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Senado terá de decidir se MP de privatização da Eletrobras vai manter térmicas que deixam conta de luz mais cara

Projeto concebido para reduzir peso da estatal agora exige construção de usinas, gasodutos e redes de transmissão pagas pelo consumidor

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Rio de Janeiro

A contratação obrigatória de térmicas incluída pela Câmara dos Deputados na MP (medida provisória) de privatização da Eletrobras gerou um embate entre empresas do setor de energia e as distribuidoras de gás canalizado e deve virar alvo de uma batalha no Senado.

A contratação das térmicas foi incluída na MP pelo relator do projeto no Câmara, o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA). O texto aprovado prevê a compra de 6.000 MW (megawatts) de usinas que devem ser instaladas nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste.

Essa imposição muda a lógica do setor. Atualmente, a compra de energia pelas distribuidoras de eletricidade se dá por meio de leilões do governo em que as diversas fontes de geração disputam os contratos. Ganham os projetos que apresentarem a menor tarifa, independentemente do local onde serão instalados.

Logo da Eletrobras em instalações da companhia no Rio de Janeiro - Pilar Olivares/Reuters

Caso a MP seja aprovada no Senado, a expectativa é que o governo realize leilões específicos para a contratação dessas térmicas, com definição dos locais onde as usinas ficarão.

A queda de braço no Brasil ocorre no momento em que países desenvolvidos estão revendo o uso de óleo e gás. Em recente relatório, a AIE (Agência Internacional de Energia) recomendou que sejam suspensos, desde já, os investimentos no setor para neutralizar as emissões de carbono até 2050. Se a recomendação for seguida, os projetos ancorados em gás vão enfrentar cenário de restrição e se tornar obsoletos antes mesmo de saírem do papel.

Essas térmicas não entrariam em operação neste ano, por exemplo, momento considerado crítico para o abastecimento. Dada toda a infraestrutura que exigem, começariam a operar daqui há cinco anos, segundo estimativas, quando novas tencologias limpas já terão sido desenvolvidas.

Os críticos também afirmam que essas térmicas não passariam de jabutis, nome dado a medidas que são incluídas em projetos de lei durante a sua tramitação, mas que não têm nenhuma relação relevante com a proposta original da matéria —no caso, a privatização da Eletrobras. Defendem que sejam retiradas do projeto no Senado.

Eles argumentam , ainda, que, se o projeto for aprovado como está, vai criar uma reserva de mercado para atender interesses privados no setor de gás ao custo de aumento na conta de luz de todos os brasileiros. O principal beneficiado seria o empresário Carlos Suarez, da Termogás.

A Termogás é sócia de distribuidoras de gás canalizado ainda não atendidas por gasodutos, como a do Distrito Federal e a do Maranhão, por exemplo.

O texto não especifica em que estados as térmicas serão construídas, mas indica, por exemplo, que o Piauí, onde a Termogás também tem participação, terá uma usina. A ideia seria viabilizar um gasoduto até a capital Teresina, única do Nordeste longe da costa.

Para justificar a construção dos gasodutos, as térmicas terão que operar com maior frequência do que o modelo atual, que prevê o acionamento dessas usinas apenas quando as fontes mais baratas não dão conta de suprir toda a demanda.

Dessa maneira, essas novas térmicas vão operar de forma ininterrupta, com um fator de capacidade superior a 70%. A demanda por gás viabilizaria a construção de gasodutos para o interior do país — hoje, a malha é concentrada perto do litoral.

Para grandes consumidores e comercializadoras de energia, os principais opositores, esse modelo limita a competição e vai demandar investimentos bilionários em gasodutos para atender as essas novas térmicas, que estão distantes da infraestrutura atual de transporte do combustível.

"A gente defende lógica econômica", diz o presidente da Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica), Reginaldo Medeiros. "Sempre precisa construir a usina mais barata para o consumidor."

As distribuidoras de gás, por outro lado, defendem que essas térmicas contribuiriam para reduzir as tarifas, porque esses projetos substituirão usinas a diesel ou óleo combustível, mais caras, e evitam a construção de linhas de transmissão levar energia do litoral ao interior.

Também argumentam que os opositores estão mais preocupados com a possibilidade de queda nos lucros que têm com a comercialização de contratos de energia no chamado mercado livre (onde os valores da energia são negociados entre as partes), já que a oferta permanente da energia das térmicas criaria um ambiente com preços mais estáveis.

O presidente da entidade, Augusto Salomon, diz que o custo dos gasodutos não é problema, já que o investimento seria ancorado pela demanda da térmica. E defende que, com um volume adicional de energia firme, o país conseguirá preservar os reservatórios, reduzindo o risco de apagões.

Não é de hoje que a discussão sobre essas térmicas a gás alimenta debates.

Em 2018, no fim do governo de Michel Temer, os leilões regionais dessas térmicas a gás geraram polêmica semelhante. A proposta chegou a ser oficializada pelo então ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, em setembro, pouco antes da eleição presidencial. No entanto, a ideia não evoluiu.

A Abegás tentou incluir o tema também no debate sobre o novo marco regulatório do gás natural, aprovado no Congresso em março, mas foi vencida. Em outro projeto, sobre risco hidrológico do setor elétrico, a entidade tentou criar um fundo com recursos do pré-sal para subsidiar gasodutos.

A proposta é vista com desconfiança também entre outros especialistas do setor não ligados formalmente a nenhuma entidade de consumidores ou indústrias.

"No fundo, é um movimento de gente que tem interesse", afirma a economista Elena Landau. "Mesmo que as térmicas sejam importantes, [a decisão] tem que partir da EPE [Empresa de Planejamento Energético], que é a empresa responsável pelo planejamento."

Elena Landau é uma conhecida defensora de privatizações. Esteve à frente do Programa Nacional de Desestatização durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. No entanto, diz que já não gostava do projeto proposto pelo governo e, com as mudanças e a falta de debates, é hoje contrária à privatização.

Por outro lado, o texto aprovado na Câmara recebeu nesta semana apoio em reunião de diretores da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Para Sandoval Feitosa, a contratação das térmicas ajuda a levar para o interior do país gás natural que hoje está sendo reinjetado nos poços por falta de capacidade de transporte.

O texto vai agora ao Senado, onde seus opositores esperam derrubar os jabutis incluídos na Câmara, entre eles a questão das térmicas, a contratação compulsória de pequenas centrais hidrelétricas e a forma de rateio dos bônus que a estatal pagará para renovar suas concessões.

Esse último ponto também é alvo de críticas da indústria, já que o benefício só deve ser dado a consumidores conectados a distribuidoras de eletricidade. Para Medeiros, a ausência de repasse a grandes consumidores pode levar à judicialização do processo.

​Procurados, o deputado Nascimento e o empresário Suarez não responderam ao pedido de entrevista.

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