Descrição de chapéu The New York Times

Esforços de reconhecimento facial do Facebook geram preocupação sobre privacidade

Autoridades regulatórias da Europa já questionaram o sistema de consentimento adotado

Natasha Singer
Nova York | The New York Times

Quando o Facebook lançou seus novos recursos de reconhecimento facial na União Europeia, neste ano, promoveu a tecnologia como uma maneira de ajudar as pessoas a protegerem suas identidades na rede.

"A tecnologia de reconhecimento facial permite que ajudemos a protegê-los contra o uso indevido de suas fotos por desconhecidos que queiram se passar por vocês", informou o Facebook aos seus usuários na Europa.

Foi uma decisão arriscada. Seis anos antes, a rede social havia desativado essa tecnologia na Europa depois que autoridades regulatórias da região questionaram o sistema de consentimento adotado. Agora, o Facebook está reintroduzindo o recurso como parte de uma atualização de seu processo de autorização por usuários na Europa.

Mas a companhia corre riscos sérios ao promover agressivamente esse tipo de tecnologia. Mais de uma dezena de organizações de defesa da privacidade e do consumidor, e pelo menos algumas autoridades, argumentam que o uso de reconhecimento facial pela empresa viola a privacidade dos usuários por não obter o devido consentimento.

As queixas se somam às críticas que o gigante do Vale do Silício enfrenta por seu uso de dados pessoais de usuários. Diversas agências do governo americano investigam a resposta do Facebook à coleta de dados sobre seus usuários pela consultoria política Cambridge Analytica.

A campanha do Facebook para promover o reconhecimento facial também coloca a empresa em posição central em um debate cada vez mais intenso sobre como essa poderosa tecnologia deveria ser usada. Ela pode ser empregada para identificar pessoas remotamente sem que elas saibam disso ou autorizem a prática. Embora seus proponentes a vejam como um recurso tecnológico de combate ao crime, os especialistas em direitos civis alertam que poderia permitir a criação de um sistema de vigilância em massa.

O reconhecimento facial funciona por meio da análise de imagens de rostos de pessoas não identificadas em fotos, e pela comparação entre os códigos referentes às suas feições, assim obtidos, com um banco de dados de imagens de pessoas identificadas. O Facebook disse que os usuários estão no controle do processo, e afirmou que "vocês controlam o reconhecimento facial".

Mas os críticos dizem que as pessoas na verdade não têm controle sobre a tecnologia —porque o Facebook analisa as imagens de seus rostos em fotos postadas no serviço mesmo que o controle de reconhecimento facial do usuário não autorize a prática.

"O Facebook tenta explicar suas práticas de maneiras que fazem com que a empresa pareça boa, e que eles de alguma forma estão protegendo a privacidade dos usuários", disse Jennifer Lynch, advogada sênior da Electronic Freedom Frontier, uma organização de defesa dos direitos dos cidadãos na mídia digital. "Mas não menciona o fato de que eles analisam todas as fotos subidas para o site".

Rochelle Nadhiri, porta-voz do Facebook, disse que o sistema da empresa analisa rostos nas fotos subidas pelos usuários para verificar se elas coincidem com as de outros usuários que tenham seu sistema de reconhecimento facial ativado. Se o sistema não encontra equivalência, não identifica o rosto desconhecido e imediatamente elimina os dados faciais analisados.

CONSENTIMENTO

No cerne da questão está a abordagem do Facebook quanto à questão do consentimento pelo usuário.

Na União Europeia, uma nova e severa lei de proteção à privacidade de dados, chamada Regulamento Geral de Proteção de Dados, agora requer que empresas obtenham consentimento explícito, "e concedido livremente", antes de recolherem informações sensíveis, como dados faciais.

Alguns críticos, entre os quais a ex-dirigente que propôs a nova lei originalmente, afirmam que o Facebook tenta influenciar indevidamente o consentimento do usuário ao promover o reconhecimento facial como ferramenta de proteção de identidade.

"O Facebook de certa forma está me ameaçando, ao dizer que, se eu não aderir ao reconhecimento facial, estarei em perigo", disse Viviane Reding, ex-comissária de justiça da União Europeia e hoje integrante do Parlamento Europeu. "Isso vai completamente contra a lei europeia, porque manipula o processo de consentimento".

As autoridades regulatórias europeias também têm preocupações quanto às práticas de reconhecimento facial do Facebook. Na Irlanda, que abriga a sede internacional do Facebook, uma porta-voz da Comissão de Proteção de Dados disse que as autoridades regulatórias "fizeram diversas perguntas específicas ao Facebook com relação a essa tecnologia". As autoridades estão avaliando as respostas da empresa, ela disse.

Nos Estados Unidos, o Facebook é alvo de um processo judicial aberto por moradores do estado do Illinois que afirmam que as práticas de reconhecimento facial da empresa violam as leis estaduais de privacidade. O processo foi classificado como ação coletiva em abril, e pode resultar em multas de bilhões de dólares para a empresa. Em maio, um tribunal de recursos atendeu ao pedido do Facebook para que o julgamento fosse adiado, para revisão da decisão que permitiu tornar o processo ação coletiva.

Nikki Sokol, diretora jurídica associada do Facebook, afirmou em comunicado que "esse processo não tem mérito e nos defenderemos vigorosamente".

Em separado, organizações de defesa da privacidade e dos direitos do consumidor apresentaram queixa à Comissão Federal do Comércio (FTC) americana, em abril, afirmando que o Facebook havia adicionado serviços de reconhecimento facial, como o recurso que permite identificar o uso de imagens por impostores, sem obter consentimento prévio dos usuários para ativá-los. As organizações argumentam que a empresa violou os termos de um acordo que assinou em 2011 com a FTC e a proíbe de recorrer a práticas enganosas quanto a questões de privacidade.

"O Facebook costumeiramente representa indevidamente as situações, para induzir consumidores a adotar usos mais amplos e onipresentes da tecnologia de reconhecimento facial", afirma a queixa.

Nadhiri disse que o Facebook desenvolveu seu processo de consentimento de forma a cumprir a nova lei europeia, e que havia consultado as autoridades europeias sobre sua nova abordagem, antes de adotá-la. Quanto à queixa das organizações de defesa da privacidade, ela disse que a rede social havia notificado os usuários sobre a expansão nos serviços de reconhecimento facial.

"Oferecemos informações claras às pessoas sobre como usaríamos a tecnologia de reconhecimento facial", escreveu Nadhiri em email. A seção recentemente atualizada de regras da empresa quanto à privacidade, acrescentou ela, "mostra às pessoas como os controles funcionam, em linguagem simples".

PATENTES

Mas o Facebook pode estar só começando, no campo dos serviços de reconhecimento facial. A rede social solicitou diversas patentes, muitas das quais ainda sob avaliação, que demonstram de que maneira a tecnologia poderia ser usada para rastrear usuários no mundo real.

Um pedido de patente publicado em novembro de 2017 descreve um sistema capaz de detectar consumidores dentro de lojas e comparar os rostos deles aos seus perfis de rede social. O sistema em seguida poderia analisar as características dos amigos dos usuários e outros detalhes, e usar a informação para estimar um "nível de confiabilidade" para cada consumidor. Os consumidores considerados "confiáveis" seriam elegíveis para tratamento especial, como acesso automático a mercadorias exibidas em displays trancados, afirma a solicitação de patente.

Outro pedido de patente do Facebook descreve de que maneira câmeras posicionadas perto dos caixas de lojas poderiam capturar imagens dos rostos dos compradores, compará-las a seus perfis de rede social e enviar mensagens de confirmação de compra aos seus telefones.

Em sua queixa à FTC, os ativistas que defendem a privacidade, liderados pelo Electronic Privacy Information Center, uma organização de pesquisa sem fins lucrativos, afirmam que os pedidos de patente mostram como o Facebook poderia ganhar dinheiro com os rostos de seus usuários. Uma queixa anterior da organização sobre o Facebook ajudou a levar ao acordo com a FTC que requer que a empresa dê mais controle aos seus usuários quanto aos seus dados pessoais.

"Os pedidos de patentes do Facebook atestam os propósitos comerciais primários da companhia ao expandir sua coleta de dados biométricos, e o uso generalizado da tecnologia de reconhecimento facial que ela planeja para o futuro próximo", afirma a queixa.

Nadhiri disse que o Facebook muitas vezes solicita patentes sobre tecnologias que não coloca em uso, e que pedidos de patente não são indicação quanto aos planos da empresa.

 Tradução de PAULO MIGLIACCI

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