Ao ser empossado em janeiro como ministro da Economia, Paulo Guedes assumirá uma equipe de pelo menos 33 mil funcionários, responsável por liberar cerca de 40% das despesas do governo federal —equivalente a R$ 676 bilhões neste ano.
Estarão sob seu domínio as atuais pastas da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio Exterior.
A essas cifras ainda deverá ser adicionada boa parte dos 6.806 funcionários do Ministério do Trabalho, espalhados por delegacias regionais nos estados.
A previsão da equipe de transição é que 80% das atribuições da pasta passem aos domínios de Guedes. O restante irá para a Justiça, de Sergio Moro.
A influência de Guedes avançará sobre órgãos como IBGE, CVM (Comissão de Valores Imobiliários), Susep (Superintendência de Seguros Privados) e Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Para o último, já indicou para a presidência o economista e amigo Carlos Von Doellinger.
Guedes também indicou os presidentes dos três bancos estatais —Caixa, Banco do Brasil e BNDES—, responsáveis por mais da metade da concessão de crédito no país, e o da Petrobras.
Não é a estrutura agigantada, porém, que fará de Guedes um ministro com superpoderes. Cerca de 75% de seu orçamento é de gastos obrigatórios, o que faz com que a pasta seja, na verdade, uma das mais engessadas.
Sua influência, afirmam especialistas, virá da agenda de prioridades que conduzirá no Congresso Nacional, além da regulação para destravar o investimento do setor privado e a direção da política
econômica.
Economistas com experiência na condução da máquina pública ouvidos pela Folha veem aspectos positivos e negativos no superministério, mas não há consenso sobre qual prato da balança pesará mais.
“É uma estrutura geradora de ineficiências. Já foi tentada no passado e não deu certo”, afirma o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, que comandou a economia entre 1987 e 1990.
“A Zélia [Cardoso de Mello] tentou e foi um inferno administrar essa estrutura.”
A economista foi alçada a ministra da Economia por Fernando Collor de Mello assim que ele assumiu a Presidência. Como Guedes, ela reuniu Fazenda, Planejamento e Indústria.
Maílson observa que a Fazenda já é “um ministério gigante” para administrar.
“A rotina de trabalho de um ministro consome facilmente 10 a 12 horas por dia”, afirma, enumerando uma lista de compromissos indelegáveis, como jantares com autoridades estrangeiras, sessões no Congresso Nacional e reuniões com lideranças do setor produtivo.
“Dada a relevância política do Paulo, ele tinha tudo para indicar os outros dois ministros. A experiência passada mostrou que é preferível ter aliados nessas pastas a absorvê-las”, diz Maílson.
Marcos Lisboa, presidente do Insper, colunista da Folha e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, acrescenta que a complexidade institucional aumenta o risco de paralisia do superministério.
“O excesso de normas e possibilidades de exceções demanda inúmeras reuniões. Cada intervenção requer uma decisão”, afirma Lisboa.
O problema, diz ele, é agravado por uma peculiaridade da legislação brasileira, que abre espaço para que funcionários públicos sejam processados por decisões administrativas, mesmo quando o procedimento tenha seguido todas as formalidades.
“O governo reage a isso com muitas decisões colegiadas, pareceres e reuniões intermináveis”, afirma.
Para o economista Sérgio Werlang, ex-diretor de Política Econômica do Banco Central, o novo formato pode trazer coerência às decisões do governo. “Permitirá que as agendas caminhem na mesma direção”, diz.
A convergência é necessária, segundo ele, dada a desarrumação feita pelos governos do PT na regulação de setores, como o elétrico.
“O PT não partilhava da visão de agências reguladoras fortes, técnicas e liberdade de mercado”, diz o economista, que é assessor da presidência, professor da FGV e sócio da Tiba Assessoria.
Para recuperar a perda de qualidade regulatória e atrair investimentos, diz ele, é necessário “um olhar econômico, senão o mercado se torna ineficiente”.
Ex-secretária da Fazenda de Goiás, Ana Carla Abrão também enxerga mais aspectos positivos do que negativos.
“Conceitualmente, eu não gosto da ideia, porque é importante ter no governo pessoas com o mesmo nível de poder para apresentar ideias distintas e criar contrapesos”, diz a economista, sócia da consultoria Oliver Wyman.
“Mas, neste momento de crise, é preciso acabar com as agendas muitas vezes conflitantes do Planejamento, do Desenvolvimento e da Fazenda. Um freio de arrumação é positivo.”
Para Bráulio Borges, economista da LCA Consultores e pesquisador do Ibre/FGV, um conflito de agenda importante que pode ser solucionado com o superministério se refere à abertura comercial.
“O Ministério da Indústria e Comércio é muito sujeito à pressão de setores protegidos. A orientação liberal de Paulo Guedes pode permitir maior abertura, que, idealmente, deve ocorrer aos poucos.”
No entanto, segundo especialistas, a prioridade de Guedes terá de ser o reequilíbrio das contas públicas, que sofreram forte deterioração nos últimos anos.
Apesar do apoio do futuro ministro à agenda de ajustes, como a reforma da Previdência, declarações do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), sobre a urgência do tema são contraditórias.
Por isso, um dos pontos que definirão o sucesso (ou fracasso) de Guedes será a relação que construirá com o Congresso, por onde precisará passar a maior parte das reformas econômicas necessárias para reativar a economia. Sem a aprovação delas, o restante de sua agenda econômica ficará comprometida.
Independentemente dos frutos colhidos pelo futuro ministro, especialistas afirmam que é importante que o modelo concentrador do superministério seja transitório.
“Para o bem do saudável exercício de diferentes pesos e balanços, esse modelo não pode existir para sempre”, diz Abrão.
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