A liberação dos depósitos compulsórios para estimular a economia foi alvo de desencontro de informações por parte do Ministério da Economia e do Banco Central.
Na manhã desta quinta-feira (27), o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que a instituição está reduzindo o compulsório (parcela de dinheiro dos clientes que os bancos não podem usar em operações de crédito) com objetivo de tornar o mercado bancário mais eficiente.
Ele negou que a medida tenha como objetivo estimular a economia, uma forma de compensar o fato de o BC não reduzir a taxa básica de juros neste momento.
No dia anterior, a autoridade monetária havia anunciado a redução do recolhimento compulsório sobre recursos a prazo, de 33% para 31%, o que representa a liberação de R$ 16,1 bilhões. Em maio, já havia liberado outros R$ 8 bilhões.
Na tarde desta quinta, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o governo vai liberar R$ 100 bilhões de compulsório, tratando de um tema que cabe ao BC e não ao seu ministério.
Esse valor representa um quarto do estoque de depósitos, que está hoje em torno de R$ 400 bilhões.
Pouco depois, o BC divulgou uma nota de esclarecimento. A instituição não confirmou o valor de R$ 100 bilhões e afirmou que não há definições de prazos ou montantes.
"Estamos fazendo a desestatização do mercado de crédito. Estamos fazendo a devolução, despedalando os bancos públicos", disse Guedes após uma reunião na residência oficial do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), da qual participou também o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
"Ontem já houve uma liberação de R$ 20 e poucos bilhões [na verdade, R$ 16,1 bi] de recolhimento compulsório para ampliar o crédito privado e vem aí mais de R$ 100 bilhões de liberação de compulsório ali na frente. Então, estamos encolhendo o crédito público e melhorando a alocação de recursos, expandindo o crédito privado", disse o ministro da Economia.
Na nota de esclarecimento, o BC informou que a redução estrutural dos compulsórios é uma das ações da Agenda BC#, parte do pilar de eficiência de mercado. “A ação ainda está em curso, sem definições de prazos ou montantes. O BC não antecipa decisões ou regulações.”
Pela manhã, Campos Neto afirmou que o compulsório não substitui a política monetária. “Não é essa nossa visão, não é essa a nossa intenção”, disse. “Nós temos anunciado que temos uma reforma, uma agenda de reforma de mercado, estruturante. Esse tema está muito mais ligado a uma agenda BC# do que a qualquer tipo de decisão de política monetária”, afirmou.
Interlocutores do Ministério da Economia afirmaram que uma liberação de R$ 100 bilhões seria um resultado a ser obtido apenas no longo prazo. Até porque o montante mencionado pelo ministro é considerado alto.
Técnicos reconhecem que Guedes fez comentários sobre algo da alçada do BC. Apesar disso, a declaração estaria em linha com a posição de Campos Neto. O chefe da autoridade monetária já declarou que a redução dos compulsórios foi tímida nos últimos anos e que há espaço para mais liberações.
Afirmam ainda que a declaração de Guedes está ligada às discussões por parte do BC em torno de mudanças no sistema de assistência de liquidez. Segundo eles, o debate em torno do tema pode resultar em uma lei que poderia diminuir a necessidade de um nível de compulsório como o que existe hoje.
As declarações de Guedes foram tratadas pelo mercado financeiro como uma ideia isolada e sem conexão com a política do BC para o assunto.
Andre Perfeito, economista-chefe da Necton, afirmou que a nota de esclarecimento do BC mostra que não se trata de um anúncio conjunto. Disse ainda que a liberação dos recursos é positiva, mas não resolve o problema já apontado pelo BC de confiança por parte de bancos, empresas e famílias para a retomada do crédito.
“O dinheiro, em tese, tende a chegar ao bolso das pessoas, mas o canal de transmissão está obstruído. A liberação de compulsório não resolve isso.”
Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da Nova Futura Investimentos, também afirma que aumentar a disponibilidade de recursos para os bancos ajuda, mas não garante que isso vire crédito.
“Do jeito que a economia está, com indicadores bastante ruins, não dá para saber quanto desse volume liberado vira crédito. Mas é positivo, levando em consideração que o BC não mexeu na taxa [de juros].”
A medida, segundo Silveira, também pode ajudar a reduzir o spread bancário.
Segundo a Febraban (Federação Brasileira de Bancos), o compulsório no Brasil é mais elevado que em outros países, e esse é um dos motivos para que os juros cobrados nos empréstimos sejam mais altos.
Na prática, quando o compulsório é alto, os bancos têm menos dinheiro para emprestar aos clientes. Para manter o lucro, cobram mais pelos empréstimos, o que aparece no spread (a diferença entre o custo de captação e a taxa de juros cobrados dos clientes).
Desde 2008, o BC usou o compulsório como forma de estimular ou esfriar a economia, além de criar reservas de valor para reduzir ou aumentar a exposição dos bancos a risco de inadimplência.
Ao reduzir o percentual a ser coletado, o BC permite que os bancos usem esses recursos e emprestem mais, o que poderia ajudar o país em momentos de crescimento mais lento, como o atual.
Segundo o BC, a alteração aproxima mais a alíquota dos níveis históricos praticados antes da crise de 2008.
Em maio daquele ano, os compulsórios somavam R$ 110 bilhões, valor que foi reduzido praticamente pela metade nos 12 meses seguintes.
Em 2010, diante da necessidade de frear a liberação devido ao aquecimento da economia e do aumento da inadimplência, os compulsórios foram elevados para mais de R$ 200 bilhões. O valor chegaria a R$ 300 bilhões no ano seguinte e a R$ 400 bilhões no início de 2019.
Entenda o compulsório
É o percentual de recursos dos clientes que estão no banco e que não podem ser usados para emprestar.
Esse percentual varia conforme o tipo de depósito:
Depósito à vista
É o dinheiro em conta-corrente
25% é quanto os bancos precisam deixar no BC, sem rendimento
Depósito a prazo
São investimentos como CDB (emitidos por bancos) e RDB (por financeiras)
31% é quanto precisa ficar no BC, que rende a Selic
Depósitos de poupança
20% das aplicações, que rendem o mesmo que a caderneta
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