Descrição de chapéu The New York Times

Em dia tenso nas bolsas, mercado de títulos nos EUA sinaliza recessão

Em 60 anos, crises foram precedidas por fenômeno chamado inversão na curva de rendimento

Matt Phillips

As ações caíram na terça-feira (4) nas bolsas dos Estados Unidos, depois que o presidente Trump semeou confusão quanto ao status da trégua na guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, enquanto o mercado de títulos, que os investidores muitas vezes veem como porto seguro, lançava um alerta grave sobre as expectativas de uma desaceleração econômica.

O índice S&P 500 caiu em mais de 2%, e os setores de transporte e finanças, sensíveis à situação econômica, puxaram a queda.

O alerta do mercado de títulos veio por meio da chamada curva de rendimento, a diferença entre as taxas de juros dos títulos de curto prazo do Tesouro dos Estados Unidos, a exemplo das notas de dois anos, e os títulos de prazo mais longo, como os de 10 anos.

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Operador trabalha nesta quarta-feira (4) na Bolsa de Valores de Nova York - Brendan McDermid/Reuters

Quando investidores cautelosos buscam segurança, eles adquirem títulos de longo prazo, o que eleva os preços desses papéis e reduz seu rendimento, que se movimenta em direção inversa à dos preços. O rendimento das notas de dois anos do Tesouro tende a acompanhar as taxas de juros de curto prazo controladas pelo Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos; as duas coisas subiram este ano.

A diferença entre os rendimentos dos títulos de dois e de 10 anos caiu para menos de 0,12% - sua menor marca desde a crise financeira. Muitos analistas estimam que ela possa em breve cair para menos de zero, um fenômeno que o mercado conhece como "inversão".

Esses jargões todos podem parecer relevantes apenas para os seguidores do mercado de títulos. Mas eles importam.

"Recessões são sempre precedidas por inversões, e por isso não se pode descartar a coisa dizendo que se trata apenas de algum analista maluco que gosta de prever o fim do mundo", disse Vinay Pande, diretor de estratégia de operações no departamento de investimento da UBS Global Wealth Management.

Nos últimos 60 anos, todas as recessões foram precedidas por uma inversão na curva de rendimento, de acordo com uma análise conduzida pela unidade do Fed em San Francisco. Inversões de curva "sinalizaram corretamente todas as nove recessões desde 1955, e só falharam em um caso, na metade dos anos 60, quando uma inversão foi seguida por uma desaceleração econômica mas não por uma recessão oficial", escreveram os pesquisadores do banco central americano em março.

Isso não quer dizer que a próxima recessão é iminente —pode demorar um ano ou dois para que um alerta de recessão na forma de inversão de curva se concretize. O fenômeno tampouco significa que a alta no mercado de ações venha a chegar a um fim imediato.

A curva de rendimentos já havia se estreitado alguns meses atrás, e o mercado de ações praticamente ignorou esse fator, então.

Mas desta vez, com os investidores já preocupados com a economia mundial e com o efeito da guerra comercial sobre o crescimento, o alerta está sendo visto de maneira diferente. A economia dos Estados Unidos está crescendo em ritmo saudável, mas a da China registra seu mais baixo crescimento da década. A terceira maior economia do planeta, a do Japão, encolheu no terceiro trimestre. O mesmo aconteceu na Alemanha.

O governo Trump e Pequim declararam no sábado que, para todos os efeitos haviam chegado a um acordo para suspender a guerra comercial por 90 dias enquanto os dois lados tentam chegar a um acordo comercial formal. O índice S&P 500 subiu em mais de 1% na segunda-feira, depois que o acordo foi noticiado.

Mas um tuite de Trump na manhã de terça-feira parecia estar contradizendo a promessa de acordo.

O setor financeiro foi um dos segmentos mais atingidos do mercado na terça-feira, com queda de mais de 4%. Uma curva de rendimentos mais estreita reduz a lucratividade dos bancos, que se beneficiam quando a diferença entre as taxas de juros de curto prazo, que eles usam para sua captação, e as taxas de juros de longo prazo, que eles usam para cobrar por seus empréstimos a clientes, é grande.

As ações das empresas ditas cíclicas - que dependem pesadamente do crescimento econômico para suas vendas e lucros —também caíram na terça-feira. As ações de companhias de aviação como a American Airlines, Southwest e Delta Air Lines mostraram baixa. O índice S&P 1500 de montadoras de automóveis e fabricantes de autopeças - outro setor pesadamente cíclico —caiu em mais de 2%, acima da queda do mercado em geral.

Existem diversas razões para que a alteração na curva de rendimentos seja vista como bom fator preditivo de uma recessão.

Tipicamente, quando a saúde de uma economia está boa, o rendimento dos títulos de longo prazo do Tesouro é mais alto que o dos títulos de curto prazo, o que reflete as expectativas dos investidores de que nos anos seguintes haverá crescimento econômico, e alguma inflação. Quando os investidores se sentem menos seguros de que a economia e os preços continuarão em alta, o rendimento dos títulos de prazo mais longo sobe devagar, ou cai.

É o que vem acontecendo recentemente. A despeito do crescimento econômico sólido e de um desemprego que está perto de sua marca mais baixa em 50 anos, o rendimento do título de 10 anos do Tesouro americano caiu a 2,94% na terça-feira, ante 3,25% em setembro.

E outros mercados também estão enviando alguns sinais de que a economia mundial está perdendo impulso. O preço da variedade de petróleo que serve de referência ao mercado americano caiu em mais de 25% do final de setembro para cá.

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