Após início de bônus a servidores, INSS teve pico de pedidos negados

Funcionários e advogados veem pressão por encerramentos de pedidos, que acabam na Justiça

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São Paulo

O INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) atingiu um pico de benefícios negados em outubro do ano passado, com 434,4 mil requerimentos recusados. 

O volume de indeferimentos, na comparação com o ano anterior, cresce principalmente a partir de julho, quando o instituto começa mais uma força-tarefa para reduzir a fila de espera

Entre o primeiro mês do pente-fino e novembro, o último com dados disponíveis, a média de indeferimentos fica em 398 mil pedidos negados, 20% mais do que no ano anterior. Entre janeiro e novembro, a média cai para 348 mil pedidos recusados.

Para servidores e advogados, esses números vêm na esteira da pressão por resultados. Combinado com a espera longa por uma resposta, o resultado é uma enxurrada de processos judiciais.

Hoje, um em cada dez benefícios são pagos por ordem da Justiça Federal. O INSS está envolvido em 48% das ações nessa esfera. 

Nos JEFs (Juizados Especiais Federais), onde é possível iniciar um processo sem um advogado, foram 1,7 milhão de processos em 2018; essas ações contestam decisões do INSS ou cobram uma resposta que não veio no prazo legal de 45 dias.

O número corresponde a 81% de tudo o que os juizados de todo o país analisam, segundo dados do CJF (Conselho da Justiça Federal). 

Os dados de 2019 ainda não estão fechados, mas no TRF-3, tribunal que atende os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, os mandados de segurança para obrigar o INSS a responder aos pedidos cresceram 284% no ano passado ante 2018.

O volume de requerimentos também aumentou entre julho e novembro, mas não é possível fazer uma relação direta entre os dois montantes, considerando que, diante de um estoque de 2,3 milhões de benefícios esperando resposta, muitos dos que foram despachados naquele mês foram apresentados meses antes.

Entre julho e novembro de 2019 o INSS recebeu, em média, 92.035 requerimentos mais do que no mesmo período do ano anterior, um aumento de 10,7%.

O número médio de pedidos recusados pelo INSS mantém certa estabilidade nos últimos anos, desde o “ponto de virada”, em 2016. Durante três meses do ano anterior, uma greve derrubou o número de agendamentos, o que pode ter reduzido também o volume de solicitações analisadas. 

O ano de 2016 marcou também o início do pente-fino nos benefícios por incapacidade, criado com a promessa de reduzir no mínimo 30% desses pagamentos. O bônus, nessa época, era pago aos peritos médicos.

A estratégia de pagar um bônus por produtividade deu resultado para o INSS _o presidente do instituto, Renato Vieira, demitido nesta terça-feira, diz que entre os servidores que optam por trabalhar em casa, o aumento no volume de processos concluídos chega a 84%. 

Para o cidadão que está na ponta, no entanto, essa melhoria não chegou. 

“O presidente do INSS vem dizendo que aumentou a produtividade, mas aumentou baseada em um assédio moral muito grande, principalmente com os assistentes sociais”, diz Viviane Pereira, diretora da Fenasps (Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social).

Segundo a servidora pública, com a criação do programa especial de revisão, o INSS abriu a possibilidade de técnicos e assistentes sociais pedirem transferência às centrais de análise. Assim, teriam o direito de receber o bônus de R$ 57,50 por processo concluído.

“Servidores estão sendo levados para o setor de análise sem qualificação, levando a um baixo nível de decisão e alto nível de indeferimentos. Acaba tudo na justiça”, afirma.

Para receber o complemento salarial do programa de revisão, os servidores têm de cumprir uma pontuação mínima. O bônus começa a ser computado depois que essa marca é atingida. 

O funcionário que atua na agência, por exemplo, precisa de 90 pontos mensais _o restante dá direito ao pagamento extra. Os que optaram pelo teletrabalho precisam cumprir uma pontuação mínima maior, de 117 pontos, e só então entram no bônus. 

A conclusão de um processo administrativo de pensão ou salário-maternidade, considerados mais simples, tem peso de 0,75 pontos. 

Um funcionário de uma agência no interior de São Paulo relata, sob a condição de não ser identificado, que há agências em que a gerência expõe os resultados dos funcionários como forma de constranger e pressionar por velocidade maior na conclusão de processos.

Para cumprir a meta, vale tudo. Até mesmo negar pedidos sem uma análise mais atenciosa. O bônus mais recente só pode ser pago se o servidor cumprir uma determinada pontuação, que varia de acordo com o tipo de trabalho, se é nas centrais de análise ou em casa.

A presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), Adriane Bramante, afirma que a complexidade dos sistemas do INSS, com suas falhas, fazem com que a aplicação de tecnologia não seja suficiente para fazer a fila andar.

Na avaliação da advogada, há a necessidade de um funcionário fazer a correção de dados que o sistema não consegue ler. “No máximo 20% dos requerimentos possibilitam concessão automática, sem necessidade de análise do servidor”, afirma.

O advogado Roberto Dias, que atua como consultor, diz que seu escritório tem pelo menos 500 processos aguardando resposta. Pedidos de benefícios feitos em abril começaram a ser analisados somente neste mês.

Os advogados veem risco de as medidas anunciadas pelo governo, como a contratação de militares da reserva, serem ineficazes. “O serviço de balcão não é tão simples assim. Mesmo que o militar passe por treinamento, ele não tem experiência, não tem traquejo para avaliar se o documento está certo ou errado”, afirma Dias.

Para Adriane, ainda que o trabalho seja eficiente, não há como equalizar a fila em três ou quatro meses. Ela considera também que o método de pontuação para pagamento do bônus desfavorece a análise de requerimentos iniciais.

Como a pontuação é maior quando o servidor conclui um caso com suspeita de fraude ou irregularidade, os pedidos de aposentadorias, pensões e salários-maternidade ficariam em segundo plano.

Procurados na semana passada e novamente nesta terça, INSS e Secretaria Especial de Trabalho e Previdência não responderam ao pedido de detalhamento nos dados.


Caos no INSS

Principais problemas

  1. Cadastro de contribuições

- O Cnis da maioria dos trabalhadores têm falhas
- Os erros vão desde um dígito errado à falta de salários e períodos de contribuição
- Esse documento é a base da análise do direito à maioria dos benefícios

2. Aposentadoria de servidores

- Hoje, 23 mil servidores ainda trabalham no INSS em todo o Brasil
- Somente 7.820 atuam na análise de benefícios
- Os demais são administrativos, assistentes sociais ou técnicos
- Desde que o INSS começou o mutirão de análise, todos podem atuar na centrais de análise
- O último concurso realizado foi em 2015 e nem todos foram chamados

3) Pressão por produtividade
- Servidores relatam assédio e constrangimento pela conclusão de processos
- Agências chegam a divulgar internamente o ranking de produtividade individual
- Assistentes sociais são pressionados a deixar o serviço social para analisar pedidos


4) Muitos sistemas e instabilidade
- A análise de benefícios exige a utilização de pelo menos dez sistemas
- Os servidores dizem que há lentidão e muita queda de sistema
- Muitos desses sistemas não são interligados
- Essa falta de comunicação resulta em uma cadeia de PDFs, com o servidor levando os dados de uma base para outra


5) Complexidade de regras e entendimentos
- Há uma lei geral dos benefícios previdenciários e mais diversas outras leis que mexeram em regras
- Em 2019, entrou em vigor a reforma da Previdência
- Com ela, além de uma nova regra geral para aposentadoria, outras cinco regras de transição e um novo modelo de cálculo
- Os servidores também analisam pedidos de BPC, o benefício social pago a pessoas com deficiência e idosos pobres

Bônus por produtividade

Quando foi lançado, deveria acabar com pagamentos irregulares e sob suspeita, mas acabou virando um instrumento para o INSS reduzir a fila. Ele é de R$ 57,50 por benefício extra analisado

Pontuação mínima
- Quem trabalha nas centrais de análise deve cumprir 90 pontos primeiro
- Depois, o sistema registra como análise extra, gerando direito ao pagamento

Quanto vale cada benefício
2 pontos: conclusão de processo com indício de irregularidade
1 ponto: conclusão de processo de pedido de BPC e aposentadorias
1 ponto: conclusão de processo de pedido de CTC, revisão e compensação previdenciária
0,5 ponto: implantação de benefício por ordem judicial ou recurso administrativo
0,5 ponto: emissão de certificado de deslocamento temporário em acordos internacionais
0,2 ponto: pedido de exigência (só vale uma vez)

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