Apoio de Bolsonaro a Israel ameaça venda de carne aos países islâmicos

Candidato afirma que reconhecerá Jerusalém como capital, o que pode gerar retaliação

Igor Gielow Fábio Zanini
São Paulo

O compromisso de reconhecer Jerusalém como a capital de Israel deve se tornar uma das primeiras dores de cabeça econômicas de Jair Bolsonaro (PSL-RJ) caso vença a disputa pelo Palácio do Planalto e honre a promessa.

Segundo pessoas próximas do tema, uma série de países islâmicos e grandes produtoras de proteína animal do mercado estão preocupadas com a hipótese de o Brasil cortar relações com a Palestina e mudar a sede de sua embaixada de Tel Aviv para Jerusalém.

O motivo: o enorme mercado para a carne brasileira nas nações muçulmanas.

De acordo com a Fambras (Federação das Associações Muçulmanas do Brasil), 45% da carne de frango e 40% da bovina que o país exporta hoje levam o selo halal --ou seja, pode ser consumida segundo preceitos islâmicos.

Desde 1979, é a entidade que dá a certificação, que preconiza abate específico (por muçulmano, com oração, uso de faca, orientação para Meca) e avalia critérios como uso de insumos e linha de produção. São cerca de mil pessoas empregadas no processo.

Embaixadores de países muçulmanos fizeram chegar ao governo federal e à campanha de Bolsonaro sua preocupação. Empresários também devem procurá-los. Consideram que a retaliação comercial será inevitável caso o deputado mantenha a palavra.

A Liga Árabe e nações islâmicas não árabes condenam a pretensão de Israel de que Jerusalém seja sua capital, algo disputado com a Palestina. Por isso, enquanto a situação não se define, a maioria dos países mantém embaixada na cidade costeira de Tel Aviv.

Essa prática foi quebrada pelos Estados Unidos de Donald Trump em dezembro passado, levando a revoltas no mundo árabe. Pelo tamanho de sua economia, os países muçulmanos não conseguiram retaliar Washington, o que leva à dúvida sobre a viabilidade de prescindir da carne brasileira.

Hoje frangos são o sétimo item da pauta exportadora do Brasil. De janeiro a setembro, US$ 4,3 bilhões (R$ 16,1 bilhões) dos US$ 180 bilhões (R$ 675,1 bilhões) que exportou vieram do produto.

Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos estão entre os três maiores compradores —o outro é a China, que sobretaxa o produto.

Se houvesse um boicote de fato, seria desastroso para a agroindústria da proteína.

A JBS ainda se recupera do escândalo político que leva seu nome, e a BRF está com unidades fechadas devido à proibição de importação de carne de frango brasileira pela União Europeia por causa da suposta manipulação de testes de salmonela descoberta na Operação Carne Fraca.

Presidente da Fambras, Mohamed Hussein el-Zogbhi relativiza o risco.

"É prematuro fazer qualquer afirmação. Estamos num movimento crescente de negócios, o Itamaraty tem posição formada [sobre o status da Palestina] desde 1948, não sabemos se um presidente faria isso", afirmou.

Outros setores poderiam ser retaliados. Um é o de investimentos por fundos soberanos, como os dos Emirados Árabes Unidos e do Qatar.

Outro é o de transporte, já que grandes empresas aéreas do golfo Pérsico, como a Emirates, usam o Brasil como base de distribuição de voos. A Embraer, que pretende vender aviões militares para árabes, também pode ser afetada.

A promessa de Bolsonaro não está registrada em papel algum. É um agrado à sua forte base evangélica, e há vídeos do candidato reafirmando o compromisso com líderes do setor e também com integrantes da comunidade judaica.

Quando Trump decidiu pela mudança da embaixada para Jerusalém, Bolsonaro o saudou no Twitter. 

Ele concedeu uma entrevista afirmando que faria o mesmo ao canal de YouTube Terça Livre e, em maio deste ano, disse à TV Ponta Verde que Jerusalém é a capital israelense por uma "verdade bíblica".

Em agosto, disse que fecharia a embaixada da Palestina no Brasil porque não a considera um país —o que o governo brasileiro fez em 2010.

Já disse que pretende fazer a sua primeira viagem internacional, se for eleito, para Israel, onde foi batizado nas águas do rio Jordão em 2016.

0
Bolsonaro é batizado nas águas do Rio Jordão, em 2017 - Reproducao/www.ocorreiodedeus.com.br

O apoio dos evangélicos a Israel tem fundo religioso. Segundo uma interpretação da Bíblia, Jesus Cristo só voltará à Terra se Israel estiver estabelecido no território histórico das antigas tribos israelenses.

Essa é a base da ligação de evangélicos americanos a Israel também, e o Estado judeu não se queixa, ainda que não considere Jesus o Messias.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.