Descrição de chapéu The New York Times

Autoria de biquíni de crochê gera briga judicial entre Trancoso e NY

Empresária americana que vende peças a R$ 1.100 é acusada de plágio por artesã brasileira

Katherine Rosman
Nova York e Trancoso (BA)

Era verão em Montauk (NY), e Ipek Irgit se apanhou em uma situação conhecida: não sabia bem o que fazer de sua vida.

Era 2012, e ela tinha 34 anos. Meses antes, ela havia passado férias no Brasil. E naquele dia de verão ela estava na praia, em Long Island, usando um biquíni que parecia artesanal e combinava crochê e faixas elásticas visíveis, enquanto tentava imaginar o que fazer e quem ela desejava ser.

Irgit olhou para o biquíni e viu “superpoderes” inexplorados. A peça continha uma combinação inesperada de formas e elementos: painéis triangulares, costuras em cores contrastantes e —o elemento mais distintivo de todos— as faixas elásticas que atravessavam elos feitos de crochê.

Irgit pediu a uma amiga na indústria da moda que criasse um protótipo, e uma fábrica na China produziu um lote a um custo de US$ 29 (R$ 113) por peça. Irgit decidiu fixar o preço de varejo em US$ 285 (R$ 1.112), o que posicionou seu biquíni no mercado de luxo. 

Ela brincou com a palavra “biquíni” e com suas iniciais antes de escolher a marca “Kiini” e um logotipo com três triângulos sobre os Is, como os painéis no top e na calcinha de seus biquínis.

Mulher loira, de costas, segura um arco com calcinhas de biquíni penduradas. Peças tem acabamento em crochê e elásticos coloridos
Maria Solange Ferrarini, criadora do biquíni de crochê que é alvo de disputa judicial - Dado Galdieri/The New York Times

Em 2015, o biquíni de Irgit já tinha mais de US$ 9 milhões (R$ 35,4 milhões) em vendas, disse Sally Wu, que por anos ajudou a empresa a produzir a peça na China.

O sucesso do Kiini atraiu cópias. Irgit se queixou a seu advogado, que a aconselhou a recorrer ao Escritório de Direitos Autorais dos EUA.

Em 2015, ela ficou furiosa com o lançamento de uma imitação do Kiini pela Victoria’s Secret. Em março de 2017, Kiini e Victoria’s Secret chegaram a um acordo confidencial.

Um ano mais tarde, a Kiini abriu mais um processo federal, contra a cadeia de varejo Neiman Marcus e dois fabricantes de trajes de banho. Os réus foram acusados de competição desleal e de violar a “imagem comercial” da Kiini. 

O apego da Kiini ao litígio atraiu atenção indesejada sobre Irgit —e revelou que mesmo o menor dos biquínis pode ocultar grandes segredos.

Maria Solange Ferrarini, 61, mora em Trancoso (BA). Desde 1998, ela vende biquínis artesanais feitos de crochê e faixas elásticas na praia. 

O biquíni padrão de Ferrarini tem dois triângulos de brim escuro conectados por pontos bordados visíveis a elos de crochê, pelos quais passam elásticos coloridos. A parte de baixo é parecida. E a peça é virtualmente idêntica ao biquíni sobre o qual Irgit obteve direitos autorais.

“Criei esse biquíni para sobreviver”, disse Ferrarini. Nascida em São Carlos (SP), aprendeu crochê com a mãe aos dez anos, para fazer roupas para ela e as irmãs mais novas. 

Por volta de 1994 ela se mudou para Trancoso e tentou ganhar dinheiro com seu artesanato. Ela fazia tangas de crochê e as vendia na praia.

Quando Ferrarini percebeu que precisava de mais sustentação do que a linha de crochê oferecia, começou a passar tiras elásticas pelos elos. Outras mulheres começaram a encomendar tops. 

Inicialmente, ela vendia os biquínis pelo equivalente a US$ 2,50 (R$ 10). Ela aumenta os preços em cerca de US$ 5 (R$ 20) a cada dois anos.

No começo de 2012, o jornal britânico Daily Mail publicou fotos da celebridade Kelly Brook usando um dos biquínis de Ferrarini em Trancoso.

À esquerda, modelo veste parte de cima biquíni produzido por Maria Solange Ferrarini, em Trancoso; à direita, a peça da marca Kiini, de Nova York. As duas peças tem o centro do sutiã azul, com borda de crochê e elásticos passando dentro da borda de crochê
À esquerda, modelo veste biquíni produzido por Maria Solange Ferrarini, em Trancoso; à direita, a peça da marca Kiini, de Nova York - Jens Mortensen/The New York Times

Sally Wu ficou contente, em 2012, quando sua amiga Irgit a contatou para pedir um favor. Alguns meses antes, em uma viagem ao Brasil, Irgit tinha comprado um biquíni novo. Wu conta que ela disse “preciso descobrir como copiá-lo”.

Wu pediu a Irgit que lhe enviasse um documento com especificações, para transmissão a um fabricante chinês. O email foi enviado em 28 de julho de 2012. “Sally querida”, começava a mensagem, em que Irgit encaminhava à amiga imagens em anexo, com anotações sobre medidas e cores. 

Wu ajudou a criar um protótipo. Os Kiinis venderam —e continuaram a vender.

Em abril de 2018, quando a Kiini abriu o processo contra a Neiman Marcus, a amizade e o relacionamento de negócios entre Wu e Irgit haviam se deteriorado. Wu parou de trabalhar com a Kiini.

Não muito depois, por intermédio de um amigo a quem contou a história, Wu encontrou o advogado Jason Forge, que é casado com a dona de uma marca de roupas de praia chamada PilyQ, que vende um biquíni de crochê parecido com o Kiini à Neiman Marcus e paga honorários a Ferrarini.

Wu mostrou a Forge o email que Irgit havia enviado a “Sally querida” cerca de seis anos antes, com fotos do biquíni que ela desejava que os produtores chineses usassem como referência para seu protótipo. Uma foto mostrava a calcinha do biquíni, do avesso.

Forge ampliou a imagem, e foi então que descobriu. No elástico, escrito com tinta colorida, estavam um número de telefone, as palavras “Trancoso, BA” e a assinatura de Solange Ferrarini.

“Temos uma mulher que tomou a propriedade intelectual de alguém e a registrou como se fosse sua —e, depois, aparentemente teve a audácia de processar todo um setor sobre algo que ela não criou e pode ter roubado”, afirmou Jeanne Heffernan, sócia do escritório de advocacia Kirkland & Ellis.

Irgit diz ter enviado fotos do biquíni de Ferrarini a Wu em 2012 porque gostava das cores.

Em Trancoso, a reportagem perguntou a Ferrarini o que ela queria que acontecesse com Irgit. 
Ela respondeu com uma referência às cores do Brasil e talvez ao biquíni que criou com seu crochê. “Eu quero que ela se ferre em verde e amarelo.”

Tradução de Paulo Migliacci

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