Entenda a reforma tributária mais discutida na eleição

Conhecida como a reforma do Appy, sobrenome de um dos autores, ela busca simplificar cobrança de impostos

Flavia Lima
São Paulo

Muito se fala na campanha presidencial sobre a proposta de reforma tributária do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal).

Mais conhecida como a reforma do Bernard Appy, economista e diretor da entidade, foi avaliada por quase todos os candidatos, mas o seu detalhamento acabou ficando em segundo plano.

A proposta prevê a substituição, em um período de dez anos, de cinco tributos que hoje incidem sobre o consumo de bens e serviços por um imposto unificado cuja alíquota estimada é de 20%.

Hoje, a diversidade de alíquotas é enorme —perfumes são tributados em 42%; alguns serviços, em zero.

O projeto também acaba com qualquer benefício fiscal para bens ou serviços.

Em compensação, as empresas poderão recuperar o imposto pago em tudo o que compram para sua atividade produtiva, como insumos e matérias-primas —princípio básico de um IVA (Imposto sobre Valor Agregado).

 
O intuito é desonerar aquilo que, na avaliação de especialistas, é crucial à produtividade e à expansão econômica: a produção, além dos investimentos e das exportações.

Da parte dos dois candidatos que agora estão no segundo turno, Fernando Haddad (PT) participou de uma reunião com os autores da proposta e já sinalizou que pode encaminhá-la.

Paulo Guedes, futuro ministro da Fazenda caso Jair Bolsonaro (PSL) seja eleito, limitou-se a dizer que estuda possibilidades para adotar um tributo unificado.

Appy é apenas a face mais conhecida do CCiF, instituição independente cujo objetivo é aprimorar o sistema tributário e a gestão fiscal, financiada por algumas das maiores empresas do país.

Bernard Appy, economista e diretor do Centro de Cidadania Fiscal - Adriano Vizoni/Folhapress

Além de Appy, o CCiF reúne Nelson Machado, ex-ministro da Previdência no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, e os economistas Eurico de Santi e Vanessa Canado —todos da FGV (Fundação Getulio Vargas), em São Paulo.

O grupo de especialistas se mantém confiante, mesmo diante de tema com tão pouco apelo eleitoral.

“Brinco dizendo que esse é o tipo de projeto que não garante a eleição porque o eleitor não vai entender”, diz Appy, que foi secretário de Política Econômica do governo Lula e é considerado por economistas de todas as tendências um dos principais especialistas em tributação do país.

“Mas [esse projeto] talvez assegure a reeleição do presidente porque o efeito sobre o ambiente de negócios e sobre o crescimento virá imediatamente”, afirma.

O projeto não altera a carga tributária —nem para mais nem para menos.

O objetivo central é simplificar um dos sistemas mais caóticos do mundo. “Conheci empresa com 5.000 funcionários dos quais 200 cuidavam da burocracia de pagamento de imposto”, diz Appy.

A expectativa, segundo o CCiF, é que a mudança possa fazer com que o PIB (Produto Interno Bruto) cresça 10% a mais em 15 anos.

A proposta tem como grande apelo colocar um ponto final na chamada “guerra fiscal” —tentativa de atrair uma empresa de outro estado via redução de tributos.

Batizado de IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), o novo tributo não prevê nenhum benefício fiscal e será cobrado no lugar onde o bem ou serviço é consumido (destino), não no estado de origem, como o ICMS.

Segundo o projeto, os estados vão poder subir ou baixar a alíquota do imposto se precisarem de recursos.

Mas, como a alíquota é uniforme para todos os bens e serviços, não será possível elevá-la apenas para tevês ou combustíveis. Tudo o que é consumido no estado será atingido via lei ordinária.

Porém, por não prever nenhum tipo de desoneração fiscal, o novo tributo poderia afetar benefícios para os mais pobres. Hoje, alimentos da cesta básica, por exemplo, não pagam o PIS e a Cofins.

Para compensar, o projeto propõe cruzar o sistema de nota fiscal em que se fornece o CPF para obter a devolução de impostos com o cadastro único de programas sociais.

A ideia é devolver aos pobres boa parte dos impostos. Assim, nos primeiros R$ 250 gastos em compras seriam devolvidos 90% do imposto pago; de R$ 250 a R$ 500, devolução de 50% e assim por diante.

Os economistas mapearam ainda possíveis perdedores.

No grupo, estão desde estados que gostam de conceder benefício fiscal, pois consideram a medida parte de seu poder político, até setores que vão ter de encarar aumento de preços, pois hoje são pouco tributados, como os serviços de streaming —Netflix e Spotify, por exemplo.

O olhar do consumidor, diz Appy, tem de ser geral: enquanto os preços de alguns serviços devem subir, outros, como a conta de luz, perdem força, pois terão imposto mais baixo do que o atual.

Alguns estados podem perder —aqueles que produzem mais do que consomem. Para mitigar isso, a fase de transição na distribuição de recursos arrecadados pelo tributo será maior, de 50 anos.

Além disso, tudo o que estados e municípios arrecadam hoje com ICMS e ISS será mantido por 20 anos, corrigido pela inflação. Felizmente, os estados que podem perder receita são minoria (sete dos 27 entes federados), entre eles São Paulo e Amazonas.

O projeto também fala na formação de um fundo de desenvolvimento regional. “Em vez de dar benefício para uma empresa se instalar em um estado em que o gasto com logística será grande porque a estrada é ruim é melhor melhorar a estrada ou qualificar a mão de obra”, diz Appy.

Segundo ele, a proposta de emenda à Constituição está pronta à espera de um presidente que a encampe.
“Queremos participar desse debate e defender nossa proposta, porque, modéstia às favas, sabemos que ela é a melhor”, diz Appy.

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