Ministro da Saúde processa a Caixa e a número dois do Ministério da Fazenda

Occhi consegue suspender investigação sobre sua gestão na Caixa; Vescovi validou auditorias

Fábio Fabrini
Brasília

O ministro da Saúde, Gilberto Occhi, processa na Justiça a Caixa e a secretária-executiva do Ministério da Fazenda, Ana Paula Vescovi, número dois da pasta.

Occhi tenta anular provas de uma auditoria e barrar o trâmite de investigações sobre seu suposto envolvimento em esquemas ilícitos no banco.

Ele alega ter sofrido dano moral por atos da secretária.

Ex-presidente da Caixa, indicado pelo seu partido, o PP, Occhi deixou o cargo em abril, após ser implicado em desvios na instituição. Com aval do presidente Michel Temer, migrou para a Saúde.

Gilberto Occhi durante cerimônia de sua posse como ministro da Saúde, em abril - Ueslei Marcelino/Reuters

O corretor Lúcio Bolonha Funaro, que tem acordo de delação premiada com o MPF (Ministério Público Federal), disse que Occhi tinha “meta de propina” a cumprir quando era vice-presidente de Governo da Caixa, o que ele nega.

Apurações independentes, contratadas pela instituição, indicam que, como dirigente do banco, ele favoreceu o filho, o enteado e um empresário amigo na abertura de lotéricas e, mais adiante, na transferência delas em Alagoas.

As concessões para explorá-las foram obtidas pelos três quando o ministro era superintendente de gestão do banco no Nordeste. O caso foi noticiado pela Folha em maio.

Occhi abriu duas ações civis na Justiça Federal em Brasília.

Elas miram a secretária-executiva da Fazenda porque, como presidente do Conselho de Administração da Caixa, diante dos indícios de crime, improbidade administrativa e falhas de gestão, ela autorizou a instauração das investigações e a remessa das conclusões a órgãos de controle como o MPF e o TCU (Tribunal de Contas da União).
 

Ana Paula Vescovi, secretária-executiva do Ministério da Fazenda - Alan Marques/Folhapress

As suspeitas contra Occhi surgiram em apurações do escritório de advocacia Pinheiro Neto. Em seguida, foram aprofundadas pela equipe de auditoria do próprio banco, que obteve mais detalhes sobre as transações com as loterias e produziu um relatório.

Em uma das ações, Occhi pede que a Justiça Federal em Brasília anule os efeitos desse parecer produzido pelos auditores do banco.

Além disso, solicita que a Caixa seja impedida de remeter resultados de novas investigações a órgãos externos.

O processo tramita na 2ª Vara Cível, cujo juiz titular é Charles Renaud Frazão de Morais. No fim de agosto, o ministro conseguiu decisão provisória,  atendendo ao seu pleito.

A ordem impede, por ora, o avanço de investigações sobre o caso das lotéricas e proíbe a Caixa de compartilhar relatórios mais recentes. Mas só até nova apreciação do pedido, cujo mérito não foi analisado.

A defesa do ministro sustenta que a Caixa feriu seu direito ao contraditório e à ampla defesa, pois ele não foi ouvido nos processos de apuração. Alega ainda que, embora tenha solicitado, não teve acesso à cópia dos relatórios produzidos por ordem do conselho de administração.

Segundo um servidor do banco a par dos casos, os trabalhos questionados por Occhi antecedem eventual instauração de processo disciplinar contra ele. É nessa fase, explica, o momento adequado para ouvir suas alegações.

Na Justiça, nenhuma ação criminal ou de improbidade foi ainda aberta contra ele.

As ações movidas por Occhi correm em segredo de Justiça.

Uma segunda foi ajuizada na 6ª Vara Cível da Justiça Federal em Brasília. Nesse caso, conforme pessoa com acesso ao processo, Occhi alega ter sofrido danos morais com as condutas de Vescovi.

Como a Folha mostrou, Gustavo Occhi, filho do ministro, e Diogo Andrade dos Santos, filho da mulher dele, conseguiram da Caixa permissões para explorar três loterias no interior de Alagoas em 2011, em parceria com o empreiteiro Geraldo Majela de Menezes Neto, amigo da família.

As três foram vendidas em 2013. A auditoria mostrou que parte do dinheiro usado para pagar os parentes do ministro por uma das casas, em Atalaia (AL), foi liberada por ele próprio, como gestor da Caixa.

A operação se deu por uma triangulação.

Primeiro, Occhi mandou transferir R$ 800 mil à prefeitura da cidade pela compra, pelo banco, da folha de pagamentos dos servidores.

Na sequência, o prefeito Francisco Luiz de Albuquerque (MDB), o Chico Vigário, e o filho dele, o então secretário de Finanças Francisco Luiz de Albuquerque Júnior, emitiram um cheque de R$ 376,2 mil a um fornecedor.

Esse fornecedor transferiu, depois, R$ 200 mil para as contas das lotéricas vendidas pelos parentes de Occhi.

A unidade de Atalaia foi adquirida por dois filhos de Chico Vigário, entre eles o próprio secretário de Finanças.

A auditoria detectou possível favorecimento aos parentes de Occhi.

No período de concessão das lotéricas, eles foram dispensados pelo banco do cumprimento de prazos e do pagamento de multas. Os envolvidos sustentam que a negociação foi lícita.
Occhi nega que tenta impedir avanço de investigação

Outro lado

Em nota enviada por sua assessoria à Folha, Occhi afirma que “jamais tentou impedir qualquer processo de investigação”. “Pelo contrário, para dar esclarecimentos à Caixa, era essencial que o banco lhe desse ao menos cópia dos documentos que o mencionaram”, o que não ocorreu, diz.

Até a decisão judicial, a Caixa se negou a fornecer a cópia do processo, impedindo esclarecimentos, alega.
Occhi diz que, pelas regras do banco, antes de um ofício sair para apuração externa, a “corregedoria da Caixa deve ser acionada para garantir direito de esclarecimentos prévios a qualquer pessoa que seja questionada pela auditoria”.

“Tanto a Caixa errou que a Justiça já determinou a suspensão dos ofícios para que seja readequada apuração dos fatos. As falhas da Caixa foram graves e os desvios de padrão estão sendo analisados pela Justiça”, diz.

Occhi acrescenta que já colabora para esclarecimento dos fatos e que não cometeu “nenhum ato irregular nessa situação em apuração, tampouco em seus 40 anos de serviço público, [o que] comprovará perante a Caixa e demais órgãos de controle”.

Também por escrito, Vescovi diz que o Ministério da Fazenda e o conselho de administração da Caixa não se manifestam sobre as investigações independentes.

“Todo o processo atende a um plano de investigação independente ajustado com a auditoria externa, vem sendo conduzido por auditoria forense especializada e monitorado por um comitê independente, e em ampla colaboração com órgãos de investigação, controle e supervisão”, afirma.

A Caixa alega que os processos tramitam em segredo de Justiça e que não se manifesta sobre ações judiciais. Acrescenta que “garante a regularidade dos seus procedimentos internos”.

A 2ª Vara não se manifestou porque o processo está em segredo de Justiça.

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