Atropelado por Trump, Brasil desiste de candidatura ao BID e diz que vê nome dos EUA 'positivamente'

Nota do Itamaraty foi considerada vaga sobre apoio imediato, mas ordem interna é não disputar com Trump

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Washington

Atropelado pelos EUA na disputa pela presidência do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), o Brasil desistiu de ter um candidato próprio e deve indicar apoio a Mauricio Claver-Carone, nome do governo Donald Trump para o posto.

O movimento era esperado depois desta terça-feira (16), quando os EUA anunciaram Claver-Carone como candidato, frustrando os planos brasileiros e quebrando uma tradição de 60 anos em que o comando do banco fica nas mãos de um latino-americano.

Pego de surpresa com a costura dos EUA, o ministro Paulo Guedes (Economia) queria conversar com Claver-Carone antes de o Brasil se pronunciar sobre a candidatura americana, e tentava articular um telefonema com o auxiliar de Trump para esta quarta-feira (17).

Enquanto isso, o Itamaraty preparava uma nota com linguagem considerada um pouco vaga para pessoas que participam das tratativas. No texto, divulgado na tarde desta quarta, o governo brasileiro diz que "recebeu positivamente o anúncio firme" da candidatura americana ao comando do BID, mas não fala sobre apoio imediato, como fizeram Colômbia e Guatemala horas antes.

"O Brasil e os Estados Unidos compartilham valores fundamentais, como a defesa da democracia, a liberdade econômica e o Estado de Direito. O Brasil defende uma nova gestão do BID condizente com esses valores e com o objetivo maior de promoção do desenvolvimento e da prosperidade na região", diz o texto.

Apesar de o apoio explícito não ter ficado claro, a ordem no governo brasileiro é não disputar com os EUA e tentar inclusive compor em termos de cargos com Claver-Carone, caso ele seja eleito em setembro.

Trump, por sua vez, já deu diversas demonstrações —inclusive a investida no BID— de que seus interesses se sobrepõem a qualquer acordo com países aliados.

O governo de Jair Bolsonaro acreditava que a boa relação com Trump faria com que o americano apoiasse Rodrigo Xavier, ex-presidente do UBS e do Bank of America no Brasil como candidato à presidência do BID.

Xavier foi lançado publicamente por Guedes ao cargo que hoje é do colombiano Luis Alberto Moreno, mas era considerado pouco experiente e nada competitivo.

Entre os interesses de Trump, portanto, não estava o ônus político de apoiar um nome pouco viável. Além disso, com a chefia do BID, os EUA querem ter influência sobre uma região que sua principal rival econômica, a China, tem avançado recentemente.

Há algumas semanas, Guedes havia avisado o secretário do Tesouro americano, Steven Mnuchin, que o Brasil lançaria Xavier para o comando do banco. Na segunda-feira (15), porém, o ministro voltou a falar com Mnuchin e foi comunicado sobre a candidatura americana.

Guedes então conversou com Xavier e avisou que não continuariam em campanha, que ainda se dava de maneira informal. Ficou acertado, no entanto, que o Brasil não anunciaria publicamente a desistência da candidatura —o discurso é que o nome de Xavier nunca fora oficializado e, portanto, não precisaria ser retirado de campo.

Mauricio Claver-Carone é diretor do Conselho de Segurança Nacional para Assuntos do Hemisfério Ocidental, e um dos elaboradores das políticas mais linha dura contra o governo de Nicolás Maduro, na Venezuela.

A eleição do BID será feita pela assembleia de governadores da instituição. Os EUA têm 30% dos votos, enquanto o Brasil tem 11%, o segundo maior participante, ao lado da Argentina, também com 11%. Para vencer, é preciso alcançar a maioria dos votos e ter 15 dos 26 apoios regionais.

O mandato do presidente do BID é de cinco anos e, portanto, a linha dura de Claver-Carone permaneceria à frente da instituição mesmo que Trump não seja reeleito em novembro.

Caso seguisse a habitual rotação com presidentes de países que ainda não presidiram o BID, candidatos do Brasil ou da Argentina seriam os com mais chance de receber apoio significativo na disputa deste ano.

Com o esquerdista Alberto Fernández presidindo a Argentina, o Brasil avaliou que poderia ter mais um ativo na busca pelo apoio de Trump, mas o presidente americano, mais uma vez, indicou que seus interesses estão acima de qualquer tipo de aliança.

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