Ainda fazem anúncios dizendo que é fácil ganhar dinheiro na Bolsa, e não é, diz Favelado Investidor

Influenciador listado entre os destaques da Forbes, Murilo Duarte ganha espaço falando sobre finanças para pessoas de baixa renda

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São Paulo

Estude, aplique na prática o que aprender e não tenha pressa para ganhar dinheiro. As dicas são de Murilo Duarte, 26, conhecido como Favelado Investidor desde 2019, quando passou a falar em seus canais pela internet como pessoas de baixa renda podem guardar e investir dinheiro.

Com camiseta, tatuagem e uma linguagem que traduz jargões financeiros, ele foi ganhando espaço que influenciadores tradicionais de finanças pessoais não conseguiam ocupar.

“Eles têm um conteúdo diferente, aparentam ser de outra classe social, e propõem que as pessoas podem ficar ricas com uma quantia maior de dinheiro, R$ 20 mil, por exemplo”, afirma. “Nada contra, mas é preciso entender que a maioria da população brasileira não vai se identificar com isso.

No ano passado, o seu número de seguidores aumentou seis vezes, passando de 50 mil para 300 mil acompanhando a popularização da Bolsa de Valores.

“De um lado, isso quer dizer que o brasileiro tem interesse em juntar o seu dinheiro e está preocupado com o futuro, o que é muito positivo”, diz. “De outro lado, porém, algumas pessoas ainda fazem anúncios na internet dizendo que é fácil ganhar dinheiro na Bolsa, e não é. Tem muito risco.”

Duarte, que esteve entre os 90 destaques brasileiros abaixo dos 30 anos eleitos pela Revista Forbes em 2020, conversou com a Folha sobre como começar a investir na Bolsa.

Murilo Duarte, dono do canal @faveladoinvestidor,  no antigo bairro onde morava, no João XXIII, na zona Oeste de São Paulo
Murilo Duarte, dono do canal @faveladoinvestidor, no antigo bairro onde morava, no João XXIII, na zona Oeste de São Paulo - Karime Xavier/Folhapress

Como surgiu o Favelado Investidor?
A ideia surgiu em 2017, quando eu consegui emprego na KPMG, uma auditoria internacional. Foi lá que eu aprendi muito de análise de empresas. Na época eu já estudava bastante renda variável e ações. Todos da minha equipe também eram da favela, e nós sempre conversávamos sobre Bolsa de Valores. Eu explicava o que sabia para o pessoal. Até que um dia, uma colega perguntou: “Por que você não cria um canal no YouTube? Você explica sem o economês e é mais fácil de entender.”

Isso foi em uma quarta-feira. No sábado, eu criei o canal e o Instagram. Desde então, comecei a criar conteúdo, falando do meu jeito, tentando exemplificar os conceitos com coisas do dia a dia e buscando sempre tirar as palavras difíceis, porque isso afasta muitas pessoas.

Saí da KPMG no início de 2020 e, desde então, estou com os canais do Favelado Investidor.

Quando você fez o seu primeiro investimento?
Eu nasci na favela, no Jardim João 23, um bairro [na zona oeste de São Paulo] no limite entre Osasco e Taboão da Serra. Graças a Deus, nunca faltou comida dentro de casa, mas eu nunca tive dinheiro para esbanjar. Fui criado pela minha mãe, avó e tia, sem nunca ter contato com o meu pai.

Sempre estudei em escola pública e não era um bom aluno. Mas, apesar de ter sido reprovado no primeiro ano do ensino médio, sempre gostei de matemática. Quando cresci, quis entender como poderia ter dinheiro pelo caminho lícito, porque percebi que merecia mais do que aquilo.

Em 2015, consegui um emprego como menor aprendiz em um cartório no centro de São Paulo. Meu salário era de R$ 680 na época, e foi bem no ano em que eu comecei a faculdade de contabilidade.

A mensalidade da faculdade era de R$ 640. Com os R$ 40 que sobraram depois de pagar a primeira mensalidade, comprei um livro sobre Tesouro Direto e comecei a estudar por conta própria. Depois de três meses, juntando um pouco mais de dinheiro, fiz o meu primeiro investimento no Tesouro.

Você enfrentou algum preconceito no meio do caminho?
Para ser sincero, não. O pessoal do Fintwit [junção de “Fin”, abreviatura de financeiro, e “twit”, de Twitter], por exemplo, me ajudou muito a crescer. Grandes gestores, presidentes de assessorias de investimentos e corretoras me incentivaram muito. Eles viam em mim a possibilidade de alcançar um público que eles não conseguiam.

As pessoas, às vezes, são de outra realidade, se identificam com outra aparência, outra vivência. Nos meus vídeos, por exemplo, eu sempre visto uma camiseta de time, um boné, um óculos Juliet. Tenho o braço fechado de tatuagem, falo gíria.

É diferente da pegada mais formal que outros influenciadores têm. Eles aparentam ser de outra classe social, com um conteúdo diferente, e propõem que as pessoas podem ficar ricas com uma quantia maior de dinheiro, R$ 20 mil, por exemplo.

Nada contra, mas é preciso entender que a maioria da população brasileira não vai se identificar com isso. É preciso se comunicar de uma maneira que esse pessoal consiga ver a possibilidade de sair da escassez financeira.

O pessoal da favela não mata um leão por dia, mata dez, mais uns três elefantes e, depois, aparece um tigre. No final, a gente ainda perde o busão para chegar ao trampo. Mas é possível sair dali e crescer.

Mas é possível sair dali e crescer.

Muitas pessoas entraram na Bolsa de Valores no ano passado, diante das baixas taxas de juros. Você sentiu essa demanda maior pela Bolsa nos seus canais? Como você enxerga esse movimento?
Sim. No final de 2019, eu tinha 50 mil seguidores no Instagram. Esse número passou a quase 300 mil no final de 2020 e, até agora, são mais de 400 mil.

E eu tenho uma visão otimista sobre tudo isso, mas é um pouco preocupante. De um lado, isso quer dizer que o brasileiro tem interesse em juntar o seu dinheiro e está preocupado com o futuro, o que é muito positivo. De outro lado, porém, algumas pessoas ainda fazem anúncios na internet dizendo que é fácil ganhar dinheiro na Bolsa, e não é. Tem muito risco.

E quem está entrando agora na Bolsa precisa saber que é necessário estudar e ter consciência do que está fazendo. Pode acontecer de uma ação despencar de repente, como foi com a Petrobras recentemente, e quem não tem um conhecimento básico sobre o que significam oferta e demanda acaba entrando em desespero e perdendo muito dinheiro.

Esse cenário muda com o ciclo de aumento dos juros iniciado pelo Banco Central na última semana?Apesar do aumento, a Selic continua baixa em relação aos picos históricos do Brasil e não interfere muito na rentabilidade dos investimentos. Vamos ver diferenças nos ativos de renda fixa, como CDBs [Certificado de Depósito Bancário], e nos títulos do Tesouro Direto voltados para a Selic. Na Bolsa, ações de bancos, por exemplo, podem se beneficiar, já que é possível que os bancos aumentem os juros dos empréstimos [operações de crédito são fontes de receita dos bancos].

A educação financeira ajuda a elevar o número de investidores na Bolsa?
Sem dúvida. Vimos um crescimento de educação financeira, diante do interesse e da curiosidade das pessoas pelo assunto, mas ainda estamos longe do ideal. Lidamos com dinheiro e finanças o tempo inteiro, todos os dias, mas ainda não aprendemos isso na escola.

E eu não falo de investir na Bolsa, mas em como lidar com o dinheiro. Como guardar dinheiro, criar o hábito de separar e organizar o orçamento. Tudo está muito ligado a hábitos de consumo.

Como está distribuída a sua carteira hoje?
Atualmente, apenas a minha reserva de emergência está em renda fixa, em um CDB [Certificado de Depósito Bancário] de liquidez diária. O resto está em ações, fundos de investimentos imobiliários, e, no fim do ano passado, coloquei uma pequena quantia em bitcoins.

O que você tem achado de investir em criptoativos?
Falando especificamente sobre bitcoin, que foi o que eu mais estudei, tenho gostado bastante. A moeda teve uma boa valorização desde que eu investi, e a minha visão é que, eventualmente, as grandes empresas devem começar a aceitar bitcoin como meio de pagamento. Quando o Elon Musk, dono da Tesla e um dos caras mais ricos do mundo, sinalizou que acredita no potencial do bitcoin, o mercado global entendeu que esse movimento está acontecendo.

Mas ele também é um ativo que requer cuidado e consciência. Ele oscila muito todos os dias, e, antes de investir, é preciso estudar e entender bem como o bitcoin funciona.

Você já tomou algum tombo?
Em relação à análise de empresas, eu aprendi muito na KPMG. Isso me ajudou demais. Quando eu vou investir em uma companhia, olho tudo: desde a vida do presidente até as estratégias do negócio. Fazendo isso e tendo uma visão de mais longo prazo, consegui manter um certo equilíbrio até agora.

No começo da pandemia, em março do ano passado, quando eu vi o preço das ações despencando, até consegui identificar algumas oportunidades. Mas é aquilo: pensar na resiliência da empresa, nas oportunidades e dificuldades que ela pode enfrentar.

Qual a dica para o investidor ter sangue frio nessas horas?
É preciso ser racional. Lembrar o motivo de ter investido naquela empresa. Fazer uma nova análise, tentando entender se essa companhia perdeu seus fundamentos ou se a forma como ela atua e suas estratégias mudaram, e se melhoraram ou pioraram.

Também é bom tentar entender os processos de governança, como a empresa se protege em períodos de crise e como faz para atingir o cumprimento suas metas.

É sempre necessário fazer uma boa análise e confiar nela.

O que você recomenda para os investidores de primeira viagem?
A primeira coisa é não ter débitos ruins em atraso, como no cartão de crédito. Muito menos pensar em usar os rendimentos dos investimentos para pagar essas dívidas.

Os juros do cartão são os mais altos do Brasil. Para você ter essa rentabilidade, precisaria, no mínimo, investir em ações, mas, ainda assim, nada garante esse tipo de retorno a curto prazo.

Ter dívidas como o parcelamento de um carro, por exemplo, se for algo que ainda está controlado dentro do orçamento e sobrar um dinheiro, pode investir.

A segunda dica é para ter uma conta aberta em corretora. Elas têm o papel de auxiliar o investidor no mercado financeiro e dar suporte. Além disso, muitas oferecem custo zero.

A terceira dica é não parar de estudar. Pega um livro sobre o assunto e se dedique a lê-lo por meia hora. E execute todo o conhecimento que adquirir, não fique só na teoria. É aplicando o que você leu que vai entender o certo e o errado.

A quarta e última dica é não ter pressa. Eu demorei dez anos para chegar aonde cheguei. Investir é um processo de evolução, mas que sempre dá resultados. Eu consegui sair da favela e moro em Cotia, na zona oeste da Grande São Paulo, em uma casa grande com a minha família. Fui de João 23 para Granja Viana [bairro nobre em Cotia].

Dicas do Favelado Investidor para começar a investir

  1. Não tenha dívidas ruins

    Pagamentos atrasados da fatura do cartão de crédito, por exemplo, podem se tornar uma bola de neve para o consumidor. Priorize o pagamento da dívida antes de começar a investir.

  2. Não use o retorno dos investimentos para quitar dívidas

    Principalmente em compromissos atrasados que têm juros altos, o único investimento que poderia dar um retorno suficiente para pagar esses débitos seriam ações na Bolsa de Valores. Ainda assim, nenhum retorno é garantido no curto prazo. Organize o orçamento e, se necessário, renegocie.

  3. Tenha conta aberta em corretora

    Essas casas de investimento têm o papel de auxiliar o investidor no mercado financeiro e dar todo o tipo de suporte que ele precise. Além disso, muitas oferecem custo zero.

  4. Não pare de estudar e aplique tudo o que aprender

    Sempre leia livros e notícias para se atualizar sobre o assunto e execute todo o conhecimento que adquirir. É colocando o que se aprendeu em prática que é possível entender o certo e o errado.

  5. Não tenha pressa

    Investir é um processo de evolução, mas que sempre dá resultados no longo prazo. Tenha calma, estude a empresa antes de investir e refaça sua análise sobre ela sempre que necessário.


RAIO-X

Murilo Duarte, 26, é formado em contabilidade e desde 2019 é dono dos canais Favelado Investidor. No Youtube tem 283 mil inscritos. No Instagram e no Twitter, tem 410 mil e 84,5 mil, respectivamente. É um dos destaques brasileiros abaixo dos 30 anos eleitos pela revista Forbes em 2020

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