Executivos da Vale podem ser acusados de homicídio doloso, dizem analistas

Crime, em que autor assume o risco de suas ações, tem pena mais alta e pode levar a Tribunal do Júri

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O conhecimento que a Vale tinha sobre a dimensão do risco em caso de rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), pode levar ao indiciamento de profissionais da empresa por homicídio doloso, na avaliação de especialistas em direito.

O desastre, ocorrido há uma semana, deixou até agora 115 mortos e 248 desaparecidos.

Homicídio doloso, em que o autor quer ou assume o risco de suas ações, tem penas maiores que o homicídio culposo, quando uma pessoa mata outra sem intenção por negligência, imprudência ou imperícia.

A acusação se basearia no argumento de que técnicos e executivos da companhia assumiram um risco elevado ao optar por um modelo de barragem sabidamente mais perigoso e barato.

Além disso, a empresa tinha em mãos um plano de emergência que apontava que a propagação da lama em caso de rompimento poderia ser de até 65 quilômetros, como revelado pela Folha.

O refeitório dos funcionários da mineradora e a área administrativa, onde estava parte das vítimas, seriam atingidos em até um minuto.

Para o juiz aposentado Wálter Maierovitch, pode ser aplicado ao caso o entendimento de dolo eventual, ou seja, em que a pessoa conhece e assume o perigo de suas ações.

"Evidente que os responsáveis não queriam o resultado morte, mas assumiram o risco", afirma ele.

Segundo Maierovitch, é preciso que a investigação aponte qual a participação de cada um para que a tragédia acontecesse, o que pode ou não envolver a cúpula da empresa.

"Será que os membros do conselho de administração foram enganados ao permitir a construção dessa barragem? Ou deram um voto que assumiu o risco?"

Sérgio Salomão Shecaira, professor titular de direito penal da USP, concorda ser possível haver responsabilizações penais, tanto para a empresa como para profissionais, mas ressalva ser difícil especificar o dolo em uma companhia com milhares de funcionários.

"É como acidente aéreo. Tem o avião cheio, a chuva, o tamanho da pista, uma série de coisas que se somam e dificultam estabelecer a individualização da responsabilidade."

Para o professor, o caso seria de homicídio culposo, pois os profissionais da empresa não tinham a intenção de cometer um crime, o que, em sua avaliação, seria necessário para configurar o dolo.

A desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo Ivana David afirma que há previsão da responsabilização penal dos administradores da empresa na legislação de crimes ambientais. Em sua avaliação, o indiciamento por homicídio com dolo eventual é mais adequado ao fato.

A individualização das responsabilidades, segundo ela, dependerá das investigações que mostrarão o padrão de trabalho dentro da companhia e como foram assinados os laudos que atestaram a segurança da barragem.

José Damião Cogan, desembargador da seção criminal do TJ-SP, pondera que a responsabilização só deve acontecer após uma análise técnica sobre os motivos da tragédia.

Ele critica a prisão temporária de cinco engenheiros (três da Vale e dois terceirizados). "Para essa prisão, seria necessária uma prova técnica de que, na época em que o laudo foi feito, aquilo era inverídico", afirma.

A existência de um plano de emergência não implica, necessariamente, que houve dolo, avalia Heloisa Estellita, especialista em direito penal econômico e professora da FGV Direito SP.

Ela afirma que "todas as barragens oferecem risco". A lei determina sua mensuração. "Tudo bem que a Vale tenha tido conhecimento do risco. O que não sabemos é se a empresa cumpriu todas as normas para lidar com ele", pondera.

Christiano Jorge Santos, professor de direito penal da PUC-SP e promotor, lembra que no caso do desastre de Mariana (MG) houve denúncias de executivos por homicídio com dolo eventual.

Na prática, especialistas apontam que é comum a Promotoria apresentar esse tipo de acusação para levar o caso ao Tribunal do Júri, espaço em que a comoção dos jurados pode favorecer a condenação.

Para o criminalista Alberto Toron, se houve dolo eventual, ele diz respeito ao rompimento da barragem, e não às mortes. "Entendo como um crime de inundação agravado pelo resultado morte", diz.

Com esse argumento, Toron já conseguiu na segunda instância uma decisão favorável para atenuar as acusações contra um executivo da Samarco no caso de Mariana.

Procurada, a Vale não se manifestou sobre a responsabilização de executivos.

Sobre o plano de emergência, a empresa já havia dito que todas as suas barragens têm o documento, construído com base em estudos técnicos de cenários hipotéticos.

"A estrutura possuía todas as declarações de estabilidade aplicáveis e passava por constantes auditorias externas e independentes."

Tipos de acusações no direito penal

Dolo direto
A pessoa comete uma infração sabendo e desejando fazer isso

Dolo eventual
O acusado prevê o resultado de sua ação, assumindo um alto risco, apesar de não querer que a infração aconteça

Culpa consciente
O agente prevê os riscos de sua ação, mas acredita sinceramente que isso não acontecerá

Culpa inconsciente
A pessoa não tem consciência de que comete uma infração nem tem intenção de fazê-la

Penas

Homicídio doloso
Reclusão de 12 a 30 anos

Homicídio culposo
Detenção de 1 a 3 anos

Inundação
eclusão de 3 a 6 anos e multa, no caso de dolo, ou detenção de 6 meses a 2 anos, no caso de culpa

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.