Descrição de chapéu Cifras & Letras

Livro examina os erros que levaram aos problemas do euro

Autor critica restrição a pedidos de moratória e aperto fiscal excessivo

O presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, durante entrevista em Frankfurt
O presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, durante entrevista em Frankfurt - Kai Pfaffenbach/Reuters
Martin Sandbu
Financial Times

EuroTragedy - A Drama in Nine Acts

  • Preço R$ 89,60 (672 págs.)
  • Autor Ashoka Mody
  • Editora Oxford University Press

Escrever sobre o euro impõe uma dificuldade: tratar devidamente dos aspectos técnicos ameaça destruir qualquer narrativa, mas contar a história de maneira simplificada acarreta o risco de analisar a situação incorretamente. 

“EuroTragedy: A Drama in Nine Acts” [eurotragédia: um drama em nove atos], crônica analítica de Ashoka Mody sobre a história e as perspectivas da moeda unificada europeia, é uma tentativa ambiciosa de escapar da armadilha.

A ampla cronologia do euro que ele apresenta é muito bem contada. Mody, ex-dirigente do FMI (Fundo Monetário Internacional), recua ao início do projeto europeu, cobrindo as primeiras tentativas de unificação monetária, e a campanha que por fim deu resultado.

A análise que ele apresenta é aparentemente convencional. Mody repete as críticas usuais ao euro: a de que a moeda remove o câmbio como “amortecedor” e a de que uma política monetária unificada não se enquadra bem a diferentes economias nacionais.

Ele critica severamente os líderes por abusarem da retórica, mas pouco fazerem de prático sobre diversas “uniões”—especialmente por não agregarem as verbas obtidas de seus contribuintes para ajudar economias e bancos que enfrentam maus momentos.

Isso tudo não é original e negligencia desdobramentos recentes no campo da economia, como a utilidade reduzida da flexibilidade cambial em um mundo no qual as cadeias de suprimentos são internacionais ou as indicações de que a independência monetária é fugaz até mesmo em países que adotam regimes de livre flutuação cambial. 

Mody assevera que, nos Estados Unidos, o grande Orçamento do governo federal oferece o elemento de “risco compartilhado” de que uma união monetária supostamente necessita, mas não acrescenta que pesquisas empíricas encontram pouca estabilização de flutuações econômicas locais por esse meio.

Mesmo assim, ele tem um olho muito bom para aquilo que é importante economicamente, e suas observações acabam por contrariar boa parte da análise convencional que ele repete. 

Mody demonstra que as raízes do mau desempenho econômico da Europa têm pouco a ver com o fato da união monetária —apontando, por exemplo, que a negligência quanto ao treinamento profissional e educação gera crescimento lento da produtividade em longo prazo e desilusão política entre os jovens. 

Ele destaca deficiências de governança como a corrupção e a extrema falta de disposição dos governos europeus para promover a limpeza e a reestruturação de seus sistemas bancários.

Com isso, a Itália se torna alvo de críticas especialmente severas por repetir o erro do Japão e ser leniente demais com os seus bancos. Mody está correto nessa crítica. Mas no caso japonês ele certamente não diria que isso é um problema do iene. 

Combinar e confundir os problemas da zona do euro com os problemas do euro é um hábito que se tornou comum demais. 

Mody ocupa território mais firme ao criticar as autoridades econômicas por escolhas inapropriadas: aperto fiscal excessivo e política monetária insuficientemente frouxa. 

Ele acerta quanto ao maior dos erros: a insistência em que os países-membros da zona do euro não sejam autorizados a decretar moratórias sobre suas dívidas ou de que os bancos não sejam autorizados a dar calotes em seus credores preferenciais.

As partes mais originais do livro são as explicações bem arrazoadas para a necessidade de que as dívidas nacionais e dos bancos tivessem sido reestruturadas mais cedo na crise.

Até mesmo as escolhas erradas de política pública são apenas isso: escolhas, que poderiam ter sido diferentes. 

O que caracteriza a tragédia é que os protagonistas são compelidos a agir de maneira autodestrutiva. Os líderes do euro não têm uma desculpa assim elevada. 

Nada no euro os compelia a manter uma política monetária rígida, encerrar prematuramente as medidas de estímulo fiscal ou a que recusassem conceder um perdão parcial de dívidas. Desastre, talvez, mas tragédia não.

Tradução de Paulo Migliacci

Comentarista de economia do Financial Times e autor de “Europe’s Orphan”

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.