ViaVarejo analisa aplicar dispositivos de MP que permite redução de salários, diz diretor-executivo

Roberto Fulcherberguer afirma que ecommerce da companhia evoluiu muito desde 2019

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São Paulo

Uma das maiores varejistas do país, a ViaVarejo, que no ano passado voltou às mãos da família Klein, está com mais de 1.000 lojas fechadas. Para o diretor-executivo da empresa, Roberto Fulcherberguer, nenhuma empresa do setor estava preparada para a crise causada pelo vírus.

O executivo, que assumiu o cargo a convite do acionista Michael Klein no ano passado, diz que a empresa analisa quando implementar dispositivos da MP 936, que prevê redução de salários e jornadas e suspensão de contratos de trabalho. Hoje, a empresa tem 45 mil funcionários.

Em entrevista à Folha, Fulcherberguer não quis comentar se a empresa está renegociando aluguéis enquanto mantém pontos de venda fechados, embora pessoas familiarizadas com o assunto afirmem que há propostas de postergação de pagamentos.

Roberto Fulcherberguer, presidente da Via Varejo, dona das Casas Bahia, do Ponto Frio e da operação do Extra.com - Karime Xavier - 4.dez.19/Folhapress

O executivo diz que o ecommerce da ViaVarejo, que era considerado historicamente o calcanhar de Aquiles da operação, hoje está fortalecido e não deve nada às concorrentes. Um quarto da receita da companhia vinha de vendas online no fim de 2019. Na Magazine Luíza, metade do faturamento vem do ecommerce.

Para Fulcherberguer, a ViaVarejo, dona da Casas Bahia e do Ponto Frio, ter organizado um esquema de home office em 10 dias mostra que a companhia é resiliente e versátil.

As lojas da ViaVarejo estão fechadas. Como a empresa tem mantido a operação, especialmente no comércio eletrônico, que já foi um dos principais gargalos da operação?
Todos hoje estão em home office, é uma grande alteração na nossa rotina. Em junho [de 2019], quando assumimos, isso seria impensável dados todos os desafios que a gente tinha.

Dado tudo o que foi feito no segundo semestre inteiro, a série de mudanças que fizemos [reorganização da empresa e do ecommerce], com resultado no último trimestre do ano, temos condições de operar da maneira como estamos operando.

O ecommerce da empresa evoluiu de maneira muito relevante. Na Black Friday vendemos R$ 1,1 bilhão com 100% de estabilidade e nossa logística fez todas as entregas em uma semana. É um ecommerce completamente diferente do dia em que assumimos, quando tínhamos várias instabilidades em nossos sistemas.

O que temos feito é otimizar ao máximo o online. Temos cuidado para manter a nossa logística, uma das maiores do país, ativas. Temos uma equipe médica fazendo checagens de temperatura, com questionário diário de saúde, separação em turnos. Tudo para manter a operação e dar vazão a isso.

Todos os nossos centros de distribuição estão funcionando, são mais de 15 em operação.

Todas as lojas estão fechadas?
Algumas cidades tomaram decisão de reabertura de lojas, mas das 1.055, temos 15 abertas.

Como vocês se prepararam para a crise? Com exceção de supermercados e farmácias, o varejo tem sofrido com queda de faturamento. Como está a ViaVarejo?
É impossível alguém ter se preparado para um momento como este. Todo o mercado privado e os governos vêm buscando alterações diárias e hora a hora.

Dizer para um varejista que ele estaria com 100% das lojas fechadas, ninguém nunca previu isso. O mundo nunca teve uma crise igual a que estamos tendo agora.

Estamos tomando providências. Óbvio que o faturamento não é o mesmo, o mercado não migrou totalmente para o online. Tivermos, sim, diminuição de faturamento, as lojas físicas ainda são um veículo importante de venda para todo o varejo.

Estamos tomando medidas para que o nosso online preste o melhor nível de serviço neste momento para a população.

Na crise, aparecem várias novas boas ideias. A gente lançou a campanha ‘Chama no zap’. A gente tem uma parte relevante dos nossos vendedores que estão em casa usando um mecanismo de venda a partir do home office.

Usamos nossa estrutura de inteligência artificial para acessar base de dados com mais de 85 milhões de clientes, entender a necessidade dele diante de seu comportamento de compra e disparar a cada vendedor um mini banco de dados com os clientes que já eram seus para que possa fazer ofertas exclusivas. Isso veio para não sair nunca mais no ar.

Nossa resiliência foi testada no limite no segundo trimestre de 2020. Hoje, tiramos proveito dessa capacidade de adaptação. Somos uma empresa que se adapta rapidamente a novos cenários, é do nosso DNA.

Quando lançaram essa iniciativa?
Foi uma reação à pandemia. Quando a gente se viu com todos os vendedores em casa, pensamos em como achar caminhos para que a nossa força de vendas continuasse vendendo. O desenvolvimento foi em tempo recorde, em três dias já estávamos com o sistema pronto. Começamos numa quarta com um grupo pequeno, na sexta com 1.500 vendedores e no sábado para a empresa inteira.

Já tem entrega feita nesse modelo?
Sim, já. Tem cliente que quer esse tipo de assistência, que tem relação mais próxima com o vendedor.

O ecommerce que vocês têm fortalecido nos últimos meses, mas tem participação menor na receita...
No último trimestre, o volume era crescente, muito forte de usuário ativos. Tudo o que fizemos no semestre passado foi estabilizar e fazer forte desenvolvimento no nosso negócio online. Não deixamos absolutamente nada a desejar para nossos concorrentes que estão nesse ritmo há anos.

O faturamento ainda é proporcionalmente pequeno, não?
Não é por uma fragilidade do sistema, mas porque sou forte [nas vendas] em lojas físicas. Estou em regiões do Brasil onde o online não é o negócio tão relevante quanto é no Sudeste. Minha venda online em números absolutos é relevante, mas tenho uma capilaridade física muito grande. Não devemos olhar esse dado pela participação do negócio.

Vocês não demitiram funcionários? Vão aplicar as MPs recentemente editadas pelo governo?
A gente não desligou ninguém. Entendemos que temos uma responsabilidade social neste momento. Estamos estudando as possibilidades da MP para avaliar o que faremos.

Concedemos férias para boa parte da empresa, para quem não precisava ficar em home office. Estamos olhando a melhor forma de aplicar a medida provisória no nosso negócio.

Aplicaram o parcelamentos de pagamentos de FGTS, por exemplo?
Da MP anterior [927] a gente fez alguma coisa. Os funcionários que saíam de férias já tinham postergação do pagamento do ⅓ de férias. Tudo o que já era permitido e fazia sentido a gente fez.

Essa medida atual [a MP 936] é mais completa e olhamos profundamente qual o melhor caminho para a empresa no neste momento visando também os nossos colaboradores, a manutenção dos empregos.

Já há proposta para redução de salários ou suspensão de contratos?
Ainda não. Esperamos a regulamentação e votação da medida.

Não se sabe quanto tempo vai durar a pandemia, mas qual é a previsão da empresa sobre quanto tempo aguenta sem demitir?
Não fizemos esse estudo. Dado que o cenário é bastante incerto, diria que as decisões estão ocorrendo literalmente hora a hora. A gente tem uma reunião a cada hora para ver o que ocorreu e durante o dia temos reuniões de tomada de decisões.

A gente está um pouco mais otimista neste momento porque começamos a colocar todas as variáveis na mesa para discussão. É uma crise de saúde, e preservar vidas é o mais importante neste momento.

Temos 'N' variáveis na mesa. Temos um componente de recessão. Não dá para achar que a gente sai da crise como se nada tivesse acontecido. O mundo mudou. Nesse tempo todo parado, infelizmente, não são todas as empresas que vão conseguir passar pela crise.

A Casas Bahia foi o primeiro varejo a conceder crediário no Brasil. A gente se relaciona com as classes menos favorecidas desde sempre. A gente sabe a dor dessas pessoas e muita gente no Brasil trabalha no mercado sem carteira assinada, não tem o fixo. Trabalha literalmente hoje para comprar o almoço de amanhã. Essas pessoas já estão hoje enfrentando problemas.

Eu fico mais otimista com o país porque muita gente da iniciativa privada nunca olhou para isso e agora vemos gente olhando e dizendo, 'poxa, como é que a gente faz para ajudar a sociedade neste momento?'

A gente já tinha desde sempre inúmeras iniciativas nas comunidades em que estávamos presentes e vemos que caiu a ficha de bastante gente da iniciativa privada de que precisamos olhar para todos os Brasis que existem no Brasil.

Vocês têm essa relação mais forte com as classes mais baixas. Desde a troca de comando, Michael Klein falou de retomar a concessão de crédito e crediário. Como está isso com os negócios fechados, como está a relação com esse público?
O que vemos neste momento é que o governo está tomando várias iniciativas para atender esse público, mas no final do dia o que eles querem hoje é voltar a poder defender o seu sustento diário.

Acho importante todas as iniciativas do setor privado e do governo para ajudar esse pessoal. De fato temos uma camada da sociedade que é desprotegida.

O presidente já disse várias vezes que quer partir para o isolamento vertical em vez do horizontal e vários nomes da iniciativa privada defendem isso. Alguns dizem que o remédio pode ser pior que a doença. Qual é a sua visão sobre isso?
Não me sinto habilitado para dizer qual é o melhor caminho, mas todas as variáveis precisam ser discutidas. Não pode ser uma única ou duas, há muitas que precisam ser ponderadas. Este é o momento de iniciativa privada e governo se darem as mãos e achar qual é a alternativa em conjunto.

Vejo ainda muita falta de sintonia. Estamos presentes em todas as esferas e não vemos sintonia entre as municipais, as estaduais e a federal. Este não pode ser um momento político, temos que ver a saúde do país, seja a saúde propriamente dita e qual é a saúde da economia.

O governo precisa tomar medidas protetivas. Estamos praticamente em um lockdown. Se a data 'X' é definida [para suspensão do solamento], o que precisa ser feito para que as pessoas e empresas cheguem até esse período e para que quando os negócios voltem existam empresas e pessoas?

Falta coordenação entre governadores e presidente?
Não entro nessa polêmica, mas acho que falta diálogo e todo o mundo olhar para o mesmo bem comum. Não é o momento de cada um olhar para si próprio, cada banco olhar para si ou cada governante olhar para si. O Brasil precisa se unir.

Uma série de empresários têm dito que a concessão de crédito está difícil. Vocês têm sentido isso como empresa? E na ponta do consumidor?
O meio online dificulta o crédito, que geralmente se dá na loja física [para consumidores]. Temos uma grande base de cartões das nossas bandeiras, mas temos dificuldade maior neste momento pela barreira física.

Do lado das empresas, sem dúvida nenhuma num momento igual a este o apetite a risco dos bancos tem um limite e o que estamos vendo é um movimento do governo extremamente acertado. Não basta somente injetar liquidez no mercado, mas precisa ver como resolve a tomada de risco dos bancos. Uma das alternativas seria o BC comprar um pouco da carteira de risco dos bancos e isso vira liquidez no mercado de maneira rápida.

O governo tem tomado medidas para pequenas e médias empresas e acho que veremos medidas para grandes empresas, para que todos passem esse período da melhor maneira possível.

O setor varejista, à exceção de setores como supermercados e farmácias, tem sofrido. Qual a perspectiva de retomada em meio a uma recessão para o segmento?
Cada varejista vai ter o seu momento. Quem já tinha problema antes da crise, tem uma situação muito delicada neste momento. Quem estava saudável, tem muito mais uma questão de negociações e postergações para preparar as empresas.

2020 é um ano perdido?
Sou otimista. Vai ter, sim, redução do tamanho do mercado. Isso já é certo. Mas pensando lá na frente, o mercado vai ser de quem está mais preparado na retomada. A gente sempre vai tentar achar caminho de ganhar mais mercado na retomada.

Nos últimos dias, temos visto uma queda das ações da ViaVarejo e do segmento. Houve a redução da participação da XP recentemente. Como o sr. viu isso? A companhia é atrativa para investidores?
Se pegarmos a proporção do que caem nossas ações perto das demais varejistas, está um pouco maior a nossa [queda], mas o setor como um todo está impactado.

A XP fez um rebalanceamento do negócio deles, mas continuam na empresa e acreditam nos fundamentos da empresa. Eu acredito muito nos fundamentos da ViaVarejo. No ano passado, poucas coisas davam certo no dia a dia e tivemos capacidade de adaptação que é um dos maiores aliados para passar a crise e sair melhor do que entramos.

Não imaginávamos que a companhia pudesse ser conduzida toda em home office. A necessidade fez com que a gente conseguisse adaptar a empresa em 10 dias. A nossa operação hoje está muito mais eficiente hoje. Na retomada, nós não operaremos da mesma forma, vamos mudar completamente.

No sentido de usar mais home office?
Na raça já tivemos que fazer, mas isso virou uma realidade. Vamos manter boa parte disso [depois da pandemia].

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