguns parceiros que continuam na negociação, que fizeram a solicitação do eixo suspenso, da reserva na Conab e o frete.Na minha visão, tudo o que foi pedido foi atendido, com exceção da tabela de frete.

O sr. não participa hoje da audiência com o ministro Luiz Fux, do STF?

Não. Quando começou essa batalha na planilha de frete eu vinha acompanhando, mas num determinado momento eu percebi que estava havendo um desencontro muito grande na negociação. Nós fizemos uma planilha de sugestão e entregamos na ANTT. Também protocolamos a nossa planilha no gabinete do ministro Fux. Sei que eles olharam, mas ainda tenho minhas dúvidas. Temos que entender uma coisa: não adianta ganhar e não levar. Tem que ser flexível. Vamos negociar. Eu apresentei uma como sugestão, se essa não dá, vamos atrás de outra. Mas existe um grupo que está querendo aprovar isso a ferro e fogo, o pessoal da CNTA [Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos], do Rio Grande do Sul. Estamos trabalhando junto, mas às vezes com opiniões divergentes.


A sua opinião é mais flexível, então? 

Eu não parei não. Sei que isso não vai terminar hoje nem amanhã. Vamos continuar desenvolvendo um trabalho. Provavelmente vamos reanalisar a nossa e ver onde a gente pode mexer em alguma coisa que não prejudique o segmento. Temos que entender que tem que ter um preço mínimo para o caminhoneiro poder sobreviver. Se precisar mexer nessa Medida Provisória, vamos mexer. Mandamos a nossa planilha para os embarcadores e ela está sendo atrativa. No mercado da lei da oferta e da procura jamais vai vigorar uma coisa como tabela eternamente. Isso tem que ficar claro. Tem que ensinar o caminhoneiro a pescar. Não adianta dar o peixe. Estamos desenvolvendo uns aplicativos aqui.


A Abcam está fazendo aplicativos para os caminhoneiros calcularem o frete?

Já estamos pondo em prática. Temos a nossa planilha no Rio Grande do Sul, que está à disposição na federação do estado, que está lá no aplicativo e já teve mais de 50 mil consultas de caminhoneiros naquela planilha. O pessoal entende que tem algumas coisinhas que precisam melhorar mais para a a carga líquida, mas estamos trabalhando. Na nossa planilha não colocamos imposto e lucro do caminhoneiro. Só colocamos o mínimo: daqui para trás não pode, mas para frente é negociação entre o caminhoneiro e o embarcador ou a empresa de transporte. 
 

Voltando para os resultados práticos do protesto, o que estão achando do preço do diesel?

Foi uma negociação com o governo em que ele falou que até a primeira quinzena de junho estaria tudo resolvido. Não está. Voltamos a conversar e vamos esperar até dia 30 para ver. Mas eu tenho feitos algumas pesquisas. Por exemplo, vim de São Paulo para Brasília e todos os postos em que eu parei estão cumprindo. 

Acho que esses postos se prepararam para receber a sua visita. Qual é o procedimento quando encontram um posto que não repassou a queda?

(Risos) Eu conversei com os caminhoneiros nos postos e estão cumprindo, sim. No Norte também estão, se não 100%, pelo menos 90%. Alguns tiveram queda de R$ 0,41, outros R$ 0,40. Agora a nossa política é denunciar esses postos. Existe uma determinação. Se o governo está cobrindo essa diferença de preço, é justo que eles coloquem no bico da bomba. Acredito que vamos conseguir. Estamos em cima. Se o caminhoneiro vai num posto e vê não está nem o [desconto de] R$ 0,41, a gente liga, pega o CNPJ e denuncia para o Procon. Mas está caminhando. 
 

Estou vendo que a comunicação do sr. está muito pacífica. Qual é a chance de uma nova paralisação?

Não concordo com isso. Nós mostramos a força do caminhoneiro, mas temos que entender que nessa fase crítica, com o prejuízo que já foi causado no país, de repente, não podemos nem pensar. Quem quiser fazer um negócio desse vai ter que assumir totalmente o risco. Tem processo em cima da gente. Temos três advogados só respondendo essas coisas.
 

Tem algum outro grupo ainda considerando novas paralisações?

Tem um grupo falando, sim. Eu já falei: amigos, vocês não podem instigar isso porque quando vocês falam isso publicamente, não é só o caminhoneiro que está ouvindo. Tem outros grupos que querem ver o circo pegar fogo. Se isso começar, sabe lá o que vai acontecer. Eu não participo disso.


Quando o sr. fala em grupos querendo "ver o circo pegar fogo", está se referindo aos que pediam intervenção militar?

Isso. Não pense que eles acabaram. Não acredito que pode acontecer de novo uma greve da forma como foi essa, porque o pedido do diesel já está aí, o do eixo suspenso, tem muitas coisas. Nos grupos [de Whatsapp] que eu administro aqui, quando um cara [defendendo intervenção militar] consegue se infiltrar, eu já encerro o grupo e começo outro. Quem denunciou isso [durante os protestos] fui eu. Se eu não tivesse denunciado, sabe-se lá o que teria acontecido.


No seu histórico de liderança de protestos houve outros episódios mais radicais?

Eu não sou um aventureiro. Tenho uma história no transporte de carga. Jamais queimei caminhão. Quem falou isso mentiu. Tanto é que que nunca fui processado nem tive problema com isso em todas as paralisações que eu fiz. Eu consegui fundar no estado de São Paulo o sindicato dos tanqueiros. Depois disso, fundei uma federação. 
 

O sr. é filiado ao PSDB?

Na década de 80, o Mário Covas tinha uma atitude simpática com a limpeza da cidade. Ele multou a nossa entidade na época porque os caminhões estacionavam na porta e deixavam lixo. Eu fui conversar com ele e dali começou a nascer um relacionamento de amizade. Isso durou muitos anos. Me licenciei do sindicato e o apoiei. Aí surgiu aquela fase de me chamarem para ser candidato. Eu fiz mais para fazer uma vontade dele. Depois ele faleceu, houve um distanciamento, eu abandonei [o partido]. Se não tivessem falado isso [em reportagem da Folha em maio], eu nem sabia que estava filiado no PSDB. Tanto é verdade que agora eu já estou pedindo a minha desfiliação lá. Já fui lá depois disso, conversei e estou oficializando. Preciso ir no cartório. A minha vida foi sempre apolítica.

E a sua participação na CNT [Confederação Nacional dos Transportes, entidade patronal]?

Tem seção de aeroviário, aquaviário, empresa de transporte, tudo. E tem os autônomos. Se você tem um problema, às vezes colide com o setor empresarial, como aconteceu neste movimento. Eu não sou uma liderança da categoria. Sou um instrumento dela. O que for aprovado e assinado eu cumpro. Sou respeitoso para negociar, mas não abaixo a cabeça. 

O sr. tinha um cargo na CNT, não é isso?

Eu não tinha. Eu tenho. Mas eu não uso esse cargo. Já estou repensando toda essa situação para ver se a gente continua ou não. Ano que vem já é outro mandato, aí eu estou fora. Não quero participar de mais nada disso.

Tem a ver com essa paralisação?

Não tem. Chegou num ponto que travou tudo. E todos os caminhões que estavam na rua ficaram presos. Mas os cegonheiros todos ficaram no pátio. 

Teve muito caminhão parado à força.

E teve alguns apoios para o caminhoneiro, que muita gente agradece, mas eu tenho minhas dúvidas. Como de um dia para o outro você vê barraca armada em bloqueio dando alimentação? Isso foram os intervencionistas que fizeram. Quando começaram a chegar essas informações para mim eu perguntei: Quanta greve a gente já fez e nunca vi acontecer assim. Recebi muito apoio da população.
 

Aquela comida toda doada aos caminhoneiros não vinha das transportadoras? Era de interventor?

Transportadora nunca deu nada para o caminhoneiro. Não ia dar comida em uma situação dessas. Isso tem que ficar claro. Uma parcela foram os postos de abastecimento dando apoio para a clientela deles. Mas tudo o que estava organizado na rodovia com barraquinha e infraestrutura pode esperar que era gente que queria ver o país pegar fogo. Quem estava na frente disso não eram caminhoneiros.

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