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Pandemia aniquilou milhares de bares tradicionais pelo Brasil em 2020

Locais icônicos, como o Vaca Atolada, no Rio, anunciaram suspensão das atividades

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Rio de Janeiro , Belo Horizonte, Porto Alegre , Recife e Curitiba

Noite de quinta-feira (17), na Lapa, centro do Rio de Janeiro. Um homem aos prantos aparece na porta do Vaca Atolada, tradicional botequim de roda de samba da boemia carioca, tira uma nota de R$ 100 do bolso e coloca nas mãos de Cláudio Cruz, 63, dono do local. Disse que estava endividado e embriagado, mas sentiu que precisava ajudar quando soube que o bar fecharia as portas. Então, saiu do bairro de Bento Ribeiro, a 24 km de distância, e pegou o trem para contribuir com o único dinheiro em espécie que tinha.

A cena mostra o sentimento na Lapa quando o Vaca anunciou o encerramento das atividades, após 11 anos de funcionamento. O bar tem como uma de suas características principais a estrutura montada com os músicos no meio do salão e as pessoas ao redor, aglomeradas, cenário inviável em meio a uma pandemia que já matou cerca de 25 mil pessoas no Rio em 2020.

Para se adaptar à crise sanitária, isolou os músicos em telas de plástico, para protegê-los do vírus. A novidade mexeu com as raízes do local que antes era chamado de "A Bombonera do Samba". Foi ideia do dono, um policial civil aposentado, filho e pai de músicos.

Margarete Mendes, umas das principais atrações do Vaca Atolada, em noite de despedida do tradicional botequim da Lapa, região boêmia do centro do Rio de Janeiro - Tércio Teixeira/Folhapress

“Me preocupei muito em proteger os músicos, e isso destruiu a característica do Vaca, a nossa tradicional roda de samba, mas tinha que fazer para proteger as pessoas”, disse Cláudio Cruz. Ele sabe do que fala: foi acometido pela Covid, ainda em março, no início da pandemia. Ficou 31 dias internado e emagreceu 10 kg. Quase morreu. E percebeu a gravidade do que estava acontecendo no país e no mundo.

Sem cobrar couvert artístico, o Vaca Atolada sempre recebeu grandes públicos. O anúncio do encerramento chamou a atenção dos clientes assíduos, que compareceram em bom número no fim de semana de despedida, mas ainda nada perto do que eram as mais de 500 pessoas que lotavam o botequim todos os dias antes da pandemia.

A cantora Margarete Mendes, 60, conhecida como "A Rainha da Lapa", não escondeu a tristeza pelo adeus do local por onde cantou por oito anos. "O Vaca é um patrimônio do Rio. É um lugar cultural não tem quem conheça e não goste", disse.

Os oito meses fechado pela pandemia fizeram o Vaca Atolada adquirir dívidas na casa dos R$ 200 mil. Uma campanha virtual para arrecadar dinheiro alcançou pouco mais de R$ 60 mil. Ajudou a colocar o pagamento dos funcionários em dia e o aluguel, mas não foi o bastante para manter o local aberto. Porém, a comoção pelo anúncio do fechamento trouxe esperança: o aluguel foi renegociado e algumas pessoas se reúnem para tentar reabrir o local no ano que vem. Um grupo de 200 clientes se colocaram à disposição.

"Querem ajudar com uma campanha em vídeo legal, com pessoas importantes declarando a importância cultural para o Vaca e o Rio. Então, tem uma chance de continuar. Mas não aberto. Só vamos reabrir, se reabrir, quando tiver vacina. É um grande risco estar ali expondo as pessoas", disse Cláudio Cruz.

A situação do Vaca Atolada foi vista por bares tradicionais em todo o Rio de Janeiro, que suspenderam as atividades por conta da crise sanitária e econômica trazida pela Covid-19. Casa Villarino, Hipódromo, Comuna e muitos outros nomes conhecidos do público carioca passaram por isso.

Segundo o SindRio (Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro), a estimativa é que 40% dos bares do Centro do Rio suspenderam as atividades neste ano. Em toda a cidade, foram 20%, ou mais de 2.000 entre os 11 mil existentes antes da pandemia. Empregos formais perdidos no setor chegam a aproximadamente 18 mil na capital. No estado, 28 mil. Essa situação que se repetiu por todo o Brasil.

Em Belo Horizonte, levantamento de outubro da Abrasel-MG (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) aponta que, dos 12 mil estabelecimentos do setor de alimentação que a capital mineira tinha em março, 3.500 não reabriram as portas.

O Bitaca da Leste, eleito duas vezes o melhor boteco de BH pela revista Veja em cinco anos de atividades, localizado no bairro Santa Tereza, reduto de boemia mineira, foi um dos que anunciou que estava fechando no início de setembro.

“A gente está virando o ano e a perspectiva que tenha uma parcela significativa da população vacinada é só no final do ano que vem. Para o meu modelo de negócio é completamente inviável funcionar só com delivery ou voltar a funcionar com distanciamento entre as mesas. Eu tinha só 24 lugares, isso seria 10 pessoas, como vou pagar minhas contas?”, disse o proprietário e chef, Luiz Mairink, 37.

Em Porto Alegre, um dos bares que funcionavam madrugada adentro, o Van Gogh, na Cidade Baixa, bairro boêmio da capital gaúcha, fechou e está à venda. Por ali passaram figuras como o cantor Belchior, após um show, e até Caetano Veloso. Mas, sobretudo, milhares de anônimos que procuravam um local para se alimentar após as festas.

O Van Gogh é um dos cerca de 100 estabelecimentos de gastronomia que fecharam as portas na capital gaúcha, em um total de 4.000, segundo o Sindha (Sindicato de Hospedagem e Alimentação de Porto Alegre).

“Nosso setor não é capitalizado e depende do recurso que entra no caixa em curto prazo. Na área central, os estabelecimentos que dependiam da circulação dos funcionários públicos foram afetados porque o trabalho migrou para o home office. Cozinhar em casa se transformou em uma opção, tanto pelo medo como porque se transformou em atividade de lazer para muitos”, explica Henry Chmelnitsky, presidente do Sindha.

Já em Curitiba, a pandemia foi o fator derradeiro para o fechamento da loja física da tradicional Empadas Caruso, que desde 1954 funcionava no mesmo endereço, próximo ao centro. Apesar de continuar atendendo de casa, só por encomendas, Guilherme Caruso, neto do fundador do negócio, decidiu desmontar a estrutura física do empreendimento a partir de 30 de dezembro.

Outro reduto tradicional dos curitibanos, o Bar do Pudim, que há 52 anos servia petiscos e cerveja, fechou definitivamente em maio. Apesar de ter dado o pontapé final no empreendimento, a crise do novo coronavírus apenas adiantou o processo. A dona do local, Dione Treis, já tinha decidido se aposentar, mas o isolamento social e os prejuízos de muitos dias parados logo no início da pandemia fizeram o projeto ficar mais “evidente”, segundo ela.

Em Pernambuco, 5.000 bares e restaurantes, incluindo pequenos negócios familiares, já fecharam —25% dos estabelecimentos locais. “Muitos fecharam porque não conseguiram acompanhar a retomada”, disse o presidente da Abrasel-PE (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Pernambuco, André Araújo.

O Armazém Centenário, na zona norte do Recife, vencedor do prêmio da revista Veja em 2018 como melhor boteco da cidade, é um dos que não resistiram. O bar funcionava havia seis anos no bairro do Espinheiro. Outro exemplo é o restaurante Papa Capim do bairro de Boa Viagem, bastante conhecido na zona sul da cidade. O grupo manteve apenas a unidade da zona norte.

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