O STF (Supremo Tribunal Federal) invalidou, nesta quinta-feira (7), medida provisória do governo federal que obrigava as empresas de telefonia a compartilharem os dados de todos os clientes de telefonia fixa e móvel com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Celso de Mello, Edson Fachin, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Dias Toffoli acompanharam a relatora, ministra Rosa Weber, para sustar a eficácia do trecho da MP 954, editada em 17 de abril. Apenas o ministro Marco Aurélio divergiu e defendeu a manutenção da medida.
Os ministros concordaram em manter a liminar que Rosa Weber já havia concedido nesse sentido.
Ela sustentou que a decisão é necessária para prevenir "danos irreparáveis à intimidade e ao sigilo da vida privada de mais de uma centena de milhão de usuários dos serviços de telefonia fixa e móvel".
Pela primeira vez, o instituto realizaria a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, que mede o nível de desocupação no país, por telefone, por causa do contexto da pandemia do novo coronavírus.
Os dados pessoais —nome, endereço e telefone— também seriam usados para a realização da PNAD-Covid, que irá investigar casos da doença no país.
Logo após a edição da medida, o IBGE solicitou às empresas a "transmissão imediata" dos dados, como mostrou a Folha no último dia 23. O ofício foi enviado a operadoras antes do prazo de sete dias estipulado pelo governo federal.
Os ministros, porém, concordaram que a MP era abrangente demais.
Fux, por exemplo, afirmou que o texto é de uma "vagueza ímpar" e que pode "servir para absolutamente tudo", pois não traz parâmetros sobre o uso dos dados.
Barroso foi na mesma linha e disse que a MP representa "enorme risco" por não dar garantias de segurança em relação ao manejo das informações que seriam compartilhadas.
"Entendo a urgência trazida pela pandemia a justificar talvez a MP, mas a verdade é que uma providência com essas extensão e essas implicações deveria ser pressentida de um debate público relevante acerca da sua importância, da sua necessidade, dos seus riscos e quais mecanismos de segurança que estão previstos para evitar malversação de dados", disse.
Moraes, por sua vez, sustentou que a MP oferece risco à proteção de dados da população.
"Nos termos tratados pela medida provisória não estão presentes na disciplina dessa hipótese as necessárias adequação, razoabilidade e proporcionalidade para excepcionalmente relativizar-se a proteção constitucional ao sigilo de dados."
O ministro Ricardo Lewandowski também deu um voto duro contra a medida do governo.
“O maior perigo para a democracia nos dias atuais não é mais representado por golpes de Estado tradicionais, perpetrados com fuzis, tanques ou canhões, mas agora pelo progressivo controle da vida privada dos cidadãos, levado a efeito por governos de distintos matizes ideológicos , mediante a coleta maciça e indiscriminada de informações pessoais, incluindo, de maneira crescente, o reconhecimento facial”, disse.
Marco Aurélio foi o único a divergir. O magistrado sustentou que o STF formou maioria para derrubar a MP “com votos muito duros” e sem considerar que o Congresso ainda irá votar a matéria.
“Pela Constituição, toda e qualquer medida provisória, embora tenha força imediata de lei, há de ser submetida de imediato ao Congresso, com prazo para analisá-la, podendo proceder, o que não ocorre com o STF, sob o ângulo da conveniência e da oportunidade”, disse.
Ele afirmou que o STF “deixará de ser Supremo”, uma vez que o Legislativo irá decidir se a MP deve virar lei e a corte não dará a última palavra nesse caso. Ele também não viu exagero na medida.
“Em vez de arregimentar pessoas para trabalharem na rua, procederá as ligações, e poderá muito bem o destinatário da ligação simplesmente bater o telefone e não responder coisa alguma”.
Os ministros analisam cinco ações que questionaram o dispositivos da MP, apresentadas pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e pelos partidos PSB, PSDB, PSOL e PCdoB.
O ex-presidente da OAB Marcus Vinícius Furtado fez a sustentação oral em nome da entidade e também criticou a falta de parâmetros mínimos para o compartilhamento dos dados.
"Consideradas a existência de diversas alternativas menos lesivas para a realização das pesquisas, a ausência de clareza nas finalidades almejadas e a insuficiência dos mecanismos de segurança de dados é clara a desproporcionalidade da medida", disse.
"A circunstância de a medida provisória ter sido editada de maneira irrefletida e intempestiva, sem maiores preocupações com seus efeitos ou com a efetiva proteção de dados, tem também causado divisões até mesmo dentro do próprio IBGE. A proposta foi encabeçada pela atuação isolada dos dirigentes da fundação pública, sem consulta anterior aos pesquisadores e sem qualquer planejamento técnico", afirmou.
Em nota, o IBGE afirma que "recebe respeitosamente a decisão do STF" e "reitera seu compromisso e sua missão, sempre perante a lei, de ampliar esforços para produzir as informações estatísticas necessárias ao conhecimento da realidade brasileira".
Especialistas consideram a decisão um marco para o debate sobre privacidade e proteção de dados no país. “Pela primeira vez, o STF decidiu que os dados pessoais merecem proteção constitucional. Na jurisprudência que foi superada, somente as informações íntimas ou a comunicação tinham essa proteção”, diz Laura Schertel, professora da UnB.
O IBGE está realizando pesquisas por telefone mesmo sem o repasse de dados das operadoras. Depois da decisão de Rosa Weber no dia 25, ligações continuaram sendo feitas para a elaboração da PNAD Covid. O instituto irá manter a pesquisa dessa forma, mas sem as bases das empresas.
Colaborou Paula Soprana
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