Nos EUA, faltam caminhoneiros em meio à expansão econômica

Faltam 50 mil caminhoneiros no país, segundo associação que representa os profissionais

Caminhão percorre estrada americana em Nevada
Faltam 50 mil caminhoneiros no país, de acordo com estimativa de associação dos profissionais - John Locher/AP
Ohio

Quem pega a estrada no estado industrial de Ohio, no meio-oeste dos Estados Unidos, vai esbarrar com frequência em uma frase em letras maiúsculas, na traseira de caminhões: “Estamos contratando”.

Na maioria das vezes, é para ontem. A ABF Freight, uma das empresas que exibe o clamor na carroceria de seus caminhões, tem 257 vagas abertas para quem quiser trabalhar ao volante. Nos escritórios corporativos, são duas.

Enquanto no Brasil o baixo preço do frete, impulsionado pelo excesso de mão de obra, conforme mostrou reportagem da Folha, foi um dos fatores que levou à paralisação dos caminhoneiros, nos EUA o cenário é diferente: falta caminhoneiro, sobra frete e o custo, assim como os salários, são crescentes.

“Não passa um dia sem que eu veja um anúncio de uma empresa que está aumentando salário, ou oferecendo bônus, ou recrutando gente”, afirma à Folha Sean McNally, porta-voz da ATA (American Trucking Associations), que representa as companhias de frete.

Na estimativa da instituição, faltam 50 mil caminhoneiros no país.

É uma escassez localizada. No total, há cerca de 3,5 milhões de caminhoneiros no país, muitos com veículo próprio. É no transporte de alta tonelagem, em percursos interestaduais e de longa duração, que a falta se faz notar.

A demanda ficou mais acentuada com a expansão econômica: o país deve crescer perto de 3% neste ano, e a taxa de desemprego caiu para 3,9% em abril, a menor em quase 18 anos.

 

Enquanto isso, o transporte rodoviário continua crucial para o crescimento do país. Apesar da celebrada e multimodal infraestrutura dos EUA, cerca de 70% das mercadorias americanas passam por um caminhão antes de chegarem ao consumidor final.

“Não tem loja de conveniência, shopping ou Amazon que não dependa de um caminhão para fazer entrega neste país”, comenta McNally.

Para atrair motoristas, as companhias investem em benefícios.

A ABF Freight, que nas carrocerias diz oferecer “mais que um emprego: uma carreira”, acena com plano de saúde integral, aposentadoria sem custo para o empregado, três semanas de licença por ano (além das férias) e, o principal, “mais tempo em casa”.

Na Montgomery Transport, que fica no estado do Alabama, quem indica um caminhoneiro ganha bônus de US$ 2.500 (cerca de R$ 9.500). A empresa tem uma linha direta para o setor de recrutamento, com um número do tipo 0800, e destaca em seu website os depoimentos de empregados sobre os benefícios de se trabalhar na companhia.

O assédio e a competição com outros setores, como construção, elevaram os salários da categoria: o soldo médio de um caminhoneiro nos EUA aumentou para US$ 53 mil anuais (cerca de R$ 17 mil por mês) no ano passado, 15% a mais do que há quatro anos.

A indústria vem tentando atrair candidatos que normalmente não veriam o caminhão como uma alternativa de carreira –como mulheres, que atualmente só representam 6% da força de trabalho no setor, veteranos de guerra e até mesmo imigrantes, desde que sejam proficientes em inglês. “Todas as cartas estão na mesa”, diz McNally.

Mas não é qualquer um que se qualifica para assumir o volante nas estradas americanas. 

Sob forte regulação federal, o setor exige, além de habilitação específica e idade mínima de 21 anos, um passado imaculado do candidato –que não pode ter multas por dirigir embriagado, nem mais que dois acidentes ou infrações de trânsito nos últimos anos, além de precisar se submeter a testes antidrogas. São critérios que variam de empresa para empresa, mas costumam ser rigorosos.

O sindicato dos caminhoneiros, conhecido como Teamsters, um dos mais fortes do país, é defensor dessas regras. Recentemente, novas leis limitaram o número de horas de trabalho dos motoristas, e estabeleceram períodos mínimos de descanso.

A ATA, instituição patronal, diz apoiar as normas em nome da segurança, mesmo que elas tenham algum impacto sobre a escassez de motoristas.

Já os Teamsters destacam que nem tudo é bonança, e ainda há caminhoneiros mal pagos, mais velhos e que enfrentam a alta rotatividade do setor.

“Não é um trabalho fácil”, diz à Folha Tim Beaty, diretor de estratégias globais dos Teamsters. “Quem é sindicalizado tem boas opções e contratos, mas há muitos motoristas independentes que se endividam para comprar seu caminhão, na esperança de virarem seus próprios patrões e fugirem de escalas penosas, e acabam ganhando muito mal.”

Para ele, se esses motoristas tivessem ofertas e condições melhores para permanecerem no setor, a escassez de caminhoneiros seria menor.

A ATA diz que tem aprimorado as condições de trabalho, e defende a diminuição da idade mínima para motoristas interestaduais, de 21 para 18 anos, a fim de atrair jovens recém-saídos do ensino médio.

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