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Banco Mundial e o FMI falharam com países pobres na pandemia, dizem economistas

A avaliação é que nações em desenvolvimento enfrentam o coronavírus com recursos limitados e dívidas insustentáveis

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Londres | Financial Times

O Paquistão, como a maioria dos países em desenvolvimento, tinha uma escassez alarmante de médicos e hospitais muito antes que alguém tivesse ouvido falar em Covid-19. A pandemia, assim, sobrecarregou os centros médicos. Alguns até recusaram pacientes. À medida que o medo afetava a vida diária, as famílias também perdiam a fonte de seu sustento e lutavam para se alimentar.

Do outro lado do mundo, em Washington, duas organizações com caixas robustos, o Banco Mundial e o FMI (Fundo Monetário Internacional), prometeram dar apoio a países pobres. Seus economistas alertaram sobre a necessidade de essas instituições liberarem ajuda financeira para evitar uma catástrofe humanitária e deter danos mais profundos na prosperidade global. Os mercados emergentes representam 60% da economia mundial, de acordo com uma avaliação do FMI. Um golpe nesses países tende a comprometer a economia de todo o planeta.

Recursos enviados aos países pobres por trabalhadores migrantes —uma artéria vital nas finanças de países emergentes— também diminuíram. A paralisação do turismo castigou muitos dessas nações em desenvolvimento, assim como a queda na demanda por petróleo.

Bilhões de pessoas perderam a fonte de seus ganhos para comprar alimentos, o que eleva a desnutrição nos países mais pobres. No próximo ano, a pandemia poderá levar 150 milhões de pessoas à pobreza extrema, alertou o Banco Mundial.

Uma professora verifica a temperatura de uma criança em uma escola em Islamabad, Paquistão - Aamir Qureshi - 30.set.2020/ AFP

Mas o Banco Mundial e o FMI não conseguiram converter essa preocupação em apoio significativo, dizem os economistas. Os países mais pobres lutaram sozinhos contra o coronavírus, empenhando os seus recursos limitados e elevando suas dívidas a patamares insustentáveis. Nesse ambiente de deterioração das contas públicas, muitos governos são forçados a reduzir os gastos exatamente quando são necessários para reforçar os sistemas de saúde e ajudar as pessoas que sofrem a perda de renda.

"Uma década perdida de crescimento em grande parte do mundo continua a ser uma perspectiva plausível sem uma resposta política urgente, concertada e sustentada", concluiu um relatório recente do G30, reunião de especialistas financeiros internacionais que inclui Lawrence Summers, ex-assessor econômico do presidente Barack Obama e secretário do Tesouro no governo Clinton.

As nações mais ricas foram amortecidas por surtos extraordinários de créditos liberados por bancos centrais e gastos de seus governos. Estima-se que a parcela mais rica do planeta, no conjunto, liberou mais de US$ 8 trilhões. Os países em desenvolvimento ainda não receberam nada que se compare a esse volume.

O FMI e o Banco Mundial —criados no final da Segunda Guerra Mundial com a missão de apoiar países em tempos de crise financeira— ofereceram uma resposta relativamente anêmica, em parte por causa das predileções de seu maior acionista, os Estados Unidos.

Durante uma reunião virtual das duas organizações no mês passado, o secretário do Tesouro dos EUA, Steven Mnuchin, pediu cautela. "É fundamental que o Banco Mundial gerencie os recursos financeiros criteriosamente para não sobrecarregar os acionistas com pedidos prematuros de novos financiamentos", disse ele.

O Banco Mundial é chefiado por David Malpass, que foi efetivamente nomeado pelo presidente Donald Trump sob o acordo de cavalheiros que há décadas concede aos Estados Unidos o direito de escolher o líder da instituição. Antiga autoridade da área financeira, que trabalhou no Departamento do Tesouro do governo Trump, ele já demonstrou desprezo pelo Banco Mundial e pelo FMI em outra ocasião.

"Eles gastam muito dinheiro", disse Malpass durante depoimento no Congresso em 2017. "Não são muito eficientes. Costumam ser corruptos em suas práticas de empréstimos."

Sob sua liderança, o Banco Mundial exigiu que os mutuários desregulamentem a indústria doméstica para favorecer o setor privado como condição para os empréstimos.

"Há uma atitude ideológica aqui, uma atitude mais conservadora de 'Bem, é dinheiro que vai para o lixo'", disse Scott Morris, pesquisador sênior do Centro para o Desenvolvimento Global. Em meio a uma crise causada não por corrupção, mas por uma pandemia, ele acrescentou: "Essa é uma atitude muito equivocada".

Funcionários do Banco Mundial disseram que a instituição expandiu os empréstimos em um ritmo histórico, enquanto defendia a demanda de Malpass por condições mais rígidas para os empréstimos como uma gestão responsável. "Ele quer ter bons resultados nos países", disse Axel van Trotsenburg, diretor-gerente de operações do Banco Mundial. "Ele quer garantir que os programas alcancem as populações."

O FMI é dirigido por uma diretora-gerente, Kristalina Georgieva, economista búlgara que já trabalhou no Banco Mundial. Ela responde perante os acionistas da instituição. O governo Trump resistiu aos apelos para expandir as reservas do FMI, argumentando que a maioria dos benefícios fluiria para os países mais ricos.

Em abril, conforme as preocupações com os países pobres se intensificavam, os líderes mundiais fizeram promessas de ajuda.

"O Grupo Banco Mundial pretende responder com força e de forma maciça", disse Malpass. No FMI, Georgieva disse que não hesitaria em aproveitar a capacidade de empréstimo de US$ 1 trilhão (R$ 5 trilhões) da instituição. "Esta é, em minha vida, a hora mais sombria da humanidade", afirmou ela então.

Mas o FMI emprestou apenas US$ 280 bilhões (R$ 1,6 trilhão). Isso inclui US$ 31 bilhões (R$ 178 bilhões) em empréstimos de emergência para 76 países membros, com quase US$ 11 bilhões (R$ 63 bilhões) indo para países de baixa renda.

"Realmente, melhoramos em termos de desembolso rápido para poder apoiar os países necessitados", disse Ceyla Pazarbasioglu, diretora do departamento de Políticas e Revisão de Estratégias do FMI, em uma entrevista.

O Banco Mundial mais que dobrou seus empréstimos nos primeiros sete meses de 2020 em comparação com o mesmo período do ano anterior, mas tem sido lento para distribuir o dinheiro, com os desembolsos aumentando em menos de um terço nesse período, de acordo com uma pesquisa do Centro para o Desenvolvimento Global.

Os gastos limitados do FMI e do Banco Mundial parecem resultar, em parte, da fé excessiva em uma iniciativa amplamente aplaudida que buscava aliviar os países pobres de suas dívidas com credores estrangeiros. Em abril, em uma cúpula virtual do G-20, os líderes mundiais concordaram em suspender o pagamento de dívidas até o final do ano.

Os líderes mundiais desenvolveram o programa como uma forma de encorajar os países pobres a gastar conforme o necessário, sem se preocupar com suas dívidas. Mas o plano deixou de fora o maior grupo de credores: a indústria global de serviços financeiros, incluindo bancos, gestores de ativos e fundos hedge.

"O setor privado não fez nada", disse Adnan Mazarei, ex-vice-diretor do FMI e hoje membro sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional em Washington. "Eles simplesmente não participaram."
As preocupações com as dívidas dos países em desenvolvimento baseavam-se no fato de que muitos estavam gastando enormes parcelas de suas receitas em pagamentos de empréstimos, mesmo antes da pandemia.

Desde 2009, os pagamentos do Paquistão a credores estrangeiros subiram de 11,5% para 35% das receitas do governo, de acordo com dados compilados pela Jubilee Debt Campaign, que defende o perdão da dívida. Os pagamentos de Gana aumentaram de 5,3% para mais de 50% das receitas do governo.

Com a propagação da pandemia, o Paquistão aumentou os gastos com saúde, mas cortou o apoio a programas de serviço social, pois priorizou o pagamento da dívida.

Estudantes usam máscaras durante aula em uma escola em Karachi, Paquistão
Estudantes usam máscaras durante aula em uma escola em Karachi, Paquistão - Rizwan Tabassum - 15.set.2020/AFP

A suspensão da dívida foi, na melhor das hipóteses, um alívio de curto prazo. Atrasa os pagamentos dos empréstimos, mas eles vão se acumulando sobre contas pendentes.

Cerca de 46 países, a maioria deles na África Subsaariana, ganharam coletivamente US$ 5,3 bilhões (R$ 30 bilhões) em alívio com o pagamento imediato da dívida. Isso é cerca de 1,7% do total dos pagamentos da dívida internacional de todos os países em desenvolvimento neste ano, de acordo com dados compilados pela Rede Europeia sobre Dívida e Desenvolvimento.

Summers recentemente descreveu a iniciativa de suspensão da dívida como "uma pistola de água para enfrentar uma grande conflagração".

Mas o programa provou ser poderoso em um aspecto: transmitiu a sensação de que os problemas dos países mais pobres foram contidos.

"Parte do motivo pelo qual tão pouco foi feito é que havia uma expectativa equivocada de que você poderia fornecer todo o apoio de que os países de baixa renda precisavam simplesmente adiando o pagamento de suas dívidas", disse Brad Setser, ex-funcionário do Tesouro dos EUA e hoje membro sênior do Conselho de Relações Exteriores de Nova York.

No mês passado, o G-20 estendeu o programa até meados do ano que vem. Georgieva repreendeu os credores privados por permanecerem à margem.

Os credores privados têm relutado em oferecer suspensão da dívida, em parte devido à incerteza sobre quem colherá os benefícios. Muitos países em desenvolvimento contraíram empréstimos agressivos de instituições chinesas, em um processo opaco e descoordenado. Se as instituições americanas ou europeias deixarem de cobrar suas dívidas, o dinheiro poderá simplesmente ser repassado para um credor chinês, em vez de aumentar os gastos com saúde.

Os credores privados afirmam que os países pobres não solicitaram alívio, reconhecendo que as agências de classificação de crédito podem tratar a suspensão da dívida como uma inadimplência --situação que compromete sua capacidade futura de tomar empréstimos.

"Eles não querem perder o acesso ao mercado", disse Clay Lowery, vice-presidente executivo de pesquisa e política do Instituto de Finanças Internacionais, associação que representa empresas financeiras do mundo todo.

Mas esse medo foi ativamente fomentado pelos credores, desencorajando os países pobres de buscar ajuda.

"O setor privado costuma ser altamente agressivo e enganador ao sugerir que uma reestruturação da dívida lhes dará dinheiro novo em breve", disse Summers em entrevista.

Alguns argumentam que qualquer coisa que não seja a reestruturação da dívida, na qual os termos são renegociados e os credores absorvem as perdas com os empréstimos, apenas prolonga a dor, tanto para os tomadores quanto para os credores.

Os críticos do FMI dizem que sua forma de lidar com a pandemia exibiu a mesma característica que há muito define sua missão —uma tendência a garantir que os credores sejam pagos, mesmo às custas de cortes drásticos nos gastos dos países pobres.

Desde o início da pandemia, o FMI alocou US$ 500 milhões (R$ 2.8 bilhões) para cobrir os custos da suspensão da dívida, ao mesmo tempo que concedeu mais de US$ 100 bilhões (R$ 577 milhões) em novos empréstimos. Mais de US$ 11 bilhões (R$ 63 bilhões) do empréstimo pagaram credores privados, de acordo com um relatório da Jubilee Debt Campaign.

"As instituições financeiras internacionais vão deixar os países em situação muito pior do que estavam antes da pandemia", disse Lidy Nacpil, coordenadora do Movimento dos Povos Asiáticos sobre Dívida e Desenvolvimento, uma aliança de 50 organizações com sede em Manila (Filipinas). "O interesse deles não é principalmente que esses países se recuperem, mas fazer com que eles voltem a contrair empréstimos."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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