Descrição de chapéu desmatamento

Risco de investir no Brasil é crescente na gestão Bolsonaro, diz fundo norueguês

Para Jan Erik Saugestad, que liderou alerta feito por fundos de investimento, atual governo tomou rumo errado em política ambiental e reverteu ganhos do passado

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Bruxelas

“Todos queremos continuar investindo no Brasil. Mas, se não virmos uma clara mudança de curso, o risco de continuar está ficando maior e maior, e vamos chegar ao ponto em que teremos que sair”, afirma Jan Erik Saugestad, principal executivo da administradora de fundos de pensão norueguesa Storebrand Asset Management.

O fundo liderou o movimento de cerca de 30 companhias que, nesta semana, enviaram a oito embaixadas brasileiras uma carta pedindo audiência para discutir a falta de proteção ambiental sob o atual governo brasileiro.

Mais de 230 fundos de investimento já haviam feito ação semelhante em setembro do ano passado, durante as queimadas da Amazônia. “Aquela foi uma ação voltada para companhias. Vimos reação, não apenas em discurso, mas na pressão que elas fizeram sobre o governo”, disse Saugestad.

“No entanto, não houve mudança na direção das políticas públicas. Por isso, agora queremos falar não mais indiretamente, mas diretamente com o governo”, afirmou o executivo.

Jan Erik Saugestad. Storebrand ASA. (Foto: Storebrand ASA)
Jan Erik Saugestad, 55, tem mestrado pela Universidade de Ciência e Tecnologia da Noruega e pelo Insead (Instituto Europeu de Administração). Na Sorebrand, foi também o principal executivo financeiro e administrador sênior de portfolio - Reprodução/Storebrand ASA

Segundo ele, não haverá mudanças de uma hora para a outra, mas é preciso barrar já a adoção de leis que tornarão ainda mais frágil a proteção ao ambiente ---os fundos citam especificamente os projetos de novas regras para posse de terra (PL nº 2.633/20) e o que trata de pesquisa e extração de recursos em terras indígenas (PL nº 191/2020).

O Brasil recebe uma parcela pequena dos US$ 87 bilhões (R$ 396 bilhões) administrados pelo Storebrand no mundo. São cerca de US$ 117 milhões (R$ 640 milhões), em 53 empresas. “Mas importa menos o investidor individual e mais a ação conjunta de várias companhias [que administram no total US$ 4,1 trilhões]. É o setor amplo dos fundos atuando na mesma direção. Esperamos que o governo reconheça e dê uma resposta”, afirma o executivo.

Em setembro o Storebrand esteve entre outros mais de 230 fundos que assinaram um manifesto pedindo ação urgente contra incêndios na Amazônia e desmatamento. Deu resultado?

Aquela foi uma ação voltada para companhias. Vimos reação, não apenas em discurso, mas na pressão que elas fizeram sobre o governo brasileiro mostrando o risco de perderem investimento.

No entanto, não houve mudança na direção das políticas públicas. Por isso, agora queremos falar não mais indiretamente, mas diretamente com o governo.

Tentaram um diálogo com a Presidência ou o Ministério do Meio Ambiente?

Normalmente falamos com as empresas e, desta vez, consideramos mais fácil abrir o diálogo com as embaixadas. Mas, dada a forte repercussão da carta, o efeito foi praticamente o mesmo de enviá-la diretamente ao governo.

Receberam resposta?

Nenhuma resposta formal, ainda está cedo para isso. Mas sabemos que a mensagem alcançou seus alvos.

Na semana passada, o Storebrand e outros seis investidores ameaçaram retirar investimentos do Brasil. A carta, porém, não levanta essa hipótese. Houve dissenso entre os signatários sobre até onde levar a pressão?

A carta faz referência a desinvestimento, quando diz que as empresas ligadas a desmatamento podem encontrar dificuldade crescente para acessar os mercados.

Mas há uma distância entre ‘dificuldade crescente de acesso aos mercados’ e retirar investimentos do país.

Todos queremos continuar investindo, queremos contribuir com o desenvolvimento econômico do Brasil como investidores. Mas, se não virmos uma clara mudança de curso, o risco de continuar está ficando maior e maior, e vamos chegar ao ponto em que teremos que sair. Dissemos isso também nas entrevistas.

A carta fala em riscos sistêmicos do desmatamento no longo prazo, mas fundos de investimento, principalmente fundos de pensão maduros, têm uma pressão grande por entregar rentabilidade, e o Brasil ainda é um país onde é possível lucrar. O quão perto estão os riscos de superar os ganhos?

Teria que ver de companhia para companhia, mas é fundamental ter um arcabouço regulatório que seja não só previsível e estável, mas que aponte para a direção certa, que não leve a um risco crescente.

Pode até haver ganhos na superexploração econômica sem cuidado com o ambiente, mas eles são de curto prazo, e os fundos, principalmente de pensão, precisam de retornos de longo prazo. Para isso, precisam não apenas investir em empresas sustentáveis, mas ver políticas que garantam sustentabilidade no longo prazo.

Se o desmatamento continua crescendo e as firmas brasileiras continuam recebendo recursos internacionais, é correto concluir que as pressões não têm efeito prático? O quanto essas iniciativas são movidas pela necessidade de dar satisfação aos stakeholders dos fundos?

É uma jornada. Você constrói consciência nas empresas, nos governos, nos investidores e nos consumidores. Vou dar outro exemplo ligado ao clima, o carvão. Hoje a maioria dos investidores saíram de empresas de carvão, e muitas geradoras mudaram suas fontes de energia. Os consumidores, que são eleitores, pressionam os governos para sair do carvão.

Não é algo que mude do dia para a noite. É preciso ser persistente e coerente e apontar para a evolução. No caso do Brasil, muita coisa foi atingida. Mas a direção mudou nos anos recentes. Essa mudança de curso é que queremos evitar. Não haverá uma revolução, mas queremos evitar a adoção de novas leis que enfraqueçam a proteção ambiental.

Os fundos se referem especificamente à administração Bolsonaro.

Sim.

Por que o sr. resolveu liderar essa iniciativa agora?

Trabalhamos com sustentabilidade há 25 anos, mas nos últimos dois anos o movimento brasileiro tomou a direção errada. Vamos continuar pressionando para que o curso do desmatamento mude.

Há quem defenda que pressões econômicas não vão barrar o desflorestamento porque não há projeto de desenvolvimento econômico e social sustentável que apresente alternativas.

Sim, é preciso haver crescimento sustentável, de um jeito que não seja devastando as florestas. Tem que ser um crescimento inclusivo. E o Brasil avançou muito no passado, com o apoio inclusive de governos como o da Noruega. Agora está se movendo na direção errada.

Se o sr. se encontrasse com o presidente Bolsonaro hoje, o que diria a ele?

Três coisas. Uma é que acreditamos que investimentos sustentáveis garantem retornos por muito tempo e são a coisa certa a fazer, para um país, para as empresas e para os investidores.

A segunda coisa é que estamos ficando sem tempo. Precisamos não apenas parar as emissões de gás-carbônico, mas capturá-lo para evitar o aquecimento global, e também evitar um colapso da biodiversidade.

E o terceiro ponto é que apenas quando investidores, companhias e governos trabalham juntos podemos mudar algo.


RAIO-X

Jan Erik Saugestad, 55, tem mestrado pela Universidade de Ciência e Tecnologia da Noruega e pelo Insead (Instituto Europeu de Administração). Na Sorebrand, foi também o principal executivo financeiro e administrador sênior de portfolio

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