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Fatores emocionais podem ajudar a mitigar choque recessivo do vírus

Padrão de recuperação vai depender desses elementos, mas também do mix de ações do poder público

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Sérgio Almeida
São Paulo

Não é a primeira vez que o mundo se depara com uma pandemia. A gripe espanhola, no início do século passado, contaminou ¼ da população global e estima-se que tenha ceifado a vida de 50 milhões.

A epidemia global de coronavírus agora, para além das mortes que causa, tem o potencial de fazer enorme estrago na economia. Mas é uma crise econômica com elementos comportamentais que podem ajudar a entender tanto o tipo de choque recessivo que a economia global enfrentará quanto a velocidade com que se recuperará desse choque.

O primeiro desses elementos é o pânico: segmentos crescentes da população começam a evitar espaços públicos.

Em número crescente de países, os governos têm adotado medidas mais amplas de isolamento. Em antecipação a cenários mais drásticos, as pessoas começam uma corrida aos supermercados para formar estoques de comida e bebida.

Clientes fazem fila no mercado Santa Luzia, na alameda Lorena, em São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

São medidas precaucionais que obviamente têm um custo: geram disrupção nos fluxos normais de abastecimento.

O pânico pode ser visto como produto de dois elementos. Um deles é o comportamento de “manada”. A economia comportamental pode racionalizá-lo como o produto do uso de heurísticas, atalhos cognitivos que simplificam nossas decisões.

Em muitas situações, não queremos desperdiçar tempo e energia mental com decisões complexas envolvendo vários cenários e dimensões de escolha.

Ao seguir os outros —traço absolutamente comum no nosso comportamento sócioeconômico—, podemos assim fazê-lo por razões puramente informacionais: em situações de incerteza como essa, as ações de outros, dentro ou fora do nosso grupo social, podem ser um guia útil e menos custoso de decisão. Muitas vezes, seguir a maioria nem passa como ferramenta racional de decisão, mas como algo puramente impulsivo.

O outro elemento da economia comportamental que pode ajudar a explicar o pânico gerado pelo coronavírus é o de “aversão ao arrependimento”. Queremos fazer escolhas que, visto em retrospectiva, nos proporcionem contentamento e satisfação. Mas a satisfação ou o arrependimento dependerá do estado futuro do mundo, que desconhecemos no momento da escolha.

Para minimizar as chances de arrependimento numa situação como essa, as pessoas e os governantes tomariam decisões mais severas em matéria de precaução quanto a um contágio mais amplo.

O elemento de pânico no comportamento dos agentes está na raiz da natureza abrupta e única do choque recessivo que o coronavírus produzirá sobre a economia global.

Diferentemente da crise de 2008, que se iniciou com choque financeiro no mercado de crédito americano e foi gradualmente se alastrando para o sistema bancário e empresas de vários setores em vários países, a crise do coronavírus tem um efeito drástico, geral e relativamente uniforme entre os setores a curtíssimo prazo.

A China, que primeiro sofreu as consequências do vírus, fornece um tipo de experimento para termos uma ideia do efeito econômico de uma suspensão abrupta e geral de boa parte da atividade.

Muitas empresas terão dificuldades em honrar pagamentos e se manter funcionando sem a receita que desaparecerá no período em que a circulação pública estiver restrita. É o custo a ser pago para evitar mais doentes e mais mortos.

Mais difícil de antecipar é o que acontecerá com a atividade econômica depois que a doença estiver sob controle. Mas há uma teoria da economia comportamental que pode ajudar a entender o padrão de recuperação que observaremos: é a que postula que nossas escolhas são dependentes de pontos de referência e que esses pontos são determinados por expectativas.

Se a queda na renda de trabalhadores e empresários provocada pelo coronavírus produzisse, como se esperaria, redução na renda esperada (do mês ou do ano), isso provocaria uma sensação de aversão à perda que induziria incentivos adicionais para que esses agentes trabalhassem mais para compensar a perda em relação ao que era esperado.

Se esse efeito de aversão à perda fosse forte o suficiente, a recuperação seria rápida. O resultado disso seria uma retomada em ritmo mais forte da atividade, já que os agentes estariam em geral tentando compensar a perda de renda do período de disrupção.

Fatores emocionais, como o otimismo e sentimentos positivos sobre o futuro, também ajudarão. Eles podem induzir mudanças no consumo e no investimento necessárias para mitigar o choque recessivo.

O padrão de recuperação que observaremos vai depender desses elementos, mas também do mix de ações do poder público.

Doutor em economia pela Universidade de Nottingham (Inglaterra), é professor de economia comportamental e teoria econômica do departamento de economia da USP  

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