Campos Neto atua para influenciar política, e equipe de Guedes considera ajuda bem-vinda

Analistas dizem que papel é do ministro, mas que gravidade do cenário permite flexibilidade

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Brasília

A dificuldade enfrentada pelo Ministério da Economia para convencer a classe política sobre a gravidade do cenário fiscal fez a atuação do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ser considerada pelos integrantes da pasta e por analistas uma ajuda bem-vinda em um momento conturbado.

Campos Neto foi escalado nesta semana para tentar conter desidratações da PEC (proposta de emenda à Constituição) Emergencial. O texto, defendido por Guedes, libera o auxílio emergencial em 2021 enquanto cria gatilhos para conter gastos em momentos de calamidade pública e aperto orçamentário (como reajustes salariais de servidores).

A atuação do presidente do BC para convencer o Congresso chamou a atenção de analistas, já que a função é tradicionalmente exercida pelo Ministério da Economia.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto - Adriano Machado/File Photo/Reuters

O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), afirmou que o convite para Campos Neto falar com lideranças partiu do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Barros disse que a discussão serviu para ressaltar os possíveis impactos das decisões que seriam tomadas pelos parlamentares considerando o atual cenário econômico, com pressões sobre inflação (em especial sobre alimentos), juros e câmbio.

"Quando se trata da política monetária, ele [Campos Neto] é o responsável. Em função da situação, o presidente Arthur Lira pediu para ouvir o presidente do BC para esclarecer o colégio de líderes", disse à Folha.

Barros afirma que o ministro Paulo Guedes (Economia) tinha sido ouvido anteriormente durante as discussões sobre a PEC. "Ele já tinha se posicionado, todos nós já tínhamos ouvido. Não é nenhuma questão de mais ou menos prestigio", disse.

Guedes, de fato, teve reuniões com parlamentares como o próprio Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), sobre o tema. Defendeu as regras de ajuste fiscal para liberar o auxílio e expressou temor com a deterioração de indicadores como inflação, juros e desemprego caso isso não ocorresse.

Mesmo com Guedes expressando a interlocutores que poderia deixar o cargo caso a PEC não fosse aprovada, o texto encontrou resistência e até mesmo o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) defendeu a desidratação da proposta ao pedir a retirada de itens ligados a servidores.

Ao fim, a Economia sofreu derrotas e teve que aceitar a retirada de itens de ajuste para ver a PEC avançar. De qualquer forma, as dificuldades enfrentadas fez integrantes da equipe de de Guedes verem como bem-vinda a atuação do presidente da autoridade monetária.

De acordo com eles, a Economia estava presente nas negociações da PEC, mas o texto abordava assuntos tradicionalmente difíceis de avançar no Congresso e, por isso, toda ajuda é vista como necessária.

O balanço da presença de Campos Neto nos debates não é considerado um problema na pasta também porque há forte correlação existente hoje entre as políticas monetária e fiscal. Por isso, conter os gastos facilita o trabalho do BC ao decidir sobre juros.

Segundo integrantes do governo, quanto mais juntos Economia e BC estiverem, melhor para ambos. Seria uma situação de ganha-ganha.

Entre analistas ouvidos, a atuação de Campos Neto para fora das paredes do BC não é vista como tradicional. Mesmo assim, o episódio não chega a ser considerado um problema sobretudo devido às condições do cenário econômico.

"Não é atribuição do presidente do BC esse tipo de coisa, com certeza não é, e evidentemente tem algum custo no sentido institucional. Mas [dadas as condições] acho absolutamente legítimo e acho que o presidente do BC agiu de maneira correta", afirma José Júlio Senna, ex-diretor do BC e analista do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Fundação Getulio Vargas).

"É um momento muito conturbado da nossa história. Se não estivesse tendo uma crise sanitária, a economia enfraquecida, se o mercado de câmbio estivesse calmo, de repente ele poderia ter agido de outra maneira. Mas, em um momento como esse, o risco de dar um passo em falso é alto", afirma.

Ele acrescenta que em economias avançadas as divisões entre as políticas monetária e fiscal estão ficando menos rígidas em busca de soluções para a crise econômica.

Para Sérgio Praça, cientista político e professor da FGV, a articulação de Campos Neto no Congresso diz mais sobre Guedes do que sobre o próprio presidente do BC.

"Guedes desde muito tempo tem embates com parlamentares, como o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia [DEM-RJ]. Ao longo do ano passado ele e sua equipe perderam a credibilidade que tinham conquistado em 2019 e esse espaço está sendo preenchido por Campos Neto", avalia.

Praça destaca que os cenários econômico e fiscal foram muito afetados depois da pandemia, o que pode abrir caminho para que a articulação do titular do BC seja bem-vinda, mas alerta que limites precisam ser respeitados.

Na última segunda-feira (8), o presidente do BC também participou de reunião no Palácio do Planalto com Bolsonaro, Guedes e outros integrantes do governo com a Pfizer.

"É natural que essas articulações ocorram porque a crise fiscal está chegando a um nível insustentável, então todos os envolvidos na política econômica tentam fazer algo. O perigo é fazer isso fora do organograma normal, a reunião com a Pfizer é um exemplo claro", pondera Praça.

A maior presença de Campos Neto nas discussões coincide com um momento de aumento de inflação e perspectiva de aumento de juros, com uma atividade não plenamente recuperada da pandemia e novas medidas de restrição devido ao avanço do contágio.

Normalmente, o desempenho fraco da economia desacelera os preços. Economistas atribuem a situação à falta de âncora fiscal.

"A estagflação é normal em países que não possuem âncora fiscal e isso gera efeitos de longo prazo. O Brasil sairá da pandemia na contramão do mundo e isso afasta investimentos", diz a economista-chefe do Credit Suisse Brasil e colunista da Folha, Solange Srour.

"A atuação de Campos Neto nesse sentido [em decisões fiscais] indica essa cautela. A política monetária sozinha não vai fazer todo o trabalho, então não adianta só subir a Selic [taxa básica de juros] porque as expectativas não serão ancoradas", destaca.

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