Indústria registra retração e setor já prevê ano errático e sem retomada

Para especialistas, desaceleração vinha desde o início de 2018 e se agrava com as eleições

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São Paulo

"A expansão da produção industrial no Brasil deve se manter errática e moderada até o fim deste ano, de acordo com a avaliação de empresários e economistas.

Segundo eles, a recuperação do setor tem como um de seus principais entraves a incerteza causada pela eleição presidencial, em especial por sua polarização e pela grande quantidade de candidatos competitivos e com diferentes propostas para lidar com os problemas econômicos.

Além disso, fatores como a lenta recuperação do emprego e o reflexo moderado da queda dos juros básicos da economia nas taxas cobradas de consumidores e empresas dificultam a aceleração do setor, segundo os representantes das empresas.

Com queda de 0,2% em julho na comparação com o mês anterior, de acordo com dados divulgados nesta terça-feira (4) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o segmento alterna meses de avanço e retrocesso em 2018.

Dos 26 ramos pesquisados, dez apresentaram queda, com destaque para os de veículos automotores, reboques e carrocerias (-4,5%) e os produtos alimentícios (-1,7%).

Linha de montagem da Ford, em fábrica em Sâo Bernardo, Grande São Paulo - Rodrigo Paiva/Folhapress

Outras contribuições negativas vieram de equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos, que tiveram recuo de 7,2%.

Apesar da queda quando se considera o período imediatamente anterior, o mês registrou crescimento de 4% se comparado com o mesmo mês de 2017.

No acumulado de 2018, a produção da indústria nacional teve alta de 2,5%. Nos últimos 12 meses, o crescimento acumulado sobe para 3,2%.

Mauricio Nakahodo, economista do Banco MUFG Brasil, diz acreditar que o resto do ano será marcado por pequenas altas e quedas moderadas como essa, na comparação mês a mês.

Fatores como a crise na Argentina, mercado que compra produtos industrializados brasileiros, devem ser uma nova barreira para o segmento nos próximos meses, afirma.

O economista diz esperar que 2018 termine com avanço de 2% em relação a 2017.

Segundo Flávio Castelo Branco, gerente-executivo de políticas econômicas da CNI (Confederação Nacional da Indústria), a incerteza em relação ao futuro retrai tanto os gastos dos consumidores como também os investimentos das empresas.

"É um quadro de grande incerteza. Não sabemos quais os candidatos que irão para o segundo turno nem o que eles pensam sobre o programa de ajuste das contas do governo que a economia precisa."

Além disso, segundo Castelo Branco, a paralisação dos caminhoneiros de maio (que causou forte queda na produção do mês) deixou entraves para a indústria, como o tabelamento dos fretes (criado pelo governo para encerrar os protestos).

João Dornellas, presidente-executivo da Abia (associação da indústria de alimentos), diz que a paralisação gerou prejuízos com efeitos nos meses após o evento, como a perda de animais.

Segundo ele, a queda no segmento, que a associação calcula em 3,15% na produção de janeiro a julho em comparação com o ano anterior, também é resultado do alto índice de desemprego e da falta de confiança dos consumidores.

Dornellas diz esperar que o setor cresça 1,5% em 2018, tendo sua recuperação impulsionada pelas festas de fim de ano.

Rafael Cagnin, economista do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), pondera que a desaceleração já ocorria desde o início deste ano, mesmo antes da paralisação e da aproximação do ciclo eleitoral.

Segundo ele, em 2017 a economia se beneficiou da queda da inflação e dos juros e de uma supersafra agrícola.

Neste ano, com o fim do efeito desses incentivos, houve a perda de vigor na recuperação, diz Cagnin.

Já a Abimaq (associação da indústria de máquinas), que aponta queda de 4,9% no faturamento do setor no mercado interno neste ano, afirma que a alta taxa de juros cobrada das empresas é um entrave para a retomada.

José Velloso, presidente-executivo da associação, afirma que, mesmo que o empresário acesse juros do BNDES nas linhas mais baratas para a compra de máquinas (12% ao ano), não conseguiria que o ganho obtido com o uso do equipamento compensasse o custo.

"Não estamos nem repondo a depreciação dos ativos", diz.

Uma das atividades que está sendo prejudicada neste momento é a produção de açúcar e de álcool. O banco de investimento Itaú BBA estima que 18 usinas do setor sucroalcooleiro enfrentam dificuldades financeiras.

Os empreendimentos, localizados no centro-sul do Brasil, a principal área produtora do país, não estão gerando caixa suficiente para manter suas operações, disse o chefe de negócios em agricultura do banco, Pedro Fernandes.

A instituição avaliou a situação financeira de 75 produtores, que representam uma capacidade total de processamento de 475 milhões de toneladas de cana.

O banco estima que outras 22 empresas mal têm conseguido gerar recursos suficientes para cobrir serviços da dívida e para manter níveis adequados de renovação de canaviais.

A longa estiagem de 2018 ameaça a próxima colheita. Em algumas cidades paulistas, a seca se aproximou de 120 dias e pode resultar em uma redução na produção de cana-de-açúcar de até 40 milhões de toneladas na atual safra.

Enquanto na safra 2017/18, encerrada em março, a produção alcançou 596 milhões de toneladas moídas, no período 2018/19 o montante pode ser de até 556 milhões.

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