Entenda como os EUA querem fragilizar a estrutura atual da OMC

Governo Trump deixa de participar de nomeações de Órgão de Apelação

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São Paulo

A decisão dos Estados Unidos de não participar do processo de nomeação de novos integrantes para o Órgão de Apelação de controvérsias da OMC (Organização Mundial do Comércio) é mais um passo na estratégia do governo de Donald Trump para fragilizar o organismos, segundo especialistas ouvidos pela Folha.

"A saída dos Estados Unidos do multilateralismo enfraquece instituições centrais para a ordem internacional", disse Luiz Eduardo Salles, advogado especialista em comércio internacional, sócio do escritório Azevedo Sette.

Quando foi criado, em 1994, na Rodada Uruguai, o desenho da organização foi bem recebido por possuir um sistema de solução de controvérsias comerciais entre seus países membros. Se um país se incomoda com medidas ou práticas comerciais adotadas por outro integrante da OMC, ele pode levar a demanda ao órgão.

O processo de contestação funciona em etapas: primeiro, um país que não concorda com alguma medida comercial de outro pode requerer junto ao órgão um estudo especial sobre o caso. Nesta fase, as partes apresentam as suas alegações.

Caso esse tratamento especial não leve a um acordo, um painel é aberto.

Nesta etapa, três especialistas são indicados para encontrar uma solução à questão comercial. Eles costuram uma resolução para o problema, que precisa ser seguido pelos países.

Se a resolução apresentada pelo painel não agradar algum dos lados, e este quiser recorrer, ele pode apelar para a segunda instância. 

Nesta decisão, há um corpo com sete especialistas estudando a ação, e para ocorrer essa análise é preciso que pelo menos três deles estejam presentes (quórum mínimo).

Esses analistas da segunda instância têm mandatos, e a escolha deles depende do consenso dos países membros da OMC.

É justamente esse colegiado de sete especialistas que está sendo ameaçado.

Os EUA vêm se recusando a participar do processo de nomeação. Por conta disso, a segunda instância só conta atualmente com três especialistas, mas dois deles encerram seus mandatos na terça-feira (10). Portanto, se não houver uma nomeação, a segunda instância pode perder a sua função.

"Na Rodada Uruguai, todo mundo dizia que o sistema de solução de controvérsia seria a joia da coroa da OMC, justamente porque trazia previsibilidade para o comércio internacional. Na medida em que você fragiliza o sistema, você diminui as joias dessa coroa", afirmou Welber Barral, sócio da BMJ Consultoria.

"Se não tem esse corpo, o caso deixa de ser analisado. Por exemplo, países que adotarem medidas comerciais que não estão de acordo com as regras da OMC podem não ser obrigados a revogar suas práticas."

Ao desmantelar essa segunda instância, os EUA fragilizam ainda mais a estrutura de uma organização que tem encontrado dificuldade em dar novos passos e estabelecer novas diretrizes globais, explica Marcos Jank, coordenador do Insper Agro Global e titular da Cátedra Luiz de Queiroz da Esalq-USP. 

"Outras funções da OMC hoje já não estão funcionando muito bem. Já não conseguem fixar novas regras, como foi percebido no fracasso da Rodada Doha. Agora, ela pode fracassar também como tribunal de solução de controvérsias", disse.


QUEM ESTÁ NA OMC

164

é o total de países membros

98%

do comércio global é feito por esses países

22

é o total de países que tentam aderir ao órgão atualmente


A OMC surgiu como um fórum para debater caminhos, propor regras e também como um sistema de solução de controvérsias comerciais entre seus países membros. A proposta do órgão surgiu a partir da Rodada Uruguai, que ocorreu em 1994. 

No ano seguinte, em 1º de janeiro, a entidade foi fundada em substituição do Acordo Geral sobre Aduanas e Comércio, GATT, na sigla em inglês.

Embora a OMC tenha sido criada como uma forma de expandir o comércio global, com objetivo de incluir países menores, desde a sua criação não houve uma rodada (acordos comerciais abrangentes) com êxito. A única após a criação da entidade, a Rodada Doha, que teve início em 2001 e se estendeu por anos, acabou fracassada.

O primeiro acordo comercial global, com a OMC, ocorreu quase 20 anos após sua criação, no fim de 2013, em Bali, na Indonésia, com a participação de 159 países. ​Desde 2017, o governo de Donald Trump vem esvaziando o organismo, com objetivo de enfraquecê-lo para tentar mudar as regras do jogo em favor dos americanos e seus aliados.

"Os EUA não aceitam mais operar sob a ordem da OMC, e isso não se resume a resolução de controvérsias", segundo Luiz Eduardo Salles, do Azevedo Sette.

Para o advogado, o caminho é a criação de um "órgão espelho" de segunda instância que tenha valor apenas para os demais membros, e não os EUA, ou um alinhamento às regras que os americanos querem impor.

"Os integrantes têm a possibilidade de concordar com as exigência dos EUA. O problema é que elas não estão claras."


LINHA DO TEMPO

1947 - Foi estabelecido um Acordo Geral sobre Aduanas e Comércio entre 23 países, o chamado GATT, na sigla em inglês (General Agreement on Tariffs and Trade)

1995 - Em 1º de janeiro, em Génova, na Suíça, o GATT é substituído pela OMC (Organização Mundial do Comércio), organização criada para supervisionar e liberalizar o comércio internacional

2001 - Início da Rodada Doha

2008 - Reunião definitiva da Rodada Doha marca o fracasso da OMC em buscar acordos comerciais abrangentes

2013 - Acordo global de comércio em Bali, na Indonésia

2017 - Governo Trump começa a faltar das nomeações do Órgão de Apelação

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