Descrição de chapéu desmatamento inflação

Casino sofre ação na Justiça francesa por comprar carne brasileira

Indígenas e entidades ambientais querem que grupo varejista seja responsabilizado por danos causados na Amazônia

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Bruxelas e São Paulo

Uma coalizão de grupos indígenas brasileiros e colombianos e de entidades ambientais francesas e americanas está processando o grupo de varejo francês Casino —dono do Pão de Açúcar (GPA), no Brasil, e do Éxito, na Colômbia— por danos ambientais e violação de direitos humanos ligados a desmatamento na Amazônia, ao comprar carne fornecida pela JBS.

Segundo as entidades, esta é a primeira ação contra uma cadeia de varejo sob a lei francesa de “dever de vigilância”, de 2017, que responsabiliza companhias com mais de 5.000 funcionários por violações ambientais ou sociais em sua cadeia de suprimentos.

Na ação, apresentada na corte de Saint-Etienne, os indígenas pedem compensação por danos ligados a desmatamento e invasão de terras praticados por fornecedores do grupo varejista. No total, os autores calculam um prejuízo de 2,45 milhões de euros (R$ 17 milhões) a três diferentes comunidades brasileiras e 1 milhão de eruos (R$ 7 milhões) a indígenas colombianos, fora os danos morais.

Índios da etnia uru-eu-wau-wau fazem reconhecimento de área invadida por grileiros, em Governador Jorge Teixeira
Índios da etnia uru-eu-wau-wau fazem reconhecimento de área invadida por grileiros, em Governador Jorge Teixeira (RO) - Divulgação

À Folha, o Casino afirmou que não vende carne brasileira na França e não comenta processos judiciais em andamento. A companhia disse porém que a subsidiária do Brasil “possui uma política sistemática e rigorosa de controle da origem da carne bovina entregue por seus fornecedores”, para garantir "o cumprimento dos critérios socioambientais (sem desmatamento, sem trabalho forçado, sem trabalho infantil), definidos com a ONG Imaflora e pelo governo brasileiro”.

Já segundo levantamento feito pelo Centro de Análise de Crimes Climáticos (CCCA), que embasa a ação na Justiça, as empresas do grupo varejista compraram regularmente carne de três frigoríficos da JBS que recebem gado de 592 criadores responsáveis por desmatamento.

De 2008 a 2020, a área destruída pelos pecuaristas, segundo o CCCA, foi de 50 mil hectares, ou cinco vezes a área de Paris (cada ha equivale a uma quadra de cidade, de 100 m X 100 m).

As entidades também afirmam haver invasão, por fornecedores da JBS, do território de indígenas uru-eu-wau-wau em Rondônia. A carne produzida nessa área, segundo os autores da ação, foi vendida para o Pão de Açúcar.

As ONGs dizem que o Casino falhou em fiscalizar sua rede de abastecimento, apesar de “repetidas denúncias de desmatamento e invasão de terras”. O Casino afirma que “vem lutando ativamente, há vários anos, contra o desmatamento vinculado à pecuária no Brasil e na Colômbia, levando em consideração a complexidade das cadeias produtivas”.

A base mais recente de evidências usadas para a acusação é o relatório publicado na última semana pela ONG Repórter Brasil, que identificou a venda de carne bovina com origem em áreas de desmatamento ilegal a frigoríficos que abastecem grandes redes varejistas.

O relatório aponta diversos casos em que o monitoramento das empresas não foi suficiente para barrar compras ligadas a desmatamento. Um dos investigados foi um frigorífico amazônico fornecedor do Grupo Pão de Açúcar.

Ele adquiriu ao menos 370 cabeças de gado entre julho e outubro de 2020 de uma fazenda de 100 hectares, dos quais 30% são de mata nativa. A área disponível para pastoreio seria, portanto, incompatível com a quantidade de animais vendida.

Segundo o Ministério Público Federal, o índice máximo de produtividade para evitar a suspeita de triangulação de animais é de 3 cabeças por hectare a cada ano. O parâmetro foi adotado no último ano pelos principais frigoríficos e redes varejistas do país, sob coordenação do MPF, para evitar a "lavagem de gado" na Amazônia —ou seja, a transferência do gado de áreas embargadas por desmate ilegal para terras com ficha limpa.

Em comunicado da entidade Envol Vert, uma das envolvidas no processo, o advogado da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Luis Eloy Terena, disse que “a demanda por carne bovina do Casino e do Pão de Açúcar traz desmatamento e grilagem e violência, além do assassinato de lideranças indígenas que optam por resistir”.

“Estamos buscando também responsabilização por danos causados aos nossos territórios. Esses danos afetam nosso modo de vida, nossa ancestralidade, nossa cultura e, sobretudo, a nossa sobrevivência enquanto povo indígena e a capacidade de resguardar as nossas tradições para futuras gerações”, completou.

O advogado do grupo Seattle Avocats e responsável por entrar com o processo judicial, Sebastien Mabile, afirmou à Folha que esse tipo de responsabilização judicial é recente e desponta como tendência no continente europeu. “Nossa ação é apenas a quinta apresentada à Justiça com base na lei do Dever de Vigilância e nenhum dos outros quatro processos foi julgado ainda. A Alemanha e a Comissão Europeia também preparam legislações semelhantes”, disse.

A diretora de sustentabilidade do Grupo Pão de Açúcar, Susy Yoshimura, afirmou à Folha que dois fornecedores foram bloqueados pelo grupo após a investigação da Repórter Brasil.

Para Yoshimura, o principal desafio é o rastreamento dos fornecedores indiretos, já que a documentação —a Guia de Transporte Animal— não é uma informação pública. A executiva nega que o grupo tenha descumprido a lei francesa do Dever de Vigilância. “O que a lei nos pede é uma análise de risco”, afirma.

Questionada sobre a continuidade de compra de carne bovina da JBS, que aparece en diversas denúncias de compra proveniente de desmatamento ilegal, Yoshimura respondeu que a JBS, junto a Marfrig e Minerva, domina 80% do mercado.

“Eles são bem pressionados por nós, mas também preciso ser sincera e não ser tão utópica de falar que a gente consegue mudar o comportamento de um player (ator) desse porte. Não tenho esse romantismo.”

Procurada para comentar, a JBS afirmou, em nota, que "refuta frontalmente essa acusação".

"Todas as compras de matéria-prima da JBS respeitam política de compra responsável e o Protocolo de Fornecedores de Gado do Ministério Público Federal", diz a nota. A empresa afirma ainda que monitora seus fornecedores por meio de um sistema de imagens de satélite, e que já bloqueou 9 mil propriedades que não se enquadram em seus critérios socioambientais.

"Mais do que isso, a JBS está implantando uma ferramenta blockchain para estender esse mesmo monitoramento aos fornecedores de seus fornecedores", completou.

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