Na pandemia, elite adapta luxos à vida sem passaporte

Grifes de luxo montam operações de delivery de produtos de alto padrão

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Aeronave em pista de aeroporto executivo do grupo JHSF em São Roque

Aeroporto executivo do grupo JHSF em São Roque teve um incremento de 31% na frequência de pousos e decolagens no segundo trimestre em relação ao primeiro Divulgação

São Paulo

A pandemia revelou o potencial de consumo local de quem pouco ou nunca olha o preço daquilo que compra e, antes do isolamento social imposto pela pandemia global, consumia fora do Brasil.

Com as fronteiras fechadas, desde abril explode pelo país o consumo no topo da pirâmide social brasileira. Houve expansão na demanda de tintos nobres e espumantes para a beira da piscina; no tíquete de compra de relógios exclusivos, calçados e joias; e na ocupação em empreendimentos de alto luxo no interior de São Paulo, como o Quinta da Baroneza, a 90 km da capital, e a Fazenda Boa Vista, a 110 km.

Hoje, esses refúgios competem com os cinco estrelas do litoral nordestino na lista de destinos e de compras da elite brasileira.

Segundo executivos dos segmentos estelares dessas categorias, confirmou-se a previsão de migração para o mercado interno da ínfima fatia dos chamados consumidores “triple A” –os AAA no jargão das consultorias que dão nota de risco de crédito e atribuem os três As ao seleto grupo dos compradores mais confiáveis.

Eles passaram a usar o cartão black no Brasil para produtos ou experiências que estavam acostumados a buscar fora daqui.

Guardadas as proporções, aqui se deu o mesmo que na China, com a voracidade de seus turistas transferida para dentro do país e puxando a recuperação dos grupos de luxo atingidos pela desertificação dos corredores chiques do hemisfério norte.

Os brasileiros têm serviços de delivery específicos, que podem percorrer até 300 km fora da capital para levar seu objeto de desejo. Foi o caso de um cliente da relojoaria TAG Heuer em busca de uma peça da marca. Mais de 30% das vendas, hoje, começam por mensagens e terminam entregues em suas casas.

“Os clientes que migraram entre 2008 e 2010 para a compra fora do país podiam viajar até quatro vezes por ano e deixavam para o mercado interno a compra de presentes”, diz o presidente-executivo da marca no Brasil, Freddy Rabbat. “Agora, trancados, percebem que podem comprar mais barato aqui, porque absorvemos parte das margens da alta do dólar. Quem perde é Milão, Miami, Nova York e os navios. Nós ganhamos.”

No caso da TAG Heuer, os produtos mais acessíveis ao consumidor local antes da pandemia, com preço abaixo de R$ 10 mil, eram 60% da linha. Agora, são 40%. A previsão é que o percentual diminua para 30%, no ano que vem. “Já sabemos que o tíquete alto compensará as perdas com o câmbio”, diz Rabbat.

O smartwatch da marca, na faixa de R$ 15 mil, esgotou e já tem fila de espera. A linha Carrera surpreendeu –“erramos todas as previsões” – e há buracos que ele corre para suprir. Os “turbilhões”, mecânicos, na faixa de até R$ 200 mil e que raramente eram consumidos aqui, transformaram o Brasil no campeão de vendas da marca na América Latina nesta pandemia. Rabbat alerta que não tem mais estoque.

No segmento de joias não foi diferente. O gerente geral da Cartier no Brasil, Maxime Tarneuad, garante que nos últimos quatro meses houve recordes de venda em segmentos dessa estrela do grupo suíço Richemont.

Sem revelar dados, ele cita o êxito da pulseira Love, cujo uso, não raro, é de mais de uma nos pulsos, e um novo modelo do anel Panthère. Outra novidade teria sido a performance dos modelos cravejados de brilhantes, os “pavés”, e, no caso do anel, o estoque minguado em pouco tempo.

“Somos resilientes em momentos de crise. Primeiro, porque há um consenso de que joias são produtos duráveis, e também porque temos uma relação próxima com os clientes, que mantiveram contato com seus vendedores enquanto as lojas estavam fechadas”, afirma Tarneaud.

Fechadas só no shopping, é preciso deixar claro. Nas vilas de consumo, montadas dentro dos supercondomínios privados, marcas de vestuário, calçados, acessórios e até carros dividiram a atenção dos donos das mansões com, por exemplo, passeios fretados de balão, corridas de triatlo e galopes nas hípicas particulares.

Uma delas foi a grife Alexandre Birman, a etiqueta mais cara do grupo Arezzo. O ponto aberto no mês passado no Boa Vista Market, dentro do Complexo Boa Vista, ganhou coleção exclusiva de sandálias flat, mais baixas ou sem salto algum, pensada para o campo. Esse segmento já representa 55% das vendas da marca.

A gerente global de luxo da grife, Milena Penteado, explica que ali estão 56 das 2.000 clientes ativas da grife, que hoje estão em suas casas pelo interior do país, mas perto de grandes cidades, como Brasília e Curitiba.

O ecommerce já responde por 60% das vendas e foi nele que a marca viu a boa performance do que prefere chamar de “calçados emocionais”, com pedrarias, aplicações e, invariavelmente, cifras altas.

“As mulheres voltaram a receber convidados e só vestir pijama não é mais uma realidade. No começo da pandemia, houve pânico, depois, a dúvida, agora querem voltar a celebrar”, diz a executiva.

Não parece coincidência que, no mote de celebração, a bebida role solta. Assim como na moda, o tíquete do álcool está tão mais alto que, para a Henkell Freixenet, o problema está “no encalhe dos produtos baratos, na faixa dos R$ 50”, segundo diz seu presidente no Brasil, Fabiano Ruiz.

“O consumo de bebidas alcoólicas aumentou no isolamento em cerca de 10% sobre os quase dois litros de consumo per capita do ano passado. Vendemos 220 mil garrafas entre janeiro e setembro de 2019, e, neste mesmo período do ano, vendemos 430 mil garrafas”, revela o executivo.

Os rótulos premium da empresa, líder no país com 13% do mercado de espumantes, computaram cerca de 85% das vendas até o final de setembro.

Todos os consultados são unânimes em defender que esse boom de consumo por produtos caros não seria possível sem uma estratégia online agressiva. O Iguatemi365, marketplace do grupo de shopping centers homônimo, já expandiu para mais de 300 o número de marcas no site em cerca de um ano de funcionamento.

A vice-presidente de finanças e relações com investidores da empresa, Cristina Betts, adianta que há um plano de expandir pelo país pontos de entrega de produtos vendidos na plataforma, em todas as cidades nas quais haja shoppings Iguatemi.

O primeiro deles abriu há pouco mais de uma semana dentro da Quinta da Baroneza, entre Itaíba e Bragança Paulista, onde vários de seus clientes vivem em casas suntuosas em uma área de 12 milhões m2.

“Você compra um anel da Tiffany & Co. e quer segurança para buscá-lo”, explica Betts, citando a alta adesão da moda internacional pelo modelo. “Sabe-se que no ambiente on-line o potencial de compras é até seis vezes maior do que no físico”, diz ela.

Mas não parece haver grupo que melhor traduza essa pujança de exclusividade que o JHSF.

O lucro líquido do detentor de empreendimentos como a rede de hotéis Fasano, shopping Cidade Jardim, Fazenda Boa Vista e o novo CJ Shops –versão reduzida do centro de compras que deve ser inaugurada em novembro, no bairro dos Jardins, em São Paulo–, cresceu 5.000% no segundo trimestre do ano em relação ao mesmo período de 2019.

Em plena pandemia, seu diretor-presidente Thiago Alonso fez a base de usuários da incorporadora crescer em 682% (as vendas cresceram 466%), o e-commerce de grifes CJ Fashion aumentar 271,5% em vendas e o delivery da bandeira Fasano explodir em 936,6% os pedidos na plataforma.

Da mesma forma, o desempenho do São Paulo Catarina, o aeroporto executivo do grupo em São Roque, resume o desejo de escape da elite com um incremento de 31% na frequência de pousos e decolagens em relação ao primeiro trimestre.

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