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Reforma do Estado

Pacote de Guedes cria armadilhas para gastos sociais

Na avaliação do economista, algumas medidas também comprometem investimentos de longo prazo

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O plano apresentado terça-feira (5) pelo governo tem cheiro de compensação para a perda de prioridade, ou pelo reconhecimento de sua incapacidade de articulação, em relação à votação de uma proposta de reforma tributária, essa sim essencial ao país.

O programa visa o corte de despesas, com algumas medidas acertadas e outras não, mas dada sua abrangência, enfrentará os mesmos problemas de articulação para sua votação no Congresso. Vamos às propostas.
 
Como eu afirmei, algumas medidas são importantes: a reforma administrativa, a análise da necessidade de alguns fundos públicos, a destinação de recursos para o abatimento da dívida pública, programas de redução da pobreza e investimentos, a reavaliação de incentivos tributários, a consolidação das regras fiscais para a União, Estados e Municípios, incluindo a iniciativa de soluções para o descumprimento da chamada Regra de Ouro, e a descentralização de recursos para estados e municípios.
 
Entretanto, outro grupo de medidas transparece que parcela relevante da estratégia de redução de despesas está orientada para o corte de despesas sociais, iniciativa essa inconcebível para um país com nossas desigualdades.

A “garantia de reajustes dos benefícios previdenciários e BPC pela inflação” parece significar que o atrelamento de seu piso ao valor do salário mínimo poderia estar com seus dias contados, caso a correção deste último seja superior à inflação em algum momento.

Da mesma forma, juntar os limites de saúde e educação implicaria na opção por uma dessas despesas em uma eventual pressão pela elevação de ambas —hipótese bastante factível em um cenário de precarização do mercado de trabalho. O setor público certamente precisará elevar essas duas despesas com o passar do tempo, e não reduzi-las como preconizado pelo governo.
 
A diminuição dos repasses do FAT ao BNDES significaria o desmantelamento de nossa única fonte relevante de financiamento de longo prazo, bem como a eliminação da possibilidade de operações de crédito entre União, estados e municípios reduziria a possibilidade de realização de importantes obras para a infraestrutura do país.
 
A extinção do PPA eliminaria o único instrumento atual que, se aprimorado, viabilizaria um planejamento estratégico para o desenvolvimento do país e a instituição de um modelo de gestão baseado em metas e resultados para a gestão pública federal.
 
Enfim, este governo não acredita em política fiscal anticíclica, mas no aprofundamento da austeridade. E, ademais, as medidas propostas que poderão resultar em efetiva economia vão na direção de uma reforma administrativa —correta— ou da redução de gastos sociais e da participação do BNDES na economia, por seu turno injustificáveis.
 
Quanto mais o governo insistir apenas na austeridade neste momento, mais a economia permanecerá em crise, impedindo o próprio ajuste fiscal.

Não há nenhuma proposta neste plano que vise uma solução para a nossa insuficiência de demanda que persiste há anos e suas motivações no cenário atual, o desemprego, o endividamento das famílias e empresas, que por sua vez limitam as perspectivas de receitas e terminam inibindo o investimento privado.
 
As medidas urgentes que o governo deveria adotar para recuperar o nível de atividade da economia brasileira no cenário atual seriam a imediata redução de 10% a 15% dos incentivos fiscais com a correspondente alocação desses recursos em investimentos, bem como a aceleração do processo de concessão de obras públicas.
 
Mas não existem problemas com a demanda na visão de mundo da equipe econômica, e o crescimento permanecerá pífio, infelizmente. Assim será até que eles aceitem a realidade do país.

Nelson Marconi

Professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp-FGV), foi pesquisador visitante na Kennedy School, em Harvard, e coordenador do programa de governo do candidato à Presidência da República Ciro Gomes em 2018

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