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Plano de recuperação europeu enfrenta gargalo, dizem economistas

Itália e Espanha, países mais afetados do bloco, têm fraco histórico em gastos do dinheiro da União Europeia

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Mehreen Khan Davide Ghiglione Ian Mount
Bruxelas, Roma e Madri | Financial Times

Itália e Espanha, os dois maiores beneficiários do fundo de recuperação da Covid-19 da União Europeia, de 750 bilhões de euros (R$ 4,9 trilhões), enfrentam gargalos administrativos para gastar o apoio financeiro ao bloco nos próximos anos, segundo alerta de especialistas e de economistas.

A partir de meados deste ano, a Comissão Europeia começará a desembolsar o dinheiro emprestado de seu famoso fundo de recuperação europeu Próxima Geração para países membros que visam estimular suas economias depois dos lockdowns causados pela pandemia. Itália e Espanha, que estão entre os maiores e mais atingidos países da UE, serão também os maiores beneficiários da ajuda que se destina a financiar projetos de longo prazo e incentivar o crescimento.

Mas os dois países também têm um fraco histórico em gastos do dinheiro europeu –processo conhecido como "absorção"–, levando a preocupações de que o dinheiro de Bruxelas possa não ser usado por causa de obstáculos burocráticos e administrativos. A Espanha teve o pior índice de absorção dos fundos de investimento estruturais da UE de 2014 a 2020, em 39%, enquanto o da Itália é de 40%, segundo números da comissão. Só em 2019 a Itália teve o mais lento índice de absorção da UE, com apenas 30,7% dos fundos sendo pagos, segundo o Tribunal Europeu de Auditores.

Bandeiras da União Europeia em Bruxelas, Bélgica - François Walschaerts/AFP

Marcello Messori, economista na Universidade Luiss em Roma, disse que os 208 bilhões de euros (R$ 1,3 trilhão) reservados pela UE para a recuperação da Itália, uma combinação de subsídios e empréstimos, é uma "oportunidade colossal, mas também um compromisso administrativo e gerencial sem precedentes para a Itália".

Todos os países membros da UE devem apresentar planos de reformas detalhados a Bruxelas até abril, explicando como pretendem usar os empréstimos e subsídios que se destinam a aumentar a inovação, a digitalização e facilitar a transição verde. Bruxelas então analisará as reformas e distribuirá o dinheiro a partir do segundo semestre de 2021 até o final de 2023.

"Há muita ambiguidade sobre o estado de preparação do plano italiano e em muitos casos o âmbito é amplo demais", disse Messori. "Com mais de 50 projetos propostos sem detalhamento, a Itália ainda não esmiuçou as propostas, mas acima de tudo ainda não resolveu o problema de quem deve supervisionar a implementação dos projetos."

O governo espanhol, liderado por socialistas, pretende usar cerca de 70% dos fundos de 72 bilhões de euros (R$ 470 bilhões) destinados pelo fundo de recuperação entre 2021 e 2023 em investimento verde e transformação digital –poderá receber até 140 bilhões de euros (R$ 915 bilhões) em subsídios e empréstimos de hoje até 2026.

O governo espanhol também aprovou um decreto destinado a ajudar o país a superar suas dificuldades absorvendo e gastando os fundos europeus com eficiência. A medida visa ajudar a modernizar a administração pública, aumentar a colaboração entre os setores público e privado e permitir que mais seja gasto sob regras de contratação urgente.

Manuel Hidalgo, bolsista sênior no Centro Esade para Política Econômica, disse que a burocracia grande e compartimentalizada da Espanha –com 8.000 entidades espalhadas pelos níveis nacional, regionais e locais–, combinada com uma lei de contratação pública complexa, causam uma demora média de um ano para adjudicar um contrato. "Precisamos reformar a administração pública", disse Hidalgo.

Como a Espanha já fez grandes investimentos em infraestrutura, em rodovias e trens de alta velocidade, o governo terá de criar e supervisionar muitos investimentos menores e mais complexos em digitalização, tecnologias de baixo teor de carbono e desenvolvimento de empresas, disse Juan Viesca, ex-diretor-geral dos Fundos e Projetos Europeus para a região de Valência, e atual diretor de Fundos Europeus na fundação Finnova, sediada em Bruxelas. Ele indica que países mais pobres como a Polônia têm dinheiro reservado para projetos como "rodovias, hospitais e portos que são absorvidos mais depressa".

Além de receber dinheiro do plano de emergência da Covid-19, os governos europeus também terão de gastar 1,1 trilhão de euros (R$ 7,1 trilhões) de orçamento comum que começa neste ano e inclui centenas de bilhões em dinheiro de coesão para financiar o crescimento nos países mais pobres. Henning Fahland, chefe da Força-Tarefa de Recuperação e Resiliência no Ministério das Finanças alemão, que negociou o pacote de orçamento, descreveu a absorção como um "desafio para todos".

Enzo Moavero Milanesi, ex-ministro das Relações Exteriores italiano e ministro europeu, disse que o país "nunca teve a chance de gastar uma soma desse tipo nos últimos anos", mas advertiu que o plano de recuperação nacional de Roma "ainda precisa decolar".

"Nós ainda não nos voltamos para o lado das empresas, companhias, firmas, de modo que os projetos concretos saiam diretamente do chão. É difícil pensar que tudo pode ser resolvido no nível administrativo", disse Milanesi. Segundo ele, o país sofre de um "número interminável de regras e restrições administrativas que complicam o mercado" e também foi historicamente impedido de gastos públicos por ter a segunda maior proporção entre dívida pública e Produto Interno Bruto da União Europeia.

"Na teoria, o problema da dívida pública poderia ser superado usando os fundos europeus. A oportunidade é incrível, mas se atrasarmos tudo esses recursos poderão não produzir os resultados desejados", disse Milanesi.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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