Escolas de educação infantil sofrem com falta de crédito após debandada de alunos

No Pronampe, R$ 700,7 mi foram destinados à educação, pouco mais de 2% do total emprestado a todos os setores da economia

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Brasília

Fechadas há quase seis meses, as escolas de educação infantil perderam 90% dos alunos durante a pandemia do novo coronavírus e, como consequência, viram sua receita encolher no período.

Muitas reclamam que não conseguiram crédito para segurar o caixa até o próximo ano, mesmo em linhas emergenciais disponibilizadas pelo governo.

Ao contrário das demais instituições de ensino, que podem ministrar conteúdo online e conseguiram manter parte dos contratos, creches e escolas voltadas a crianças de 0 a 5 anos têm mais dificuldades para manter uma rotina de atividades virtuais.

A empresária Clara Martinho, dona da escola Jardim Ipê Amarelo, no parquinho vazio da unidade, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

Com isso, de acordo com a Fenep (Federação Nacional das Escolas Particulares), essas instituições perderam cerca de 1,3 milhão de estudantes desde março, quando a maior parte delas fechou as portas em decorrência da chegada do vírus ao Brasil.

Dentro do FGO (Fundo de Garantia de Operações), de onde vêm os recursos do Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), linha de crédito emergencial lançada pelo governo em junho, R$ 700,7 milhões foram destinados à educação.

O montante inclui instituições de ensino de todas as naturezas, de acordo com o Banco do Brasil, que administra o fundo.

Os recursos são pouco mais de 2% do total emprestado a todos os setores da economia, de R$ 28,2 bilhões. O comércio foi o segmento que mais teve acesso aos recursos, com R$ 13,1 bilhões.

No FGO, o Pronampe representa mais de 90% das operações, com R$ 26,9 bilhões.

"O programa é muito bom, mas o que é disponibilizado não é suficiente. Muitas escolas se adequavam ao perfil exigido para tomar o crédito, mas não conseguiram", disse o presidente da Fenep, Ademar Batista Ferreira.

Ele ressaltou que muitas instituições já passavam por situação preocupante antes da crise. "São cerca de 20 mil escolas de educação infantil no país, a maior parte não tem mais que cem alunos e já passavam por dificuldades antes da pandemia. As medidas de restrição só agravaram o problema", afirmou.

Com recursos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), as escolas de educação infantil tomaram R$ 98,5 milhões em empréstimos desde março, quando começou o distanciamento social, segundo levantamento feito a pedido da Folha.

Nesse valor não entram os financiamentos de folhas de pagamento, cujos dados são divulgados pelo Banco Central e não há recorte por setor.

O número representa 0,15% do total de créditos concedidos por meio do BNDES. Ao todo, foram R$ 63,2 bilhões emprestados em linhas emergenciais criadas para a pandemia (exceto de financiamento de folhas de pagamento) ou suspensão de parcelas de empréstimos contratados antes da crise.

O Pronampe não entra no montante porque é feito por meio do FGO, administrado pelo Banco do Brasil, e não conta com recursos do BNDES.

Apenas no Peac (Programa de Acesso ao Crédito), que dá garantia de 80% aos empréstimos, foram concedidos R$ 557,4 milhões para o setor de educação, sendo R$ 17,4 milhões para creches e R$ 46,1 milhões para pré-escola. A linha foi lançada no fim de junho.

O setor de educação foi um dos primeiros a paralisar as atividades e, enquanto outros segmentos já voltaram à ativa, donos de instituições ainda não sabem quando poderão reabrir.

Segundo levantamento da Fenep, 13 estados ainda não têm previsão de volta às aulas. Sete têm apenas uma estimativa e sete já autorizaram o retorno.

Com isso, os benefícios emergenciais do governo, como a MP (medida provisória) que autoriza suspensão de contratos, ou redução dos salários e jornada, chegarão ao fim sem que as escolas tenham retorno garantido.

"Quando as escolas foram fechadas, imaginávamos que voltaríamos em junho ou julho. Então muitas instituições aderiram à MP ou financiaram a folha de pagamentos. Elas continuam fechadas e agora não podem mandar funcionários embora porque as medidas impõem estabilidade por um período", disse Ferreira.

Além disso, nos estados em que a volta foi autorizada, as instituições tiveram de se adequar aos protocolos de segurança, o que demandou gastos. É o caso da escola Mafagafo, que fica na Asa Norte, em Brasília.

"Não conseguimos crédito no Pronampe. Primeiro o banco alegou que os recursos esgotaram e, depois, que já tínhamos pegado um empréstimo no ano passado, quando mudamos de endereço. Não sabíamos naquela época que haveria uma pandemia", disse Fernanda Reis, uma das sócias da escola.

Para preparar a escola para a reabertura (prevista para 21 de setembro no Distrito Federal), a instituição teve de recorrer a linhas mais caras de crédito. "Pegamos empréstimos pessoais para conseguir pagar as contas e fazer as mudanças exigidas para a volta às aulas. Os juros são bem mais altos", afirmou

A escola recebe crianças de 0 a 4 anos. "Muitos pais perderam renda ou tiveram de voltar a trabalhar. Alguns deslocaram o valor que pagavam na escola para contratar alguém para cuidar dos filhos", disse Reis.

O jardim de infância Ipê Amarelo, também em Brasília, não conseguiu crédito nas linhas emergenciais. "O banco disse que não tínhamos garantias para pegar empréstimos mais baratos e que os recursos do Pronampe acabaram no primeiro dia de liberação", disse a diretora da instituição, Clara Martinho.

No estabelecimento, estudam crianças de 1 a 5 anos. "Nós tínhamos 58 alunos e agora temos apenas 18. Fazemos encontros virtuais, mas não conseguimos manter as matrículas. Com isso, tivemos de dispensar os estagiários e reduzir jornada e salário."

Segundo o economista Paulo Feldmann, professor da USP, as empresas menores têm mais dificuldade em obter crédito.

"Educação foi um dos setores mais afetados, mas tem baixo poder de articulação. Os bancos fazem análise de crédito e avaliam que a escola, que não tem previsão de reabrir, não terá condições de arcar com o empréstimo", disse.

"A situação das instituições de ensino é muito difícil, os bancos realmente analisam a viabilidade a longo prazo do negócio e fica complicado conseguir crédito se não há perspectiva de recomposição de receitas neste ano. Talvez precisasse de uma ação mais direcionada ao setor", disse Rafael Schiozer, professor de finanças da FGV.

O Ministério da Economia afirmou que os programas de crédito disponíveis pelo governo federal não são liberados por setor, mas por porte. "Com isso, todos têm acesso aos recursos disponibilizados, cabendo ao empresário identificar em qual categoria se encaixa."

Sobre ações voltadas ao segmento, a pasta sugeriu que a Folha procurasse o Ministério da Educação, que não respondeu até a conclusão deste texto.

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