Descrição de chapéu The New York Times

Jornal The Village Voice, um ícone de Nova York, fecha as portas

Alguns empregados continuarão para digitalizar arquivo e torná-lo acessível online

Nova York | The New York Times

Quando Peter Barbey comprou o The Village Voice, em 2015, ele prometeu que investiria no duradouro semanário alternativo, e disse que o jornal "sobreviveria e prosperaria". Mas em agosto de 2017, ele cancelou a edição impressa da publicação, e um ano depois ordenou seu fechamento.

O fim da publicação independente e de inclinações esquerdistas foi um anticlímax, dadas as caixas plásticas vermelhas de distribuição do jornal que jaziam vazias, espalhadas pelas calçadas de Manhattan, em Nova York, já há alguns anos.

"Esse é um dia triste para o The Village Voice e para milhões de leitores", afirmou Barbey em comunicado. "O jornal era um elemento chave para o jornalismo de Nova York, e tinha leitores em todo o mundo. Como primeiro jornal alternativo moderno, ele literalmente definiu um novo gênero de publicação".

Caixas vermelhas de distribuição do jornal The Village Voice
Caixas de distribuição do jornal The Village Voice - Mark Lennihan/AP

Os trabalhadores do jornal disseram que o fim não foi surpresa para eles. O último editor-chefe do The Village Voice, Stephen Mooallem –o terceiro editor da publicação nos três anos desde que Barbey a comprou– se demitiu em maio e não foi substituído.

Alguns empregados continuarão para digitalizar o arquivo em papel do jornal e torná-lo acessível online; os demais se verão sem emprego em um momento no qual o setor de notícias está em crise.

Tom Robbins, que por anos foi repórter investigativo do The Village Voice, disse que "é espantoso o que está acontecendo em Nova York, a maior cidade da mídia americana".

Hoje professor da Escola Craig Newmark de Jornalismo, na Universidade Municipal de Nova York, Robbins acrescentou que o jornal ajudava muita gente a descobrir aquilo de que precisava, "seja um apartamento para alugar, seja que espetáculo de teatro assistir, seja o escândalo mais interessante do dia".

O jornal foi fundado em 1955 por três nova-iorquinos, Dan Wolf, Edwin Fancher e Norman Mailer. Eles montaram uma equipe de jornalistas que conquistavam os leitores por seu humor, e os instigavam com sua propensão a discutir. Mailer, que ganhou o prêmio Pulitzer em 1968, foi um dos precursores do gênero conhecido como new journalism, ao lado de Truman Capote e Tom Wolf. Proprietários posteriores incluíram Rupert Murdoch e Leonard Stern, magnata do setor de ração para animais.

O jornal foi o primeiro emprego para o crítico de teatro Hilton Als e o escritor Colson Whitehead, ambos ganhadores do Prêmio Pulitzer. O repórter investigativo residente, Wayne Barrett, comprou briga com incorporadores de imóveis e políticos por quase 40 anos, e seu trabalho obsessivo quanto a Donald Trump se tornou referência para os repórteres que cobrem o presidente hoje.

O The Village Voice deu um lar aos repórteres investigativos Jack Newfield e James Ridgeway, e aos críticos de música Lester Bangs, Robert Christgau, Ellen Willis e Greg Tate.

Nat Hentoff cobriu jazz e questões de liberdade de expressão entre 1958 e 2009, e Michael Musto, colunista de vida noturna, escreveu em tom brincalhão sobre celebridades, drag queens e sobre a juventude da noite, por mais de 30 anos.

Steven Wishnia, que foi repórter freelancer do The Village Voice em diversas ocasiões, de 1994 em diante, disse que ficou acordado até a meia-noite na véspera do fim da publicação --sem saber que ela acabaria-- para dar os toques finais em um artigo sobre o retorno de moradores a seu edifício no Bowery, depois de eles terem sido forçados a sair porque o prédio estava em risco.

Na dia seguinte, Wishnia recebeu o link para seu artigo e ima mensagem do editor Neil DeMause.

"A boa notícia é que você teve a honra de escrever o último artigo na história do The Village Voice", escreveu DeMause. "A má notícia é a mesma".

Os grafiteiros brasileiros Os Gêmeos e o inglês Banksy se uniram, em 2013, em uma ilustração para a capa da revista americana Village Voice
Os grafiteiros brasileiros Os Gêmeos e o inglês Banksy se uniram, em 2013, em uma ilustração para a capa da revista americana Village Voice - Divulgação

Barbey é herdeiro de uma fortuna construída no varejo, na Pensilvânia. Com patrimônio líquido estimado em mais de US$ 6 bilhões (R$ 25 bilhões) pela revista Forbes, a família Barbey tem participação em marcas de roupas como North Face, Wrangler e Timberland. Ela também é dona há muitas décadas do The Reading Eagle, um jornal diário da Pensilvânia do qual Barbey é presidente-executivo desde 2011.

Ele leu o The Village Voice pela primeira vez quando estudava em um colégio interno em Massachusetts, e curtiu a cobertura do jornal sobre a cena do rock de Nova York na metade dos anos 70, assim como as críticas de cinema de Andrew Sarris. No mês passado, ele se tornou o magnata da mídia a fechar as portas da publicação.

"Comecei meu envolvimento com o Voice com a intenção de assegurar seu futuro", afirmou Barbey em seu comunicado. "Embora o resultado final não seja o que eu esperava e pelo qual trabalhei, um arquivo digitalizado completo do jornal oferecerá às futuras gerações a oportunidade de verem por si mesmas aquilo que claramente representa um dos tesouros sociais e culturais do país".

A morte do The Village Voice acontece em um momento econômico sombrio para o jornalismo local. A circulação em mídia impressa dos dois tabloides que restam na cidade, o The New York Post e o The Daily News, caiu muito. Em julho, a Tronc, que controla o The Daily News, demitiu metade da redação do jornal, que já havia passado por severos cortes.

Obter lucros no reino digital é um código que não muitas organizações noticiosas conseguiram decifrar. O DNAinfo e o Gothamist, dois sites noticiosos sobre Nova York, foram fechados no ano passado pelo proprietário Joe Ricketts, o bilionário fundador da TD Ameritrade. O Gothamist foi relançado posteriormente por um novo proprietário. Foi ele que anunciou pela primeira vez o fechamento do The Village Voice.

O crítico de cinema Bilge Ebiri disse que o pessoal do The Village Voice não estava esperando o anúncio de Barbey, mas que estava "preparado para o pior" desde que ele decidiu encerrar a publicação da versão em papel do jornal, no ano passado.

DeMause, que escreveu para o jornal por 20 anos antes de se tornar um de seus editores dois anos atrás, disse que ficou "profundamente triste, como consumidor de mídia, e um pouco assustado, como nova-iorquino e como americano, por estarmos perdendo todos esses veículos jornalísticos, em uma época na qual precisamos deles mais que nunca".

Antes que o Craigslist e outros serviços online transformassem os anúncios classificados dos jornais em algo obsoleto, o The Village Voice vinha repleto de anúncios de apartamentos, o que ajudava a bancar o trabalho de seus combativos repórteres e editores. Por anos, as seções semanais de anúncios também incluíam publicidade de serviços de sexo por telefone e de acompanhantes, até que Barbey suspendesse essa prática.

Musto disse que o jornal era único na latitude que oferecia aos seus jornalistas. "Cada colaborador tinha sua área e podia cobri-la do jeito que quisesse, injetando seu estilo pessoal em cada sílaba", ele disse.

Contratado em 1984 e demitido em 2013, Musto voltou quando Barbey assumiu, em 2015. Ele disse que ainda sentia a mesma liberdade que havia conhecido desde o início de sua carreira.

"Não podemos perder um veículo de mídia assim importante", disse Musto. "Isso vai deixar um buraco, mas pelo lado positivo o espírito idiossincrático e rebelde do Voice de alguma maneira terminou por afetar a mídia mais convencional, e pode ser visto em toda parte, agora".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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