Coronavírus mudou cenário para a economia americana, diz Fed ao cortar juros

BC americano promove maior incentivo monetário desde a crise de 2008

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São Paulo

O Fed, banco central americano, surpreendeu o mercado nesta terça-feira (3) ao cortar a taxa básica de juros dos Estados Unidos em 0,50 ponto percentual para a faixa de 1% a 1,25% ao ano, o maior incentivo monetário desde a crise financeira de 2008. O movimento é uma resposta aos riscos econômicos que a epidemia de coronavírus representa.

Segundo o presidente do Fed, Jerome Powell, o coronavírus mudou o cenário para a economia americana neste ano, trazendo novos desafios e riscos. "Os riscos para a perspectiva americana mudaram de forma concreta", disse em entrevista coletiva à imprensa após o anúncio do corte.

Presidente do Fed, Jerome Powell, diz que o cenário para a economia americana teve uma mudança concreta com o coronavírus - Alex Wong/Getty Images/AFP

Segundo o Fed, contudo, a economia americana continua forte com baixas taxas de desemprego, aumento do salário médio, preços estáveis e aquecimento do setor imobiliário.

"O coronavírus e as medidas utilizadas para contê-lo vão, certamente, pesar na atividade econômica dos EUA e de outros países por algum tempo. Estamos começando a ver os efeitos nos setores de viagem e turismo e estamos ouvindo reclamações de indústrias que dependem de cadeias de suprimentos globais. A magnitude e a persistência dos efeitos econômicos ainda é altamente incerta", disse Powell.

Além de vir de uma reunião extraordinária, o corte de juros também surpreendeu pois, nas duas últimas semanas, autoridades do Fed afirmaram que ainda não viam necessidade de uma resposta monetária.

Segundo Powell, o cenário mudou com a disseminação da epidemia do coronavírus pelos Estados Unidos. No país, já são mais de cem casos e seis mortes.

O Fed havia sinalizado na sexta (28) que poderia tomar medidas para minimizar o dano do surto da doença sobre a atividade econômica, após uma semana de forte queda das Bolsas globais e aumento do risco.

O corte de juros é uma medida de incentivo monetário à economia. Com juros baixos, fica mais barato tomar crédito e empreender e menos vantajoso manter o dinheiro em aplicações de renda fixa, tornando o mercado acionário mais atrativo. Como as ações são maneiras de se investir em empresas, a ida de investidores para a Bolsa também pode contribuir para uma aceleração da atividade econômica.

Logo após o anúncio, as Bolsas americanas, que operavam em queda, chegaram a subir 1,5%. Porém, cerca de uma hora depois passaram a registrar fortes quedas. Dow Jones fechou com recuo de 3%, S&P 500, de 2,3% e Nasdaq, de 3%. Na Europa, Bolsas fecharam em alta de cerca de 1%.

Enquanto investidores americanos saem de ativos arriscados, como ações, eles buscam títulos do Tesouro, que são mais seguros. O movimento faz o rendimento destes títulos desabarem. Nesta sessão, o rendimento do título de dez anos caiu 14,5% para a mínima histórica de 0,996% ao ano.

Investidores estão céticos quanto aos efeitos positivos de um corte de juros na economia e temem que o risco do coronavírus seja maior do que precificam.

"O corte de 0,50 ponto percentual não nos parece um movimento de proteção e sim de antecipação, sobretudo diante de um panorama onde os desdobramentos do coronavírus ainda não são completamente tácitos. O Fed acendeu a luz vermelha, passando muito abruptamente pela amarela e, novamente, tal gap na comunicação pode acabar sendo mais prejudicial que positivo ao mercado", afirma Ilan Arbetman, da Ativa Investimentos.

Economistas do Goldman Sachs disseram que a economia americana escaparia de uma recessão por enquanto, mas reduziram a zero a projeção de crescimento do PIB americano no primeiro trimestre, em termos anualizados. Antes, o banco estimava alta de 0,9%.

Já o economista-chefe do JP Morgan nos Estados Unidos, Michael Feroli, agora vê em 50% a chance do Fed se ver forçado a reduzir a taxa de juro americana a zero ainda neste ano. Uma semana antes, Feroli via essa chance em 33%.

"É uma atitude pueril do Fed que não deve ter efeitos maiores que a recuperação normal de uma correção como estava ocorrendo. O problema hoje não é monetário e o estímulo via juros não vai ter efeitos práticos na atividade. Esta ação me parece antes a ingerência da Casa Branca sobre a política monetária que tem que continuar 'inflacionando' ativos em ano eleitoral", afirma André Perfeito, economista-chefe da Necton.

Quando perguntado pelas constantes críticas e pedidos de Trump por juros mais baixos e sua eventual influência na decisão, Powell preferiu não comentar.

Nesta segunda à noite, ao comentar o corte de juros na Austrália no Twitter, o presidente americano aproveitou para pedir juros mais baixos nos Estados Unidos.

"O nosso Fed nos faz pagar taxas mais altas do que muitas outros, quando deveríamos pagar menos. É duro para nossos exportadores e coloca os EUA em desvantagem competitiva. Deve ser o contrário. Devemos facilitar e fazer um grande corte. Jerome Powell liderou o Federal Reserve errado desde o primeiro dia. Triste!", escreveu.

Nesta semana, a Austrália reduziu a sua taxa básica de juros para a mínima histórica, sendo o primeiro país desenvolvido a mudar a política monetária devido ao coronavírus. Foi a quarta redução do banco central australiano em menos de um ano, para 0,5% ao ano.

Além do corte de juros nos EUA, o primeiro do G7, Powell disse que podem ser concedidos estímulos fiscais. O presidente Donald Trump também se mobiliza para incentivar a economia e afirmou que trabalha com o Congresso americano para viabilizar um fundo emergencial de US$ 8,5 bilhões (R$ 38,1 bilhões) para acelerar a resposta do país ao coronavírus.

Em comentário sobre a decisão de corte de juros pelo Fed, em sua conta no Twitter, o presidente americano afirmou que o Fed precisa se alinhar com outros países e pediu mais cortes de juros.

Na segunda, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) havia conclamado bancos centrais e governos a agir para evitar danos maiores à economia global. Antes dos cortes, a organização havia pedido que os BCs sinalizassem o compromisso de corte, caso necessário.

Nesta terça, os ministros de finanças do G7 grupo de países mais industrializados que reúne Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido— discutiram ações conjuntas para minimizar os efeitos econômicos do coronavírus via teleconferência. Após o Fed, espera-se que o banco central do Canadá corte o juros locais em 0,50 ponto percentual.

O pânico sobre os potenciais danos à economia de um avanço do coronavírus se disseminou durante o período de Carnaval no Brasil. A disseminação da doença pela Itália, Coreia do Sul e Irã elevou a preocupação de investidores.

No Brasil, o Ibovespa passou de queda de 0,7% para alta de 2% após o anúncio do Fed, mas acompanhou o movimento das Bolsas americanas e fechou em queda de 1%, a 105.537 pontos. O volume negociado na sessão chegou a R$ 34,5 bilhões, R$ 8,5 bilhões acima da média diária para o ano.

O dólar chegou a R$ 4,52 durante o pregão, mas fechou em alta de 0,5%, a R$ 4,513, depois de cair para R$ 4,457 logo após a decisão do Fed.

(Com informações do The Wall Street Journal)

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