Propaganda em massa pela internet leva boas marcas ao pior da rede, diz fundador de Sleeping Giants

Para publicitário Matt Rivitz, empresas precisam decidir se querem financiar ódio e desinformação anunciando em sites controversos

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Washington

O publicitário Matt Rivitz conta que em determinado momento da carreira quis entender se empresas que anunciavam em sites de extrema-direita ou propagadores de notícias falsas também apoiavam esse tipo de ação ou mensagem.

Em suas consultas informais, constatou que na maioria das vezes a resposta era negativa. As marcas não sabiam que estavam sendo atreladas a conteúdos racistas, homofóbicos ou de mentiras na internet.

Em 2016, decidiu criar o Sleeping Giants, perfil no Twitter para alertar empresas que seus produtos aparecem em sites controversos. A iniciativa se espalhou por onze países e chegou de vez nesta semana ao Brasil.

Em entrevista à Folha, Rivitz diz que gigantes de tecnologia, como Google e Facebook, monetizaram a internet e convenceram as marcas a anunciar em escala, passando inclusive pelo que há de pior na rede.

Matt Rivitz, 47, é publicitário e criador do Sleeping Giants
Matt Rivitz, 47, é publicitário e criador do Sleeping Giants - Divulgação

"Infelizmente, vimos que a publicidade em tudo leva essas marcas a aparecerem ao lado de conteúdos que se chocam com seus valores", diz o publicitário, acrescentando que seu objetivo é "tirar o incentivo financeiro do racismo e da mentira online."

Aos 47 anos, Rivitz conta que seu primeiro alvo foi o site da extrema-direita americana Breitbart News, que teve um prejuízo de oito milhões de euros em publicidade após a campanha do Sleeping Giants.

O ex-diretor do site é Steve Bannon, ex-estrategista do presidente Donald Trump e visto como inspiração pela ala ideológica do governo Jair Bolsonaro.

Questionado sobre a atuação em países como EUA e Brasil, onde os presidentes são conhecidos por espalhar notícias falsas, Rivitz diz que não escolhe lado político.

"Nunca foi sobre direita e esquerda. É sobre certo ou errado. O ódio é ódio."

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Por que um publicitário decidiu se envolver na luta contra notícias falsas e a extrema-direita? Sou redator de publicidade há 27 anos e sabia o quão cuidadosos os anunciantes são em relação às suas mensagens.

Quando visitei o Breitbart News pela primeira vez, em 2016, foi estranho ver que grandes marcas internacionais estavam anunciando ao lado de artigos como "Levante-a alto e com orgulho: a bandeira confederada proclama uma herança gloriosa" e "Você prefere que seu filho tenha feminismo ou câncer?".

Eu só queria descobrir se essas marcas apoiavam essas mensagens e, é claro, na maioria das vezes elas não apoiavam. Nunca foi sobre direita e esquerda. É sobre certo ou errado. O ódio é ódio.

Por que escolheu divulgar os nomes das empresas que anunciam como modelo de ação? Era simplesmente uma questão de entrar em contato com as empresas. Eu tinha pouca experiência no Twitter, acho que fiz 12 tweets na minha vida e, na maioria das vezes, era reclamando de mau atendimento ao cliente ou do Baltimore Ravens, meu time de futebol americano favorito.

Mas eu tinha ouvido falar que as empresas são muito atuantes em responder questionamentos no Twitter, por isso fazia mais sentido mostrar a elas uma captura de tela do anúncio ao lado do conteúdo, via Twitter, em vez de ligar ou enviar e-mail, quando definitivamente eu seria ignorado.

Não preocupou o fato de que expor empresas poderia prejudicar possíveis financiamentos ao projeto? Não temos financiamento. Twittar e publicar é gratuito. Não há nada para que precisemos de financiamento e o financiamento atrapalharia a tomada de nossas decisões. Essa campanha abordou muitos problemas e a última coisa que queremos é que nossa mensagem seja influenciada por quem quer que a esteja financiando.

Breitbart, Fox News, Facebook e Twitter são de bilionários. Não queremos que isso se torne uma batalha entre pessoas com muito dinheiro. Não é saudável para a sociedade. Fomos acusados ​​de ser financiado pelo [investidor húngaro-americano] George Soros, e é sempre bom poder dizer que não recebemos dinheiro de ninguém. Dito isso, vendemos camisetas e bonés para pagar por ações que temos feito nos últimos anos.

Por que abriu uma versão no Brasil? Quem é o responsável pelo perfil brasileiro? Essas decisões não são nossas. Geralmente, se houver um problema em um país em particular e alguém estiver interessado em ter um capítulo sobre Sleeping Giants, enviaremos uma mensagem para ele e, se parecer certo, definiremos a marca, daremos alguns conselhos e pronto. Todos trabalhamos de forma completamente independente. De fato, nem sabemos o nome um do outro [nos EUA]. Então, não tenho ideia de quem são as pessoas que estão administrando o SG Brasil. Só sei que eles entendem a missão.

Em quantos países o Sleeping Giants está trabalhando agora? Em 11, alguns mais ativos que outros. Eu diria que os maiores, além dos EUA, seriam França, Austrália, Canadá e, agora, Brasil. Leva uma quantidade enorme de tempo e risco, portanto, às vezes, pessoas decidem que não podem se dedicar tanto e, eventualmente, precisam parar de trabalhar nisso. Como não há remuneração, é preciso um compromisso real com a causa.

Após campanha do Sleeping Giants, o governo brasileiro atuou para reverter uma decisão do Banco do Brasil de retirar seus anúncios de um site apontado como fonte de notícias falsas. É mais difícil atuar em países como o Brasil e os EUA, onde governantes são considerados propagadores de notícias falsas? É sobre o livre mercado, não sobre liberdade de expressão. Nos EUA, todos têm o direito de se expressar ou de escrever o que quiserem, mas isso não lhes dá direito ao dinheiro dos anunciantes, especialmente daqueles que nem sabem que estão patrocinando o conteúdo por meio de uma publicidade complexa. Definitivamente, seria preocupante aqui [nos EUA] se o governo forçar um anunciante a patrocinar um canal específico. Isso contraria a liberdade de expressão e o livre mercado ao mesmo tempo.

Um dos objetivos da publicidade é ser visto pelo maior número de pessoas possível, mas sua campanha quer mostrar que só audiência não é mais suficiente. O que mudou? A internet mudou tudo. Antes, anunciantes sabiam onde e quando seus anúncios seriam exibidos. Mas empresas como Google e Facebook decidiram que poderiam monetizar toda a internet. Eles convenceram os anunciantes de que o melhor caminho a seguir era anunciar em tudo, até o pior da internet, em escala. Infelizmente, vimos que a publicidade em tudo leva essas marcas a aparecerem com conteúdos que se chocam com seus valores.

Os consumidores, em parte por causa do Sleeping Giants, estão mais conscientes do que nunca sobre o que as empresas que eles usam estão apoiando e não querem ver as marcas que amam apoiarem conteúdo que difama grupos minoritários ou desinformam.

Há algo errado com o processo de escolha de sites para colocar anúncios, deixando as empresas no escuro sobre onde suas marcas estão sendo expostas? Está tudo errado com isso. Mesmo as empresas que colocam anúncios não sabem onde seus clientes vão acabar. É contra o modelo de negócios das gigantes de tecnologia, como Google e Facebook, ser responsável por remover sites problemáticos. É uma bagunça, é uma fraude.

Qual é a reação da maioria das empresas quando você mostra que elas estão em sites problemáticos? Pelo menos no Breitbart, tivemos a grande maioria dos anunciantes não apenas se retirando, mas também nos agradecendo por notificá-los.

A direita ultraconservadora americana diz que perdeu muito dinheiro em publicidade após sua iniciativa. Qual pode ser o efeito a longo prazo desse esforço? Isso é e sempre foi sobre tornar o ódio e a desinformação não lucrativos, e não sobre escolher lado político. Se pelo menos pudermos tirar o incentivo financeiro do racismo e da mentira online, eu me sentiria bem com o que realizamos.

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