Descrição de chapéu Financial Times

Máfia italiana vende R$ 6 bilhões em títulos a investidores internacionais

Instrumentos foram emitidos por companhias de fachada que trabalhavam para a Ndrangheta, um grupo do crime organizado

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Miles Johnson
Roma | Financial Times

Investidores internacionais adquiriram títulos lastreados pelos proventos da mais poderosa máfia italiana, de acordo com documentos financeiros e judiciais vistos pelo jornal britânico Financial Times.

Em um caso, os títulos –lastreados em parte por empresas que trabalhavam para o grupo Ndrangheta do crime organizado, na Calábria– foram adquiridos por um dos maiores bancos de capital fechado da Europa, o Banca Generali, em uma transação na qual o grupo de auditoria EY operou como consultor.

Um total estimado em € 1 bilhão (R$ 6 bilhões) em títulos privados foi vendido a investidores internacionais entre 2015 e 2019, de acordo com participantes do mercado. Alguns dos títulos estavam vinculados a ativos criados por companhias de fachada que trabalhavam para a Ndrangheta, foi revelado posteriormente.

A Ndrangheta é menos conhecida fora da Itália do que a máfia siciliana, mas ascendeu nas duas últimas décadas à posição de uma das organizações criminosas mais prósperas e temidas do mundo ocidental, envolvida em crimes que variam do tráfico de cocaína em escala industrial à lavagem de dinheiro, extorsão e contrabando de drogas.

Pacotes de cocaína encontrados na região da Calabria, na Itália
Pacotes de cocaína encontrados na região da Calabria, na Itália - Alessandro Bianchi/Reuters

A Europol, a agência policial central da União Europeia, estimou que as atividades da Ndrangheta, que não é uma organização centralizada mas sim um aglomerado de centenas de clãs independentes, geravam faturamento combinado de € 44 bilhões (R$ 264 bilhões) por ano.

Outros investidores nos títulos incluem fundos de pensão, fundos de hedge e escritórios de gestão de patrimônio familiar, todos em busca de maneiras exóticas de obter retornos elevados em um período no qual as taxas de juros estavam batendo recordes de baixa, de acordo com pessoas envolvidas nas transações.

Os títulos foram criados com base em faturas não recebidas de companhias que forneciam serviços médicos às autoridades de saúde pública da Itália.

Nos termos da lei da União Europeia, uma taxa de juros especial incide sobre faturas sacadas contra entidades conectadas ao Estado. Isso as torna atraentes para veículos de investimento especiais, que as integram a um conjunto maior de ativos e emitem títulos lastreados pelo fluxo de caixa previsto quando do pagamento das faturas.

A maioria dos ativos que foram convertidos em títulos nessas transações eram legítimos, mas alguns se relacionavam a empresas que mais tarde foram expostas como controladas por clãs da Ndrangheta, que haviam conseguido escapar aos controles contra lavagem de dinheiro a fim de tirar vantagem da demanda dos investidores internacionais por instrumentos de investimento exóticos.

Um dos títulos adquiridos por investidores internacionais continha ativos vendidos por um campo de refugiados na Calábria cujo controle foi tomado pelo crime organizado. Os criminosos foram condenados posteriormente pelo roubo de dezenas de milhões de euros em fundos da União Europeia.

Todos esses títulos foram negociados em transações privadas, e não foram avaliados por agências de classificação de crédito ou negociados nos mercados financeiros. O CFE, um pequeno banco de investimento de Genebra, criou o veículo de investimento que vendeu títulos a investidores como o Banca Generali.

Quando contatado pelo Financial Times, o Banca Generali afirmou não estar ciente de quaisquer problemas com os ativos que lastreavam os títulos que adquiriu para seus clientes, e que havia confiado em outros intermediários para conduzir as verificações referentes à legislação contra lavagem de dinheiro dos ativos subjacentes.

“O Banca Generali e o Banca Generali Fund Management Luxembourg foram informados há pouco sobre as más notícias mencionadas”, a companhia afirmou. O banco “confiou na ideia de que a transação era elegível quando [os ativos] foram incluídos na carteira securitizada”, a instituição acrescentou, em mensagem por email.

O CFE afirmou que jamais havia adquirido deliberadamente ativos ligados a atividades criminais. O banco de investimento acrescentou que havia conduzido pesquisas sobre todos os ativos da área de saúde com os quais lidou como intermediário financeiro, e que também havia confiado em verificações conduzidas por outros profissionais regulamentados que lidaram com as faturas depois de sua criação na Calábria.

Ambas as companhias disseram que quaisquer questões legais que tenham emergido depois que as faturas foram adquiridas foram imediatamente encaminhadas às autoridades italianas. O CFE afirmou que o montante total de faturas posteriormente reveladas como conectadas ao crime organizado respondia por uma proporção muito pequena do total de ativos com que a instituição lidou em conexão com os sistemas de saúde italianos.

Financial Times, tradução de Paulo Migliacci

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