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Paulo Pedrosa

Quanto valem os jabutis da privatização da Eletrobras?

Proposta aprovada na Câmara cria cotas, reservas de mercado e custos sem uma análise de seus impactos

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Paulo Pedrosa

Presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres

O mercado apoiou um grande acordo que quase deu quórum constitucional à Medida Provisória de capitalização da Eletrobras. O podcast de uma grande assessoria de investimentos expôs a resignação com o fato de que “o Brasil não é uma Suíça” e admitiu que os jabutis introduzidos no projeto valeriam a privatização.

A MP original do governo era boa. A mudança recente na presidência da empresa apontava para o melhor projeto possível, mas a proposta aprovada na Câmara embute uma minirreforma do setor elétrico que consagra as práticas que queimaram uma oportunidade do Brasil: a de ter uma energia barata e competitiva.

O projeto cria cotas, reservas de mercado e custos sem uma análise de seus impactos. Obriga o país a construir grandes gasodutos e térmicas distantes e, depois, linhas de transmissão que trarão a energia para o centro de consumo. Faz o consumidor pagar pela renovação de contratos antigos, que venceriam a preços maiores obtidos no mercado competitivo. Define quantidade, origem e localização da expansão da energia, à revelia do planejamento e da competição.

Funcionário em escada apoiada em poste, trabalha nos fios de energia
Funcionário da Eletrobras em Boa Vista - Divulgação/Facebook Eletrobras Distribuição Roraima

Ao apoiar e avalizar essa proposta em manifestações a parlamentares, alguns investidores do mercado dão um sinal ruim e consolidam o modelo em que cada nova negociação será decidida em função dos benefícios localizados que ela trará, sem considerar os custos diluídos para a sociedade. Este é um modelo que dá o sinal de que se repetirá também no projeto de Geração Distribuída (PL 5829/19), que aumentará em até 25% as contas dos brasileiros.

As dificuldades do Brasil de hoje se explicam por práticas como essas que agora se repetem e que privatizam benefícios e socializam custos. O curioso é que o mercado trabalhou contra o futuro para ter o ganho imediato. Com isso, desvaloriza a principal ação na carteira de todas as empresas, que é a ação do Brasil.

A proposta aprovada na Câmara amplia os riscos e afeta os resultados no setor elétrico, por exemplo, através de impactos econômicos importantes nos geradores hidráulicos atuais que serão deslocados pela energia carimbada das térmicas inflexíveis, agora por mágica e não por mérito.

As reservas de mercado criadas reduzem o espaço competitivo da expansão, principalmente de fontes renováveis e usurpam o espaço de empresas que se prepararam para a competição. Pior ainda, para neutralizar potenciais efeitos aos consumidores da energia da Eletrobras, os investidores validaram um modelo em que os benefícios da privatização não alcançarão a produção nacional, majoritariamente consumidora no mercado livre, sendo dirigidos à modicidade dos consumidores regulados.

Com grande valor simbólico e econômico, essa decisão consolida quase uma política anti-industrial energética, que vai onerar os produtos brasileiros, aumentando seus custos e retirando a competitividade. Indiretamente, reduz também a renda da população e solidifica um modelo de cobrar, nas tarifas industriais, por políticas públicas que deveriam ser tratadas na via dos impostos, compensados nas cadeias produtivas e que não oneram exportações.

É curioso ver setores que levantam com tanto ânimo as bandeiras da sustentabilidade e do ESG posicionando-se conscientemente contra a sustentabilidade e favorecendo indiretamente a piora de suas instituições e processos e o aumento das emissões.

É hora de muita responsabilidade e espírito público. Muito mais importante do que privatizar a Eletrobras é melhorar o ambiente econômico, político e social. Na forma com que está aprovada, o preço da privatização ficou muito alto. Se a MP original tinha vários méritos, atendendo ao governo e à própria Eletrobras e seus acionistas, aos consumidores e acolhendo compensações políticas, a proposta encaminhada ao Senado dá o sinal errado.

Este é o cenário de um país que se afasta do fortalecimento de suas instituições, do compromisso com a transparência e a competição. Está na hora de trabalhar juntos, sem ceder à tentação do passado e do curto prazo. Vamos todos aprovar a MP original e fazer a coisa certa do jeito certo. Ainda não seremos uma Suíça, mas certamente caminharemos para um futuro melhor.

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