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Pandemia faz empresas procurarem alternativas mais baratas em cidades como Nova York e Londres

Pandemia faz companhias considerarem escritórios-satélites nos subúrbios

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Joshua Chaffin
Stamford | Financial Times

Ted Ferrarone olhou para o terreno plano de 5,5 hectares projetando-se como uma pista de pouso pelas águas do estreito de Long Island perto de Stamford, em Connecticut, e viu possibilidades.

Ele poderia abrigar uma sede de empresa reluzente, ou um núcleo de laboratórios biológicos, ou uma arena de esportes eletrônicos, avaliou Ferrarone, copresidente da Building and Land Technology (BLT), empreiteira dona do terreno.

"É uma folha em branco", disse ele, esperançoso.

A Península, como o local é conhecido, faz parte de Harbor Point, um empreendimento de 40 hectares em Stamford que recebeu bilhões de dólares em investimentos em mais de dez anos.

A capacidade da BLT de alugar a Península por uma boa quantia pode determinar o sucesso dessa iniciativa em longo prazo para reconstruir uma área da cidade há muito abandonada.

Seu destino também revelará muito sobre a ascensão de cidades suburbanas e secundárias como Stamford na era do coronavírus.

Os últimos 20 anos foram a era de ouro de grandes cidades como Nova York e Londres. À medida que jovens trabalhadores talentosos migraram para esses centros, as empresas os seguiram, por sua vez atraindo mais talentos. O resultado dessa dança foram metrópoles vibrantes, produtivas —e caras— que têm sido os centros de gravidade da economia global.

Em Nova York, basta olhar para a expansão fervilhante nos últimos anos de grandes empresas de tecnologia —Google, Facebook e Amazon— que rapidamente recriou a zona oeste de Manhattan.

Mas o coronavírus pôs em questão essa dinâmica quase da noite para o dia, ao tornar alguns dos grandes atributos dessas cidades —sua densidade e as ricas ofertas culturais— desagradáveis ou inacessíveis. Isso está provocando um êxodo para os subúrbios que haviam murchado em suas sombras.

"É diferente de tudo o que já vi, e faço isso há 20 anos", disse Carolyn Fugere, corretora da Sotheby's em Stamford. Em julho, o número de residências unifamiliares contratadas no Condado de Fairfield aumentou 63% em comparação com o ano anterior. O valor desses contratos subiu 104%. Os relatos de aumento da criminalidade em uma cidade desgastada como Nova York, acrescentou Fugere, estão levando famílias jovens a "acelerar as decisões de vida".

No sul da Flórida, o empreiteiro Alex Yokana acredita que a recente mania pela vida urbana acabou, comparando torres de apartamentos luxuosos a prisões chiques em uma pandemia. "Eles estão basicamente trancados em seus apartamentos. Não podem mais sair", avaliou ele sobre os residentes. Yokana agora espera vender casas em lotes de 8.000 metros quadrados que ofereçam uma sensação de segurança e isolamento. "Você pode até construir seu próprio escritório", disse ele sobre seu novo projeto, AKAI imóveis.

Do outro lado do livro-caixa, a RealPage, empresa de análise imobiliária, registrou uma perda líquida de 6.786 residências na área metropolitana de Nova York no segundo trimestre. Ganhou 3.730 no mesmo período do ano anterior. (Los Angeles perdeu 6.347.) A fuga foi tão drástica que o governador Andrew Cuomo recentemente implorou aos nova-iorquinos que voltem para casa.

"Já recebemos dados de que isso está acontecendo", disse Jacques Gordon, estrategista global da LaSalle Investment Management, observando que a empresa imobiliária verifica mudanças semelhantes perto de Londres e Paris. "A grande pergunta é se é permanente ou temporário", indagou-se Gordon.

Se cada vez mais trabalhadores migrarem para os subúrbios, será que as empresas os seguirão? Uma das revelações da pandemia do coronavírus foi que a tecnologia de comunicação permitiu que tantas pessoas trabalhassem em casa sem grandes problemas.

No setor imobiliário, as opiniões estão divididas. Alguns corretores e desenvolvedores acreditam que muitas empresas manterão uma sede elegante em Manhattan, enquanto darão maior flexibilidade aos funcionários para que trabalhem remotamente. Outros dizem que as empresas estão considerando investir em escritórios-satélites nos subúrbios, onde há concentração de mão de obra. Isso lhes daria flexibilidade para usar essas instalações para grandes apresentações. O banco de investimentos Evercore está comprando um imóvel desse tipo em Stamford para acomodar de dez a vinte funcionários locais.

As empresas que podem pagar acabarão oferecendo aos empregados uma carteira de opções, prevê Gordon: trabalho remoto, escritórios-satélites e uma sede numa grande cidade. "Não se trata mais apenas de conversa —medidas estão sendo tomadas", diz ele.

Alguns, como Melissa Kaplan-Macey, especialista em planejamento urbano na Regional Plan Association, grupo sem fins lucrativos que tenta promover um melhor desenvolvimento na área dos estados de Nova York, Nova Jersey e Connecticut, questiona o quão significativa será essa mudança para os subúrbios.

"Acreditamos fortemente que é uma retirada temporária", disse Kaplan-Macey, argumentando que as coisas que tornavam Nova York tão atraente antes da pandemia voltarão quando ela finalmente passar.
Como que para enfatizar esse ponto, o Facebook há duas semanas alugou os 68 mil metros quadrados de escritórios no antigo prédio dos correios Farley, reformado, junto da Penn Station. Em menos de um ano, a empresa engoliu mais de 185 mil metros quadrados de espaço em Manhattan.

Em todo caso, Kaplan-Macey teme que uma onda de novos residentes —embora seja uma dádiva para os corretores de imóveis suburbanos— sobrecarregue comunidades como Stamford, que já lutam para oferecer moradias populares, especialmente para os tipos de trabalhadores que prestaram serviços essenciais durante a pandemia. "Esse não é o tipo de crescimento de que precisamos", disse ela.

Daniel Baer, um urbanista na firma de arquitetura WSP, observa que mesmo antes da pandemia os subúrbios estavam silenciosamente ganhando terreno enquanto a geração do milênio —pessoas nascidas entre 1981 e 1996— entrava em seu período principal de criação de filhos e buscava as mesmas coisas que levaram outros a abandonar as grandes cidades: espaço, segurança e boas escolas.

"Já houve uma mudança, mas acho que a pandemia a acelerou", disse Baer. Dadas as alterações tecnológicas no trabalho e o medo causado por uma crise de saúde que ocorre uma vez em um século, ele não está convencido de que o equilíbrio anterior entre cidade e subúrbio será restaurado em breve. "Este ciclo é muito diferente de qualquer outro", disse Baer. "Vamos sair disso, mas acho que de uma maneira muito diferente."

Stamford, a terceira maior cidade de Connecticut, combina memórias de uma indústria agitada com um pouco de finanças modernas e vida corporativa. Ela tem algumas das características sofisticadas da vizinha Greenwich, mas é mais robusta e diversificada —algo que seus defensores apreciam e seus detratores, não. Sua sorte mudou ao longo dos anos devido a seu relacionamento próximo com a cidade de Nova York, que fica a apenas 45 minutos de trem.

Quando Nova York estava em queda, na década de 1970, Stamford foi um dos subúrbios que se tornou um ímã para as empresas que fugiam da metrópole decadente. Atraiu empresas como GTE e Singer, entre outras. Vários prédios de escritórios comuns daquela época ainda são visíveis em um centro urbano que fica próximo à rodovia Interestadual 95 e foi brutalmente reformado na década de 1970 para favorecer o automóvel, mais que o pedestre.

Na década de 1990, o banco de investimentos suíço UBS tomou a ousada decisão de abrir uma sede americana de 65 mil metros quadrados em Stamford, que apresentava o que foi então anunciado como o maior pregão do mundo. Tinha o tamanho de 23 quadras de basquete.

"Sempre houve demanda em Stamford por causa de sua proximidade com Nova York e Boston e porque muitos funcionários moram nas redondezas", explica um desenvolvedor. Generosas isenções fiscais do estado e o fato de que os aluguéis de escritórios em Stamford custam cerca da metade dos de Nova York também ajudaram a persuadir o UBS.

No entanto, em vez de se tornar um farol para uma próspera indústria de serviços financeiros suburbanos, o prédio do UBS —e outro encomendado pelo rival RBS— se tornou uma lembrança dolorosa das dificuldades de Stamford após a crise financeira de 2008. Depois de ficar vazio durante anos, o prédio do UBS foi finalmente alugado no ano passado para a World Wrestling Entertainment, que o está transformando em um estúdio de produção e sede. Os moradores de Stamford, antes acostumados a ver corretores de derivativos em calças cáqui fumando charutos na churrascaria Morton's, hoje fechada, poderão em breve ver lutadores profissionais passeando pela cidade.

A crise atual gerou uma enxurrada de consultas, dizem corretores comerciais. Na maioria são empresas menores —fundos hedge, pequenos bancos de investimentos— que buscam escritórios prontos com 1.000 metros quadrados ou menos. Eles também querem contratos de curto prazo. "Meus agentes estão muito ocupados. Mas ainda não vendemos tanto", diz Thomas Pajolek, vice-presidente executivo da corretora comercial CBRE. "O tempo dirá se isso pega."

Peter Gottlieb, vice-presidente sênior da Rubenstein Partners, que possui escritórios em Stamford, está convencido de que muitos trabalhadores preferem não retornar à cidade de Nova York —pelo menos não em tempo integral. "As pessoas se acostumaram a não se locomover", explicou.

Em Harbor Point, a BLT não está apenas tentando atrair pessoas e empresas para um subúrbio, como também convencê-las a mudar-se para o sul da estação de trem, onde tradicionalmente se concentram as empresas. Seu desenvolvimento fica sobre uma antiga área industrial que já hospedou empresas como Pitney Bowes e Yale Lock Company, cuja fábrica pegou fogo em um misterioso incêndio em 2006.

Carl Kuehner, o presidente da BLT, assumiu em 2008 o projeto de outro desenvolvedor que estava sem dinheiro. Ao longo dos anos, a BLT eliminou as fábricas e construiu parques, trilhas de corrida à beira-mar e 3.400 unidades de apartamentos que apresentam o mesmo tipo de comodidades —porteiros, terraços na cobertura, academias e lavatórios para cães— que se podem encontrar em uma torre residencial cara em Nova York ou Miami.

Ainda há guindastes no horizonte, com outros 600 apartamentos a caminho. Ônibus elétricos vermelhos circulam pela propriedade. A BLT também se esforçou para atrair uma série de restaurantes, um supermercado gourmet Fairway (que agora está falido), um pub e lojas.

A ideia não era recriar o tradicional subúrbio americano verdejante retratado —muitas vezes de modo desesperado— por autores como Richard Yates e Richard Ford. Em vez disso, eles imaginam uma comunidade que possa ser percorrida com os equipamentos urbanos que supostamente atraem a geração do milênio.

"É um retorno aos subúrbios, mas não ao subúrbio de seu pai", disse Steve Baker, corretor da Cushman & Wakefield, que está trabalhando com a BLT. "Estamos aproveitando todas as vantagens da cidade, mas sem as complicações." Outro corretor descreve a estética como uma "Nova York lite", que tenta oferecer "a experiência de um escritório no centro da cidade, mas nos subúrbios".

Os arquitetos podem discutir a execução desse conceito de "viver-trabalhar-jogar" que é o Santo Graal dos desenvolvedores modernos. Até agora, porém, os 12 edifícios residenciais de Harbor Point estão entre 93 e 96% ocupados, de acordo com a BLT. Alguns moradores corriam numa tarde recente.

Também atraíram inquilinos corporativos. Dean Chamberlain, presidente-executivo da Mischler, banco de investimentos butique, mudou sua empresa para Harbor Point há dez anos, depois de decidir que não queria mais se deslocar para Manhattan antes do amanhecer, e viu a área crescer. "Antes da covid já estava se enchendo", disse ele. "Depois será fantástico."

A Charter Communications está dando os retoques finais em uma sede de 46 mil metros quadrados perto da ferrovia, e desde então decidiu acrescentar 28 mil metros quadrados. A Sema4, empresa de testes de DNA, mudou-se no ano passado.

"Se mudarmos para Stamford, poderemos conseguir um ótimo espaço para escritórios por um bom preço. Mas poderemos conseguir talentos?", disse Ferrarone, repetindo a pergunta que muitos potenciais inquilinos tendem a fazer. "Eu acho que a resposta é sim."

Mesmo assim, a Península estacionou. Anos atrás, Ray Dalio, gerente do fundo hedge, planejava torná-la a sede à beira-mar de sua empresa de gestão de fundos Bridgewater Associates. O negócio fracassou depois que Kuehner entrou em uma disputa de zoneamento com os moradores sobre seu plano de construir sobre um antigo estaleiro.

Em julho, sentindo o interesse renovado pelos subúrbios, a BLT e a Cushman decidiram aumentar seus esforços de marketing. "É uma vacina", disse Baker sobre a atenção despertada pela pandemia.
Alguns desenvolvedores estão céticos de que a Península atrairá o tipo de desenvolvimento grande —e lucrativo— que a BLT busca. Ou seja, o tipo que seria mais comumente encontrado em Manhattan. Ainda assim, eles veem dias brilhantes para Stamford e áreas semelhantes em um momento em que a cidade grande parece assustadora.

"A vida aqui é mais fácil, por falta de palavra melhor", disse um deles.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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