Juro alto limita expansão que governo quer no microcrédito

Concessão digital, porém, pode elevar concorrência, dizem especialistas

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São Paulo

O plano do governo de ampliar o número de instituições financeiras atuando em microcrédito para estimular a economia pode esbarrar em problema semelhante ao das linhas destinadas ao consumidor pessoa física: a alta taxa de juros.

Na semana passada, a chamada MP (Medida Provisória) do emprego verde amarelo —que reduz custo de contratação de jovens com carteira assinada— propôs também regras mais simples para a concessão do microcrédito. Além da dispensa de assinatura presencial do contrato, a proposta amplia o número de instituições aptas a conceder essa linha de financiamento, como bancos digitais e fintechs.

O microcrédito é uma linha com recursos direcionados e regras específicas: bancos são obrigados a separar 2% dos depósitos de clientes para esse crédito e podem cobrar, no máximo, 4% ao mês na linha (ou 60,1% ao ano) —a Selic está em 5% ao ano. Se os bancos não emprestam esses 2%, o dinheiro não pode ser destinado a nenhum outro crédito e fica parado sem gerar lucro.

Podem acessar o microcrédito pessoas ou empresas com faturamento anual de R$ 360 mil, a faixa na qual se enquadram as microempresas. Antes da MP da semana passada, o teto era de R$ 200 mil.

Parte das medidas, porém, depende ainda do CMN (Conselho Monetário Nacional), a principal delas é elevar o percentual de dinheiro que as instituições precisam separar para oferecer nessa linha. 

O secretário Rogério Marinho, vestindo um terno escuro, camisa branca e uma gravata roxa escura para em frente a uma parede bege, parcialmente ensolarada.
Rogério Marinho, secretário especial de Previdência e Trabalho; equipe econômica espera que 10 milhões de contratos sejam fechados até 2022 - Adriano Machado/Reuters

Uma eventual queda na taxa máxima de juros cobrada na linha para atrair tomadores também dependeria do CMN, mas o tema não foi aventado por integrantes do governo.

O secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, afirmou no dia do lançamento da MP esperar que 10 milhões de novos contratos de microcrédito sejam fechados até 2022, totalizando R$ 40 bilhões em operações —montante mais do que cinco vezes maior do que o total de concessões da linha atualmente. 

Para o presidente do Cofecon (Conselho Federal de Economia), Wellington Leonardo Silva, as chances de que essas estimativas do governo sejam frustradas são grandes.

Isso porque parte do problema para que a modalidade não tenha conseguido avançar no país até agora são as altas taxas de juros, explicadas pelo maior risco que os micro e pequenos negócios representam para os bancos.

Especificamente no PNMPO (Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado), foco das principais alterações da MP, os financiamentos são voltados para MEIs (Microempreendedores Individuais) e micro e pequenas empresas e têm o intuito de melhorar o fluxo de caixa do negócio (capital de giro) ou para a compra de itens necessários ao funcionamento da companhia. O microcrédito também é ofertado para pessoas físicas que desejam abrir sua própria empresa.

Atualmente, quem mais contrata microcrédito são pessoas e não empresas já constituídas. Segundo o Banco Central, o saldo de microcrédito para MEIs e MPEs (micro e pequenas empresas) ficou em R$ 1,3 bilhão no primeiro semestre, alta de 5,6% ante igual período de 2018. Já o saldo para pessoas físicas foi de R$ 5,6 bilhões, avanço de 15,1%. O microcrédito representa menos de 1% do total de empréstimos feitos no país.

 

Já as taxas de juros para MEIs e MPEs no microcrédito estavam em 29,2% ao ano ao final do primeiro semestre, bem acima do juro médio cobrado pelos bancos para conceder capital de giro, 16,1% ao ano. Para pessoas físicas, o microcrédito custa 35,4% ao ano.

“Mesmo que os juros tenham reduzido nos últimos meses, o microcrédito continua caro. Principalmente porque é voltado para um pequeno empresário que ainda não tem garantia de que seu produto será consumido em um cenário de renda familiar baixa e lenta recuperação do consumo”, afirmou o presidente do Cofecon.

Para o professor da Faculdade Fipecafi George Sales, apesar de os bancos terem a carteira de microcrédito dentro de seu portfólio, o volume direcionado para essas operações é muito baixo também por causa dos custos operacionais, um dos problemas que o governo tenta atacar ao digitalizar a linha. O segundo motivo é a inadimplência.

Os atrasos acima de 90 dias do microcrédito atingiram 5,9% no primeiro semestre, alta de 0,2 ponto percentual ante igual período de 2018. Para pessoas físicas, o índice ficou em 2,9% em junho, de 3% no mesmo mês de 2018.

“O governo está sendo bastante otimista com esses números. Pode ser que a retirada de exigências e a flexibilização para a concessão do microcrédito por fintechs ou via celular facilitem o crescimento que o governo espera na modalidade. Mas é preciso acertar também as taxas de juros”, afirma Sales.

Para ele, o ideal seriam taxas próximas ao patamar da Selic. 

“Não precisamos, necessariamente, atingirmos o nível ideal de juros para o microcrédito logo de cara, mas é preciso que seja implementada uma taxa viável para que o empresário possa ao menos conseguir captar os recursos de que precisa”, completa Sales.

Do lado dos bancos, porém, juros mais baixos seriam ainda menos atrativos.

 
 

O microcrédito é liderado no país pelo Banco do Nordeste, seguido pelo Santander: os quatro grandes bancos do país (Banco do Brasil, Itaú, Caixa e Bradesco), que também captam mais depósitos em conta-corrente, não têm atuação expressiva na linha.

A superintendente do Itaú Unibanco, Luciana Nicola, afirmou que as medidas para ampliar o acesso ao microcrédito para empreendedores de todo o país são positivas. “A maior flexibilidade na metodologia de concessão é fundamental para permitir inovações e aumentar a capilaridade da linha”, disse. O Itaú oferece microcrédito, atualmente, em apenas regiões específicas de seis estados brasileiros.

O Bradesco afirmou que, “observados os padrões operacionais e de gestão de risco do banco, qualquer medida que venha estimular o crédito é bem-vinda”, enquanto o posicionamento do Banco do Brasil foi de que o banco aguarda por uma regulamentação do segmento. 

“A liquidez dos grandes bancos é absurda e o mercado tem muito potencial para fazer a MP virar. Mas ainda estamos falando de pequenos grupos econômicos contratando crédito em valores baixos. É preciso que todo o processo de empréstimo da linha seja vantajoso para dar certo por aqui”, acrescenta Sales.

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