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No Brasil, setor leiteiro vive normalidade, mas precisa de incentivos

Medidas como crédito e compras governamentais já foram solicitadas pelo setor

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São Paulo

O Brasil ainda não chegou ao estágio de jogar leite fora. O país vive uma certa normalidade, e o setor nacional difere muito do dos EUA, onde o produto tem sido despejado.

Uma das diferenças básicas é que os americanos geram excedentes de produção para exportação, o que está difícil neste momento.

Já o Brasil praticamente consome tudo o que produz, segundo Vicente Nogueira, coordenador da Câmara de Leite da OCB (Organização das Cooperativas do Brasil).

Caminhões tanque despejam leite em um campo de Okeechobee, na Flórida, onde está localizado a fazenda Larson Dairy Inc. uma das principais distribuidoras de leite da região
Caminhões tanque despejam leite em um campo de Okeechobee, na Flórida, onde está localizado a fazenda Larson Dairy Inc. uma das principais distribuidoras de leite da região - Brittany Nickerson Thurlow/Facebook

Além disso, a cadeia de alimentação fora do lar americana é muito mais relevante que a brasileira, o que afeta muito o consumo de derivados por lá, principalmente o de queijo.

Nogueira destaca ainda que o maior consumo dos americanos é baseado no leite fluido e pasteurizado, de vida mais curta que o UHT (longa vida), usado em grande escala no Brasil.

O coordenador da OCB classifica a situação brasileira, até agora, próxima da normalidade. Natália Grigol, pesquisadora da equipe de leite do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), concorda com Nogueira sobre o momento atual.

Ela destaca, no entanto, que a disruptura atual da economia brasileira poderá ser tão grave que, se ainda não estamos fazendo o que fazem os americanos, não quer dizer que não possamos chegar lá.

“A única certeza que temos, olhando para a frente, é que temos muitas incertezas”, diz. Natália dá caminhos, contudo, para que o país não repita o que fazem os americanos: dar estímulos ao consumo, principalmente para os derivados do leite.

A cadeia de leite é complexa, o produto é extremamente perecível, e não há muita capacidade de estocagem. O principal elo dessa cadeia é a indústria, responsável pela coleta nas fazendas e pela industrialização. Qualquer problema com ela, o reflexo será imediato no campo.

O Brasil já começou a ter algumas dificuldades, com excesso de leite em algumas regiões e falta em outras.

A quarentena elevou em até oito vezes a venda diária do leite longa vida nos supermercados no pico da corrida às compras. Com isso, as indústrias desse setor aumentaram a demanda pela matéria-prima.

Mas a própria quarentena provocou uma forte retração nas vendas de queijos e de derivados, devido à paralisação dos principais canais de escoamento desses produtos, como restaurantes e lanchonetes.

As indústrias do segmento de queijaria interromperam as compras de leite. O resultado foi sobra de matéria-prima na indústria de queijo e falta nas de leite longa vida.

A solução encontrada por um grupo de técnicos do Ministério da Agricultura, da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), e de representantes do setor foi permitir o trânsito desse leite de uma região para outra.

Tanto Agricultura como CNA montaram grupo próprio para atender demandas de produtores, monitorar preços e mitigar impactos no abastecimento de alimentos.

No caso do leite, houve mudança temporária da legislação, permitindo a comercialização da matéria-prima, com diferentes serviços de inspeção, entre municípios e estados. Segundo um dos técnicos do Ministério da Agricultura, “foi uma ação de inteligência de mercado”.

Bruno Lucchi, superintendente técnico da CNA, diz que várias medidas foram solicitadas e que parte já foi atendida.

Algumas são para melhorar as vendas como fornecimento de crédito, compras governamentais, comercialização em feiras e crédito para prorrogação de capital de giro.

Outras são para reduzir os custos de produção, como suspender temporariamente cobrança de PIS/Cofins.

Nogueira diz que o setor de leite se divide em dois neste momento. A cadeia que está ligada à comercialização tradicional, o chamado atacarejo, não tem problema e está próxima da normalidade.

Os problemas ocorrem, no entanto, nas indústrias e cooperativas ligadas apenas ao setor de alimentação fora do lar, importante na desova da produção do setor.

Natália se preocupa, porém, com o que vem pela frente. O leite longa vida, que subiu 24,7% de preço em março e que consome 30% do leite produzido, não tem mais espaço para novos aumentos, devido à renda dos consumidores.

Já o consumo de queijos —produto que usa boa parte da produção de leite— está em queda. A indústria voltada apenas para esse segmento poderá deixar de buscar o leite no campo.

Aí o problema passa a ser também do produtor, que vai perder renda e interromper a produção. Pode até enviar parte do rebanho para o abate.

Se isso ocorrer, a produção de leite deixa de ser um problema de curto prazo para se tornar de longo prazo.

A recomposição de um rebanho leiteiro demora pelo menos três anos, e a produção brasileira, que não cresce há pelos menos cinco, poderá se enfraquecer ainda mais.

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